quarta-feira, 28 de agosto de 2013

And the story ends...

               E eis que estou de volta, dos trinta e cinco graus da Grécia para os dez de Floripa. Voltar para o frio e trabalho é meio deprê, mas também tem bastante coisas boas, principalmente reencontrar as pessoas e dormir na própria cama. Mas vamos logo ao resumo desta última semana, além das conclusões finais desta viagem.
               A nova jornada grega começou com o único estresse verdadeiro desta viagem. Meu vôo de Dublin ia para Londres, e dali pegaria outro para chegar às seis em Atenas, e dali eu teria duas horas para atravessar de um lado a outro da região metropolitana e pegar o último barco do dia para Égina. Se pegasse as malas rápido, daria para pegar o trem das 18:33. De outra forma, teria que abrir o bolso e pegar um taxi. Mas tempo tinha de sobra, bastava o vôo não atrasar.
               Na verdade, ele podia até atrasar. Quinze minutos. Meia hora. Quarenta e cinco minutos. Só não dava pata atrasar UMA HORA E VINTE, como aconteceu. E não foi por algum imprevisto muito acidental, pois quando cheguei em Londres, dez da manhã, já indicava lá que atrasaria todo esse tempo. Passei as próximas horas fazendo cálculos mentais e cada vez mais vendo que não iria rolar. A internet gratuita do aeroporto não funcionava e a amada British Airways nem me deixou entrar na sala vip para minimamente compensar o seu vacilo. O jeito foi pagar por alguns minutos de internet, para avisar o dono do hotel em Égina que eu talvez não chegasse a tempo, e fazer uma reserva às pressas em outro hotel na beira do porto. Teria que dormir por ali mesmo e ir para Égina na quarta de manhã, ficando sem um dia inteiro sossegado para a ilha (já que, no plano inicial, voltaria na quinta de noite).
               Se eu chegasse em Atenas em um horário que sem dúvida impossibilitasse a chegada, teria parado de me preocupar. Mas o vôo chegou exatamente às sete. Então a passagem pela capital começou da mesma maneira que terminou a última: correndo. Fui apressado para a esteira da bagagem, e foram torturantes minutos até ela aparecer. Nova corrida para sair do aeroporto, mas, como os ingleses são chatos e paranóicos, cheguei em um terminal que me obrigava a passar novamente pelo controle de passaporte. Ali, dei a furada de fila mais linda desse mundo, e logo estava liberado para chegar nos táxis. Era sete e vinte. Perguntei para o taxista quanto era e quanto demorava. Cinquenta euros e mais ou menos meia hora. Esse "mais ou menos" me deixou de cabelo em pé, pois não tinha tempo para "mais". Imagina gastar essa grana e no fim não chegar a tempo. Falei que tinha que estar lá em menos de meia hora, e o taxista (que não falava inglês) fez uma cara de "é, talvez". Toquei aquele foda-se e pulei no carro.
               E, também como ano passado, no fim deu tudo certo. O taxista tocou o pé fundo pelas rodovias da Grande Atenas, e cheguei no porto efetivamente em meia hora. O porto é enorme, mas felizmente os "flying dolphins" (barcos menores e mais rápidos que os ferries, acho que a tradução é "catamarã") ficam perto da entrada. Foi uma corrida curta para o balcão de bilhetes, pegar o meu comprado online (tinha isso ainda), e mais outra para chegar ao barco, cinco minutos antes da partida. Só então pude relaxar e curtir o rápido trecho de quarenta minutos até a ilha.


