domingo, 20 de dezembro de 2009

Sonhos de uma noite de verão

"Até hoje não acredito! Como pode ser?"

Surpresa, espanto, teatro, chame como quiser. Mas o assunto vem e vem. Em todas as ocasiões possíveis. Meses, anos depois. E sempre as mesmas frases, sempre os mesmos pensamentos.

Ele morreu. Ou melhor, se matou. Saiu voando pela janela, nu como veio ao mundo, para encontrar seu fim no frio concreto da rua.

A supresa é forte, no início. De todos, por que logo ele? Seria o menos "esperado". Gente boa, feliz, piadista, meditador e zen budista. Por que fazer um ato tão execrado por um determinado contexto cultural? Não por acaso, o de todos os presentes.

Motivos importam? Não é a vida a última e mais privada propriedade de um ser vivo? Não é a capacidade de morrer o primeiro passo para a escolha do viver? Pois, se não há capacidade, há escolha? Uma árvore ou uma bactéria não encerra sua própria vida, pois uma das propriedades báscias de seus sistema vivo é manter-se funcionando. Em miúdos: manter-se vivo. Mas, se pela dádiva da abstração recebemos da mesma forma a do suicídio, não se torna uma escolha de cada um manter-se respirando?

Não é o que dizem as leis. Se tento encerrar minha existência (como sistema vivo homeostático e entidade pensante), não é uma questão de escolha. É pura e simples loucura. Mesmo se sofrendo a cada segundo que passa pela seta do tempo, chafurdando em uma cama de hospital, a eutanásia é crime. Se escolho este caminho e existe algum observador, certamente me tomará como insano.

O interessante é a curiosidade para com os motivos. As lendas correm, os boatos se multiplicam. Era uma mulher. Era um problema mental. Foi deixada uma carta. Qual seu conteúdo? As imaginações se atiçam. Afinal, volta a pergunta: por que logo ele?

É inimaginável, não? Ah, tão inimaginável quanto a presunção de cada um de conhecer a alma dos outros. Falem o que quiserem de seus pais, irmãos, companheiros de toda vida. Mas não se arrisquem tanto a declarar conhecer quem não conhecem. De conhecidos a amigos, sim, até os grandes amigos. Arranhamos superfícies, não atingindo ou às vezes não nos importando com o profundo conteúdo. Sorrisos e brincadeiras não significam felicidades. Por trás de mantos de satisfação jazem zonas escuras onde poucos além de seus criadores ousam vaguear. Descontada a massa simplória refém de sua obviedade, tão bela e tão natural, espreitam as aberrações da abstração, as sofridas vielas do pensamento cujo receio logístico do ato final talvez seja o único escape de um beco sem saída evolutivo.

Não é sobremaneira uma atitude inesperada. Agimos de acordo com o que percebemos. Os preconceitos são o meio pelo qual tentamos generalizar o universo, e enquadrar novos eventos dentro de nossa experiência prévia. Erramos, por vezes. Mas antes tropeçar para atingir a luz do que permanecer tateando no escuro. Sendo assim, ele nunca deveria ter feito aquilo. Pelo nosso preconceito. Mas ele fez. Chacoalhou nossos preconceitos. Mas, em vez de assimilar o ato e ajustar nossos olhos embaciados ao universo, muitos preferem fechar os olhos e imaginar que o universo deve se enquadrar em nossa visão prévia. E assim seguem se perguntando e perguntando, o que pode ter acontecido? E seguirão e seguirão não acreditando.

E discutirão e discutirão. Mais curioso ainda! É uma obrigação social? Um produto das convenções? Com a sinceridade em jogo, a morte funcional se evidencia. Qual a diferença entre nunca mais presenciar a cognição de um cérebro agora enterrado sob o solo e de vez em nunca realizar uma interação cordial com uma lembrança de tempos idos? Jamais há vantagem na primeira opção, a menos que o dito cérebro resulte em antagonismo à pessoa. Ninguém quer que nenhum de seus antigos amigos-conhecidos morra, por certo. Mas há tanta diferença assim? Anos sem mencionar um nome, e da morte emerge o diálogo. Apenas morra e vá ao cemitério para ser uma nova estrela no céu. Apenas pare de respirar entre nós para ser processado na fábrica de heróis.

Mas o contrato social exige o teatro. Jogamos com a convenção. Subjacente, de leve, vai surgindo a chacota. O trocadilho inevitável se cria por baixo da máscara de indignação. Mas ninguém ainda ousa dizer que era apenas um teste para ver se é a cueca por cima da calça que faz o Super-Homem voar. Muito fácil falar dos outros, pensa o iluminado, mas como fica quando se é vizinho da desgraça? Quando as sombras se adensam, o teatro exige fuga, e apenas aqueles que conhecem a sua própria escuridão se atrevem a encarar os olhos negros do humor frente a frente.