Égina

               Chegando lá, logo encontrei a pousada, que era bem próxima do porto. Um estabelecimento como o de York, pequeno, bem cuidado e confortável. O dono me recebeu muito bem. Era um ex-engenheiro naval que amava o Brasil, pois havia conhecido muito do litoral no início dos anos 80 (incluindo Floripa), e desde lá nunca tinha voltado. Ficou me fazendo um monte de perguntas, sobre se era muito caro comprar uma casa, se estava muito perigoso e etc. Também me deu todas as dicas de onde comer, para onde ir, horários, etc.
               Depois de estabelecido, desci para perto do porto novamente, que é onde se concentra a vida turística na pequena Égina. A ilha tem pouco mais de dez quilômetros de extensão nos dois eixos e a maior concentração demográfica é mesmo na Cidade de Égina, dominada por pousadas, tavernas e outras comodidades turísticas. Interessante pensar que, mesmo tão pequena, a ilha já teve grande relevância no passado, sendo uma rival de Atenas no início do período Clássico e, por uns breves anos, foi a primeira capital do novo estado grego, quando a guerra pela independência contra a Turquia estourou no século XIX.
               Mas meu interesso no momento era menos em história e mais em comida. Não tinha comido realmente bem muitas vezes nessa viagem, fosse por preços (Copenhague!), tempo entre passeios ou simples falta de interesse na culinária local (peixe com batata, sério?). Então decidi enfiar o pé na jaca na Grécia, a começar, claro, por uma excelente salada grega e polvo frito. Bem comido (ui!), já passavam das onze, então voltei ao hotel rápido para dormir, pois tinha acordado seis da manhã (embora com duas horas de diferença no fuso).
               Levantei às dez e pouco, pronto para fazer o passeio planejado do dia. Comi um "brunch" (que frescura!) de leve e fui alugar uma bicicleta. Minha idéia era atravessar a ilha no sentido oeste-leste, pela estrada que passava entre os morros e tinha alguns pontos de interesse, até chegar no Templo de Alfaia. Eram 16 quilômetros, relativamente sossegado, pois tinha o dia todo para isso.
               Bem, depois de cinco minutos com o caminho suave e constantemente subindo, pensei que ia morrer antes de chegar. Com meu fitness de jogador de computador e uma bicicleta nada adequada ao meu tamanho, estava complicado, então comecei a intercalar longas subidas a pé com curtas e gloriosas descidas sobre rodas. Depois de mais vinte e cinco minutos, sob o sol a pino, tive a encantadora visão da segunda maior igreja ortodoxa grega do mundo (após Hagia Sophia), a Ágios Nectários, em meio aos morros. Encantadora nem tanto pela igreja em si, que é uma construção da década de 90 que está cheia de andaimes no interior, mas porque marcava metade do caminho.
               Ao lado da igreja, ficava uma coisa que realmente valeu o esforço e mais um tanto de subida para visitar. A Palaiochóra ("cidade antiga") de Égina é o local para onde as pessoas começaram a se estabelecer no século IX, devido aos ataques de piratas nas partes mais baixas, e virou a capital da ilha. No século XVI, sofreu um pesado ataque turco e foi sendo abandonada nos séculos seguintes. O que sobra hoje em dia são algumas casas e igrejas abandonadas nos morros, que podem ser alcançadas por trilhas estreitas de pedra ou barro. É o tipo de coisa que faz minha cabeça, ainda mais considerando que eu era o único disposto (ou louco) o bastante para explorar a área sob o pesado sol da uma da tarde. Depois de tudo isso, Deus recompensou minha devoção com uma fonte de água fresca na entrada de um monastério próximo, pois a minha garrafinha já tinha se esgotado há tempos. A água saía tão fresca que foi até possível usá-la para devolver meu Snickers a algo próximo do estado sólido.