Entretanto, tal atrevimento passa desapercebido, pois jaz no mais profundo conteúdo, e nada na superfície o revela. Em cada âmago, a pontada do irônico desconforto ressoa, pois cada um sabe do seu potencial para pular de uma sacada. O fim está à mão e, exceto para um ser considerado demente amarrado em sua cama, não pode ser evitado por ninguém. É um atalho que lágrima alguma pode desviar. Que os iniciados no caminho da treva compreendam a si mesmos, pois os cegos pela luz não saberão o que pensar quando ela se apagar. É uma inevitabilidade, seu polimorfismo jaz no quando. Que aprendam com os outros, enquanto não é sua fez de se findar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Resenhas do dia - filmes em cartaz

2012

Quando vi o trailler do filme, eu tive uma imediata e preconceituosa primeira impressão: filme-catástrofe genérico. Nada que me empolgasse muito. "Independece Day" (do mesmo diretor) impressionou em 1996 pelos efeitos inovadores, mas novas assistidas mostraram que tinha pouco mais que isso. "Impacto profundo" me causou um impacto superficial (há!) em 1998, porque as cenas da devastação da queda do meteoro realmente me impressionaram. Em uma segunda assistida, já foi difícil segurar o sono nas três outras horas. "Armageddon", que saiu no mesmo ano, não colou e daí para frente foi difícil encontrar um que se destacasse. Eu curto a situação proposta de um filme-catástrofe, mas aqueles produzidos por Hollywood passaram a se contentar (supresa...) com um modelo estereotipado. É o mesmo que citei quando critiquei o horrendo "10.000 AC", no caso para filmes épicos: parece que existe apenas uma ficha para cada gênero, em que há um roteiro pré-fabricado e alguns espaços em branco, cabendo aos roteiristas apenas preencher as lacunas, como cenário, motivo do quebra-tudo, nome dos personagens e pouco mais. Raramente algum consegue um certo destaque, por apresentar um ou outro elemento diferenciado, como "O dia depois de amanhã" (também do diretor de 2012). E, na época em que estamos, não há efeito computadorizado que consiga carregar um filme nas costas.

Mas, mesmo assim (e cortesia de uma saída com tudo pago com a família) acabei indo parar na sala para ver. Afinal, de vez em quando, surge a tal exceção em meio à regra. Usualmente, como citei acima, é um ou outro elemento diferenciado, que se destaca por ser uma poça de água em meio ao deserto. E o ator principal era John Cusack, um cara que respeito por fazer filmes com certa qualidade ("Quarto 1402" é recente e dos bons). Será que essa seria a exceção em meio à regra? E será que quem conhece meu estilo irônico não sabe o que está por vir?

Não, nem a pau. Nada de exceção.

Aliás, é pior que o esperado, por ser o supra-sumo do supra-sumo do genérico. Não é só aquela figura que ilustra um verbete qualquer do dicionário, é a que ilustra o próprio verbete "estereótipo"!

Vamos ver: um cientista desconhecido no meio do nada faz a descoberta do milênio (chavão), passa para seu amigo americano que avisa seu governo e então sobe na vida (chavão), mas mantendo seu idealismo (em forma de uma grande chave), tendo como obstáculo o figurão inescrupuloso (chavão). O presidente dos EUA coordena a salvação da humanidade (a maior chave do universo) mas acaba se sacrificando pelo seu povo (chavão). Mas o nosso protagonista é o cara comum, John Cusack (que neste filme poderia ser apenas John Cu - o que aconteceu, meu velho?), um escritor malsucedido que vive separado da mulher, é distante dos filhos e não se dá bem com o marido da ex porque ainda sente algo por ela (chaveiria completa).

"E ele se junta a uma galerinha do barulho, que se mete em uma porção de encrencas que não vão deixar ninguém parado."

Perdão, mas não há forma mais adequada de descrever o que vem depois. O mundo vai cair (com efeitos que em alguns momentos chamam a atenção, em outros são pífios), vai ter muita berraceira e cenas forçadas de ação, algum drama humano medíocre, soluções que parecem dolorosas, mas no fim todo mundo fica feliz. Ah, e é claro que o herói volta a conquistar o amor da mocinha. Opa, desculpe, contei o final. Até parece que você não sabia, né?