               Depois desse ponto, fiquei feliz da vida, pois o caminho virava praticamente só descida e área plana. Isso até uns dois quilômetros do templo, quando começou uma subida de matar. Lá fui eu arrastando a bike, buscando agradar agora aos deuses gregos, que adoram colocar suas casas nos lugares mais altos. Cheguei depois de mais meia hora a partir de Palaiochóra e pude visitar o sítio de um dos mais bem preservados templos gregos. O que não significa ter um teto, claro, mas a maioria das colunas e boa parte das paredes de pé. Se achava anteriormente que o templo era dedicado a Atena, mas foi descoberta uma inscrição votiva a Alfaia, uma divindade grega que (para variar) Zeus deu um pega, e decidiu vir para Égina depois disso. Foi um lugar muito legal de conhecer, um sítio interessante em um cenário maravilhoso. Não precisava ter deixado metade do meu dedão em uma pedra nos primeiros passos, mas tudo bem.
               Parei um tempo para almoçar um sorvete no boteco ao lado do sítio (valeu pelo Band Aid, tia!) e comecei a volta. Descer a morreba antes do templo foi lindo, e depois comecei o sobe-empurra. Tudo ia muito bem até que, em uma troca de marchas, a corrente da bicicleta escapou e travou nas engrenagens de um modo impossível de tirar sem ferramentas. Talvez tenha sido Deus novamente, agora brabo pela minha visita aos colegas pagãos, pois isso ocorreu bem na frente de Ágio Nectários. Na verdade, tive sorte no meu azar, pois, inversamente à ida, o caminho dali até a Cidade de Égina foi praticamente todo descida, então só subi na bicicleta e deixei a gravidade fazer seu trabalho.
               Apesar dos detalhes, foi um passeio de cinco horas muito gostoso. Durante as subidas, por diversas vezes pensei que podia ter trazido a carteira de motorista para alugar um quadriciclo. Mas, por outro lado, penar na bicicleta dá aquela sensação de realização quando você chega, afinal (e custa só cinco euros!). Feliz, voltei à pousada, tomei banho, desci para comer a única refeição de verdade do dia, e pude morgar no ar condicionado do quarto até dormir, uma da manhã (ainda efeito da mudança de fuso). Antes disso, falei com o dono da pousada para ficar mais um dia lá, pois tinha descoberto uma combinação de barcos que me permitiria ir a Míconos quinta de manhã, em vez de ter que dormir ao lado do porto na quarta feira.
               Sossegado e com mais um dia inteiro por Égina, levantei depois das onze. Almocei um fast-food grego (espetinhos de carneiro!) e fui para o sítio arqueológico da própria cidade antiga de Égina, ao lado do porto. Ali, um pequeno museu explicando o desenvolvimento do sítio desde a Idade do Bronze, e o sítio em si. Dentre as ruínas escavadas, remanescentes tanto dos períodos mais antigos (terceiro milênio a.C.) quanto dos mais recentes (romanos e bizantinos), com destaque para o templo de Apolo do período Clássico (do qual só uma coluna solitária permanece de pé).
               Fiquei no sítio até a hora de fechar, às três (lembram que os gregos não são de trabalhar muito, né?). Dali, fui novamente ao cara das bicicletas, dessa vez para percorrer a ilha no eixo norte-sul, por uma estrada que vai margeando a costa. Se no dia anterior tinha ocorrido um acidente infeliz, dessa vez a bicicleta era ruim mesmo, e, das seis marchas, duas não funcionavam. Bem, o que eu poderia esperar por apenas cinco euros? Pelo menos era boa para o meu tamanho, e o caminho era predominantemente plano. Entre paradas para fotos e para colocar a corrente no lugar, levei uma hora até Pérdika, o vilarejo na ponta da ilha. Pausa para ver o mar tomando uma cerveja, e retorno à Cidade de Égina. Terminei o dia com mais uma janta arregada (incluindo um molho de ovas de ouriço-do-mar que, embora gostoso, gerou uns efeitos colaterais no dia seguinte) e fui dormir.
               Na quinta, comecei o dia com o pesadelo de acordar seis e pouco da manhã, para pegar o primeiro barco para o porto de Atenas, sete horas. Nenhum percalço ou atraso, então cheguei bem na hora, sete e quarenta, com tempo de sobra para caminhar até o enorme ferry que saía para Míconos, oito e cinco. Bem estabelecido dentro dele, foi só sentar e deixar passarem as cinco horas de viagem até o último destino da viagem.


Míconos
  
             Ao chegar em Míconos, já pude experimentar o atendimento diferenciado aos turistas de lá. A dona da minha pousada estava esperando na saída do barco, para me levar até Platis Yalos, a praia onde ficaria. Também, por noventa euros a diária, tinha mais é que me levar e fazer o almoço ainda! O lugar não era a beira-mar, mas muito próximo da praia, e bastante confortável, como todos os lugares pelos quais já passei nas ilhas gregas. Eles chamavam de "studio", mas era basicamente uma quitinete. Se pensar bem, o preço elevado era só para mim, pois nenhum lugar que vi em Míconos fazia preço diferenciado para viajantes individuais, todos os preços eram para duas pessoas. Noventa euros por um bom lugar para duas pessoas na ilha mais pop da Grécia durante a temporada não é um absurdo (Copenhague, Londres, estou olhando para vocês!).
               E Míconos é sim, definitivamente, a ilha mais pop da Grécia. Não há nada lá além de turismo (nem cursos d'água naturais, por exemplo). As pessoas procuram a ilha basicamente pelas praias e pela vida noturna baladeira, então o que não falta é a "galerinha descolada". Mesmo assim, ainda é um lugar aprazível para famílias ou pessoas com espírito geriátrico como eu, pois há espaço para todos e nada fica extremamente lotado. As  praias são pequenas em tamanho, e muitas são completamente ocupadas por cadeiras e guarda-sóis para alugar dos restaurantes e hotéis adjacentes. Mas ainda é possível encontrar prainhas menores com areia de sobra para as pessoas se estirarem ao sol. A fama do nudismo lá é verdadeira, mas, garotos, não se iludam: vocês verão muito mais bundas masculinas viradas para cima do que moças se mostrando. Não fui, efetivamente, para as praias superpop de nudismo (Paradise e Super Paradise), mas em todo lugar tem um ou outro sem roupa, de todas as formas e idades.
               Como meu objetivo principal era menos prosaico que praia e pele, e tendo madrugado, fui dormir cedo na quinta. Acordei às sete, para fazer um café rápido e pegar o ônibus para a Cidade de Míconos (como o usual na Grécia, a principal vila da ilha recebe o nome dela). Ali, foi evidente o que a dona da pousada tinha me falado antes, que "ninguém acorda cedo aqui", pois caminhei um pouco pelo lugar até as nove horas e tinha raríssimas almas vivas se movendo no meio das ruelas. Uma vendinha ali, um tiozinho lavando a calçada aqui, um grupo de turistas da terceira idade lá... Foi bom para tirar algumas fotos de cartões postais da cidade sem uma pessoa pelo caminho.
               Mas não tinha acordado cedo para acompanhar os velhinhos, e sim para pegar o primeiro barco rumo ao principal motivo da minha estada ali: a ilhota-santuário de Delos, vizinha de Míconos. Tinha que fazer o tempo render, pois o tempo no sítio é limitado (para quem gosta dessas coisas), já que o último barco voltava às 14:00. Após meia hora de navegação, desembarcamos em um dos sítios arqueológicos mais importantes da Grécia.
               Delos não tem nada. Nunca teve. A ilha é pequena, árida e sem espaço para cultivo. Assim, é estranho pensar em como virou um santuário grego de importância panhelênica durante a época Arcaica e Clássica, nos mesmos moldes que uma Olímpia ou Delfos. Alguns de vocês devem se lembrar, das aulas de História da escola, da "Liga de Delos", o nome dado à aliança forjada e liderada por Atenas após as guerras persas, no século V a.C.. A importância do local é mais antiga, entretanto, sendo centro de culto desde o milênio anterior, e citada na mitologia grega como local de nascimento de Apolo e Artemis, duas das divindades mais populares da Grécia Antiga. Curiosamente, na época Helenística e Romana, a importância do local se manteve, mas de uma forma bem diferente: virou o principal centro de comércio daquela parte do Mediterrâneo, com os ricos comerciantes construindo casas e monumentos nos intervalos entre os negócios. Mesmo em termos contemporâneos é difícil de acreditar que aquele pedacinho de terra, com uns cinco quilômetros quadrados, chegou a ter trinta mil habitantes nesse período (sem produção própria alguma).