Como não tem destaques positivos, vou enumerar alguns negativos: não é preciso fazer um filme de três horas quando você não tem história, meia hora de enrolação, meia hora de berraceira e dez minutos de conclusão já bastam; a mocinha ganha o Troféu Jóinha de Oportunismo ao voltar ao seu antigo amor cerca de dez minutos depois de ver seu marido triturado em um ato heróico (a forma chavão de tornar um personagem descartável - ops, mais descartável que os outros - amigável aos olhos do público, sem prejudicar o sucesso reprodutivo do mocinho); a mensagem ideológica por trás do filme é pífia. Neste ponto até quero me alongar um pouco mais.

Filmes-catástrofe tem sempre a grande oportunidade de efetivamente lidar com questões profundas, envolvendo o comportamento humano em situações extremas. Mas, como é o caso aqui, normalmente acabam caindo num puritanismo superficial: os conceitos das nossas sociedades atuais são os mais perfeitos de todos e, não importa a situação e o contexto, sempre serão válidos. Assim, temos que, em um fim do mundo, todos ainda devem ser amigos, amar ao próximo e ser incondicionavelmente altruístas. Lindo, só não me digam como 20 mil pessoas conseguem viver tranquilamente em uma nave projetada para sustentar apenas 10 mil. É a mesma aberração anti-ecológica que nos faz acreditar que o crescimento econômico ilimitado vai salvar a humanidade, e que sacrifícios não precisam ser feitos se todos derem as mãos e andarem sob o arco-íris. A mensagem ideológica mais curiosa que captei é totalmente não-intencional: na ânsia por se salvarem, o grupo dos protagonistas invade a nave e causa problemas que, além de gerar 20 minutos de pseudo-tensão, colocam todos os tais 20 mil em risco de vida. Mas como o supracitado personagem descartável morre e o mocinho se machuca um pouco para consertar a cagada, tudo se resolve, não é?

E agora vou dar nesta resenha tanto espaço quanto no filme para o tema "fim do mundo em 2012 previsto pelo calendário maia": _____.

Jesus, como consegui falar tanto de um filme que é tão pouco? Só pode ser uma grande vontade de destilar veneno mesmo. Em resumo: não perca seu tempo, nem seu dinheiro. Fim.


Atividade paranormal

Acima falei de um gênero que já é antigo e está consolidado (leia-se: engessado). Passamos agora para um gênero emergente. Ao contrário dos filmes-catástrofe, que possuem um longo histórico (mesmo antes da computação gráfica), os "filmes-realidade" modernos tem um começo bem definido: "A Bruxa de Blair", em 1999 (com o precedente de um filme trash dos anos 80, "Holocausto Canibal"). A idéia era fazer gravação em primeira pessoa, como se o espectador efetivamente assistisse ao teipe original da suposta câmera. "A Bruxa de Blair" fez um puta sucesso por ser algo inovador, além, é claro de ser apoiado por uma campanha publicitária inteligentíssima (o filme efetivamente foi vendido como documentário, e teve muita gente que achou ser real). Todo mundo pirou ao ver que era possível fazer um filme assim, ainda mais que podem ser feitos com baixo orçamento. Os "seguidores" variam do terrível ("Cloverfield") ao muito bom ("REC" - em versão original espanhola, não vi o remake ianque). Mas, devido à semelhança de gênero e proposta, acho que é possível analisar "Atividade Paranormal" comparando-o diretamente com o pai (mãe?) de todos.

Primeiro, a campanha publicitária também foi feita de modo inteligente. O filme, independente, de baixo orçamento e de 2007, passou a ser distribuído por uma major (a Paramount) só este ano, e está aí desbancando todos os blockbusters nas salas de projeção. Um trailler mostrando a reação de platéias ao filme, intercaladas com algumas cenas assustadoras, seguida pela mensagem "se você quiser ver este filme em sua cidade, entre no site etc.etc.etc. e peça". Funcionou: logo o filme estava pipocando por todos os cinemas. Aqui em Florianópolis ele estreiou no maior cinema local com apenas um horário às dez da noite, e na segunda semana já conquistou o dia todo. Mesmo os artifícios da campanha não sendo novos, e o público já tendo conhecimento da proposta do filme, ainda assim funcionou.

O filme também procura ser apresentado com um documentário, embora neste ponto não consiga convencer muito, com fraca introdução e conclusão documental. Mas o que interessa é o durante, certo? São três pontos principais que devem ser contemplados em um filme como esse.

Primeiro, o filme deve convencer naturalmente, ao menos enganar um pouco de que poderia ser verdade. As situações não podem ser forçadas, e neste ponto o uso de atores desconhecidos e sem muita experiência é um ponto a favor. Também é preciso dar uma boa desculpa para que as filmagens sejam mantidas nos momentos cruciais, formando uma história entendível. O protagonista masculino aqui é o responsável, sendo obcecado por registrar as ocorrências estranhas que cercam a protagonista feminina, sua namorada. Incomoda um pouco não ter muito claro porque o cara fica tão bitolado, mas de modo geral dá para engolir (e até dar boas risadas, quando a menina dá algum grito e a primeira coisa que o cara faz é buscar a câmera, para depois ajudar).