               Há sítios que são importantes historicamente, mas nada impressionantes atualmente. Não é o caso de Delos. Graças ao fato da ilha não ter nada, sobreviveu relativamente intacta aos milênios, e hoje o visitante pode caminhar em meio a um conjunto impressionante de ruínas. Há restos de templos, dos quais só restaram as fundações e ocasionais colunas. Há quarteirões inteiros de casas anônimas, no qual é possível perder-se e explorar à vontade. Há casas relativamente intactas, nas quais os mosaicos mitológicos do chão podem ser vistos in situ (neste caso, logicamente, com cordinhas protetoras). Há remanescentes que nada mais são do que uma pilha de pedras atualmente, mas continuam evocando sentimentos diferentes ao você pensar que aquele ponto no alto do morro, de onde você tem uma vista fantástica, era o Santuário de Zeus e Atenas.
               Delos é um dos sítios mais legais que já visitei. Mesmo depois que outros barcos chegam trazendo seu carregamento de visitantes, o tamanho do lugar impede qualquer amontoamento, e a caminhada em meio às ruínas é quieta e tranquila. Ficam dois pontos negativos. Um é o pequeno museu, que segue o que parece ser o padrão dos museus das ilhas gregas: pouca organização e pouca informação sobre as poucas peças expostas. O segundo é a falta de informações no próprio sítio. As ruínas mais importantes estão bem sinalizadas e com cartazes explicativos, e você ganha um folder com algumas indicações. Mas é fácil se perder na maior parte do local, e não ter idéia se o que você está olhando é o Santuário de Hércules ou só mais algumas pedras caídas (ou, pior, se é o Templo de Serápis A, B ou C!). Talvez seja ação da Máfia dos Guias, que pulam nos turistas logo na saída do barco. Uma possibilidade é comprar um livreto com maiores indicações e saber mais sobre cada lugar. Mas, mesmo do modo como fiz, as quatro horas lá foram pouco e nem pude alcançar alguns lugares mais afastados. Ficava ali fácil mais duas horas. Deu até vontade de voltar outro dia, mas fica para uma próxima viagem.
               Tendo cumprido meu único verdadeiro "compromisso" em Míconos e sem pressa alguma, voltei à Platis Yalos, para almoçar. Comi bem demais nesses dias lá, porções deliciosas de frutos do mar e as substanciosas saladas gregas. Os preços são mais altos que nas outras ilhas, claro, mas ainda é possível comer muito bem por 15-20 euros (fora a cerveja), ao menos ali onde eu estava. Não gastei tanto também porque, além do café da manhã, uma refeição por dia fazia no studio mesmo, mais por preguiça de sair do que por falta de grana. Sim, cruzei o oceano para comer ovo frito em Míconos. Mas tava gostoso, ok??
               Por aquele dia foi só. Para compensar a acordada cedo, entrei no espírito de Míconos e estiquei a preguiça até onze no dia seguinte. Fiz tudo em marcha lenta: tomei café, fiquei morgando no ar condicionado/internet, e às três saí para caminhar pelas redondezas. Através de um caminho no costão, fui passando por pequenas prainhas até chegar em um pontal rochoso que se projetava uns duzentos metros mar adentro, onde deu para ter uma vista legal dos arredores. Claro que, em Míconos, isso significa também ter a vista de um velhinho pelado tomando banho nas pedras, mas tudo bem.
               Na volta, parei em uma praia mais sossegada para tomar um banho de mar e ficar rolando no sol. As praias gregas são piores que as do Brasil no sentido de que o substrato é de areia muito grossa ou pedras. Por outro lado, são calmas, pouco frias e com uma transparência fenomenal. Pena que só lembrei tarde demais de comprar um óculos de mergulho, pois dá para ver bastante sob a água. De volta ao studio perto das sete, tomei banho e saí para jantar. Foi um dia literalmente de férias.
               Domingo, o último dia, não foi muito diferente. Acordei mais cedo (às dez!) e fui para a Cidade de Míconos, dar uma passeada efetiva por lá. O Museu Arqueológico é aquela coisa que disse antes, mas este realmente se destacou no quesito "falta de informação". Mais interessante foi uma mostra que estava ocorrendo em um espaço no porto, com reconstruções de invenções do período helenístico grego. Impressionante ver a criatividade dos figuras para criar, sem nenhum combustível além da gravidade e força hidráulica, relógios, máquinas, calculadoras, armamentos, autômatos humanos (!) e mini-teatros capazes de reproduzir uma peça inteira apenas com o puxão de uma corda.
               Gastei mais algum tempo caminhando pela vila em si, que é no mínimo interessante. Não pelas lojas de badulaques para turistas, que permeiam cada esquina, mas pelo próprio labirinto de casas brancas e ruelas estreitas (só para pedestres, pois nem cabe um carro ali). É muito fácil de perder ali no meio, e dei algumas voltas a mais antes de achar a estação de ônibus. Como os preços dali são mais inflacionados, fui almoçar em Platis Yalos mesmo. Terminei às quatro, e deixei a comida baixar no studio até cinco e meia, quando fui para a praia novamente. Após uma hora lá, voltei para arrumar as malas, terminar as comidas que tinha comprado, e enrolar até a hora de dormir.
               Na segunda, foi só acordar, tomar café e ganhar outra carona até o aeroporto. Não foi a primeira vez que me incomodei com a confusão que é a Star Alliance, na qual você compra passagem por uma empresa, mas tem que fazer check-in por outra, mas que não faz check-in para todos os trechos, e também não mostra o assento que tu reservou com bastante antecedência no vôo intercontinental, e no fim não te dá o bilhete para esse vôo (mas sim para aquele que não dava para fazer check-in!), e você tem que resolver só no outro aeroporto onde tem um balcão da empresa que tu comprou a passagem. Não dá para negar a conveniência de poder ir a qualquer destino com as parcerias e de ganhar as milhas, mas toda vez que tenho que lidar com coisas da Star Alliance dá algum rolo.
               Míconos e Égina não pode ser mais diferentes uma da outra, mas ambos foram lugares que valeu bastante ter ido. Égina é menos badalada, de fácil acesso, visitada principalmente por gregos. Pequena, fácil de circular e com um número bem razoável de coisas históricas para ver, considerando seu tamanho, sua beleza está na sua naturalidade. Míconos é o oposto: super famosa, lotada de estrangeiros, montada para atrair e capturar turistas. Fora Delos, um sítio obrigatório para todos os interessados no assunto, não parece dar grande valor à sua história, e as outras pequenas coisas que lá existem (sítios micênicos, prehistóricos, medievais) não ganham muita atenção. É um destino para quem quer mesmo aproveitar as praias, o clima mediterrâneo e as comodidades turísticas (ou para pirar nas baladas, claro).
               Nos dois casos, essa última semana na Grécia foi como eu tinha planejado: com bastante tempo para ver relativamente pouca coisa. Afinal, viajar e conhecer mil coisas é bom. Mas simplesmente tirar férias também, e é o que fiz nesses últimos dias. O diferencial lá, e que continua me apaixonando na Grécia, é que tudo pode ser encontrado no mesmo lugar. Diversão, paisagens, relaxamento, história. Você vai na praia, curtir a água transparente e o clima quente-mas-não-muito, mas logo ali, acima das pedras do costão, tem uma acrópole com cinco mil anos de história. E, nas ilhas pequenas, como essas, tudo fácil de acessar. A única coisa que me arrependi um pouco foi de não ter trazido minha carteira de motorista. Não posso dirigir moto e carro sozinho é muito caro, mas nessas ilhas está cheio de quadriciclos alugar. Míconos tem um sistema de ônibus razoável e Égina permite passear de bicicleta, mas um veículo motorizado para explorar todos os cantos das ilhas nesses dias teria sido legal. Nada que diminua o quão bom foi esse final de viagem por lá.