Em segundo, é claro, temos os momentos de tensão. Ao invés de uma série de sustos baratos, o filme prefere focar em uma tensão mais contínua, que funciona muito bem. Há momentos em que não acontece simplesmente nada, ou apenas algo muito pequeno, mas já basta para o espectador ficar de orelha em pé, caso esteja inserido no clima do filme (quando você vai numa sessão das oito recheada de bandos de idiotas que só estão lá para dar risada, pode ser um pouco mais difícil, mas é vital aqui fazer um esforço para se inserir no clima). Vou dizer que há momentos realmente assustadores, boas sacadas do roteirista sobre ocorrências paranormais. Volto a afirmar uma coisa que já disse antes: é muito mais intenso quando os momentos de tensão são desprovidos de qualquer forma de música, do que quando um filme tenta nos impressionar na base da pancada sonora. Felizmente, aqui não há música. Tome cuidado porque, quando uma porta bater com força, é bem possível que você dê um pulo na cadeira.

Em terceiro, e vital, tem que haver uma sub-história sendo contada em segundo plano, que indica (mas não explicita) o que está acontecendo, dando alguma razão à série de sustos e momentos de tensão. "O Exorcista" para mim é um dos melhores filmes de terror porque a sub-história é rica. Em um filme-realidade, é essencial introduzir ela naturalmente, pois não se pode depender de cenas externas para maiores explicações.

Aqui neste ponto fundamental é onde reside a grande diferença entre "A Bruxa de Blair" e este filme. No primeiro caso, tudo faz algum sentido. A sub-história é mais do que apenas uma justificativa, ela possui ligação direta com os momentos de tensão. No caso de "Atividade Paranormal", isso não é feito de um modo tão eficiente. A sub-estória até é contada de um modo razoável, porém a impressão que fica é que ela é apenas uma desculpa para que ocorra uma série de episódios paranormais aparentemente aleatórios. Fica escancarado que estes momentos são feitos apenas para assustar o público, e não para fazer a história progredir. Há sim uma série de pequenas coisas que podem ser inferidas, mas em geral o filme peca pela conexão entre a "explicação" e a "ação". Isso, para mim, tira alguns pontos e causa uma queda considerável em sua verossimilhança.

Entretanto, ainda é uma boa pedida. Se você curte esse tipo de filme, claro. Se a sua praia é uma coisa mais padronizada, palatável e explicadinha, certamente vai se decepcionar. Como os bandos de idiotas na sessão. Fazer o que...


ATENÇÃO, SPOILERS: Não, não vou contar muita coisa, mas é algo que pode prejudicar a sua experiência, se ler antes de assisitir. O problema maior do filme, na minha opinião, é que seu desfecho é muito ruim. A cena final da Bruxa é assustadora, intrigante, faz você ficar se perguntando um zilhão de coisas. Aqui o final é direto e até se torna previsível, a partir de um certo ponto (os primeiros sinais de possessão). Talvez ele peque um pouco por não ser tão forte quanto uma cena anterior (a da guria sendo arrastada da cama, sem dúvida a mais impressionante do filme) e há uma regra básica de roteiro que diz que nunca uma cena anterior pode ser tão forte quanto seu clímax. Eu particularmente acho que um final mais escabroso, grotesco mesmo, ia funcionar muito bem, causando o choque necessário, como um orgasmo de terror após uma hora de suspense tenso (excelente alegoria, hein?). Mas não há desculpas para o exato último momento da última cena: é chavãonismo barato que remete a filmes de terror baratos e genéricos, e não combina sobremaneira com o clima todo do filme. Malzaço!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

The end of the road

Pebolinadas e pebolinadas depois, a correria termina. Quero dizer, em parte. Ainda há uma semana de intensa atividade pela frente. Mas, ao menos, dá para fazer etsando em casa.

Vadio que é vadio, se trampa um mês, já cansa. Não nego, nego não. Nada de gradualismo aqui. O negócio é equilíbrio pontuado*.

Amanhã sai o resultado do doutorado. Uma certa tensão. Passar seria extremamente importante agora. E passar bem, mais ainda. Sem bolsa, sem amizade.

Bem, como diria o sábio: não sou a Globeleza... mas lá vou eu! **

* chegará o dia em que só conseguirei fazer piadas científicas inintendíveis?

** piadinha repetida por estafa criativa.