Epílogo

              E eis que termina essa minha sequência de viagens européias. Finalizo tendo visitado as principais capitais que são ricas em coisas que gosto. Com poucas exceções, já vi os principais zoológicos, museus de arqueologia e história natural do continente, e tenho um currículo de sítios de fazer inveja a muito arqueólogo. Além disso, conheci com mais profundidade alguns países (Alemanha, Grécia e Turquia). Ainda existe uma imensidão de coisas para ver lá. Não fui para a Península Ibérica nem para a Escandinávia, embora não sejam lugares que me atraiam particularmente. Ainda estou devendo uma pernada no leste europeu, com suas antigas e cênicas capitais. Quero muito fazer passeios mais longos por França e Itália, pois só conheci as capitais. E, na própria Grécia, ainda não conheci a parte continental, além de existirem várias ilhas que ainda valem uma visita.
               Mas agora é hora de mudar de ares um pouco. Tem bastante coisa no mundo para conhecer, paisagens, culturas e sítios diferentes para ver. É bom dar um tempo das mesmas coisas, para no futuro voltar e ver uma nova igreja ou peça de museu como algo mais que só mais uma igreja ou peça de museu. Em alguns momentos nessa viagem achei que estava vendo mais do mesmo, mas também tive muitas experiências novas ou que superaram as passadas. Isso é natural, qualquer pessoa mais viajada fica mais crítica, comparando o que está vendo com o que já viu. Então, Europa, tivemos uma excelente sequência juntos, mas agora vou atrás de novos horizontes. Com certeza voltarei, só não sei se daqui a um ou cinco anos (dez é demais!). E, de qualquer forma, já venderam todos os ingressos para o próximo Wacken, então nem rola mesmo!


Resumo do resumo

Melhor momento: meu perdão à História, mas sem chuva não tem para ninguém. Wacken bicampeão!

Outros momentos de destaque: British Museum, York, Glendalough, Égina, Delos.

Menos melhor momento: Dublin. Mas acho que foi mais por estar cansado que pela cidade mesmo.

Lugares para voltar logo: tá, eu vou falar Grécia e Wacken de novo, cadê a criatividade?

Lugares para não voltar tão cedo: estou de boa de todos os lugares nos quais fiquei mais tempo desta vez. A Dinamarca não tem coisas a mais além do que já vi que valham a exploração. Tive bastante tempo em Londres, mas o resto da Grã-Bretanha é outra história. E teria que pesquisar mais a fundo para achar coisas que façam valer a pena voltar à Irlanda.

A conta: não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Só sei que ficou bem mais caro que nos anos anteriores, mas não tenho idéia de quanto.

Palavra final: e que venha a América do Sul!

terça-feira, 20 de agosto de 2013

(Aw)full English breakfast

              Depois do primeiro (e espero que único) estresse da viagem, estou de volta ao verão mediterrâneo e feliz da vida! Mas, no momento, é hora de contar sobre a última semana lá no norte, a dois fusos horários de distância.

York
               Cheguei em York uma e meia da tarde e, depois de uma hora e com a ajuda dos prestativos motoristas de ônibus da cidade, estava no hotel. Na verdade, era um pequeno estabelecimento com oito quartos, muito confortável e cuidado com esmero pelo casal de donos. Como não tinha comido nada, larguei as coisas no quarto e caminhei menos de dez minutos até as muralhas históricas que delimitam o centro, em busca de comida e das primeiras visões da cidade.
               York era um posto avançado romano que depois virou vilarejo anglo-saxão, mas adquiriu real importância ao ser conquistada pelos vikings no século IX e virar seu principal bastião nas campanhas britânicas. No século XI, foi reconquistada pela realeza anglo-saxã, apenas algumas semanas antes destes mesmos serem conquistados pelos normados. A partir desse período, a importância e população do local cresceu e virou a segunda maior cidade da Inglaterra até o fim da Idade Média. Desde lá, os centros de poder se deslocaram novamente e York ficou meio de lado, podendo manter muito de sua estrutura medieval nos dias atuais.
               Claro que, depois de Rodes, meu conceito sobre cidades medievais preservadas é outro. Mas York também é muito interessante, me lembrando Lübeck. O centro é um labirinto de ruas estreitas e calçamentos de pedra. Em alguns pontos, como as Shambles, as próprias casas de madeira medievais estão preservadas e seus andares se assomam sobre a cabeça dos transeuntes, quase se tocando. Legal é que, fora algumas vias principais e veículos de carga/deficientes, carros não podem circular ali dentro, então há espaço de sobra para as pessoas caminharem sem se esbarrarem. Havia bastante turistas por lá, mas nada que realmente incomodasse nos locais de interesse, fora uma fila ou outra.
               Após um fast-food-fish-chips rápido, fui gastar o final da tarde no principal marco da cidade, a York Minster, alardeada como "a maior catedral gótica ao norte dos Alpes". Não sei exatamente qual a importância disso, mas efetivamente o troço é grande. Em vez de um domo, possui uma torre central quadrada, na qual é possível subir por 275 degraus e ter umas vistas legais da cidade (mas não acho que valha as cinco libras adicionais). Havia uma exposição no subsolo que incluía alguns restos romanos sobre a qual a Minster foi construída, mas fechava já às cinco. Felizmente, os tíquetes lá tem a estranha característica de serem válidos por um ano após a compra, então pude retornar no outro dia.
               Na terça feira, acordei em horário recorde (oito!) para aproveitar bem meu único dia de verdade em York. Mas o "full English breakfast" do hotel me derrubou por um tempo (inclui ovos, bacon, salsicha, mursilha, cogumelos, feijões e torradas). Deve ser uma reminiscência da Revolução Industrial, quando nego acordava, comia aquilo e ia para a fábrica trabalhar 16 horas seguidas.
               Recuperado, fui até a cidade e comecei por outra das atrações históricas mais famosas da cidade, o Jorvik Viking Center. O centro foi montado sobre um local onde arqueólogos descobriram um conjunto de algumas casas e ruelas do século IX praticamente intactos. Não é possível ver o sítio em si, mas fizeram uma interessante reconstrução do lugar como poderia ter sido na época viking, por onde você passa em um carrinho suspenso enquanto o áudio vai explicando as coisas. Além das casas, uma série de bonecos muito bem feitos interage entre si e com quem vai passando. Desta vez, achei a "interatividade" legal, pois é uma coisa diferente e bem feita. Para o resto do centro, vale aquilo que falei sobre o museu de história natural.
               Foi menos de uma hora no Jorvik. Dali, fui para o York Castle Museu, que fica próximo. Subi na pequena torre em ruínas ao lado, que dá mais uma vista interessante dos arredores, embora cinco libras novamente parece demais por isso. No museu mesmo me diverti mais, pois tem uma série de mostras bem variáveis, mas com um grande destaque: uma reconstrução da York vitoriana com tudo o que merece. Uma rua principal, vielas laterais escuras, casinhas de todos os ofícios, várias delas com interior completo, e até um ciclo de noite e dia na base de sons e luzes. Muito legal para caminhar um pouco, explorando os meandros e objetos de época disponíveis.
               Após sair do museu, passei de novo na York Minster para ver com mais calma a exposição subterrânea, e daí passei na frente de uma "casa assombrada". York está cheia de histórias de fantasmas, e de noite rolam várias "ghost walks" (daquele estilo mais para rir que pra tremer). Esse local em particular clamava ser uma casa bem antiga e sem firulas, apenas com a presença dos Antigos Espíritos do Mal. Não que eu me incomodasse com isso e até bateria papo se surgisse um fantasminha camarada (ou o Mun-Rá), mas o ambiente tétrico por si só poderia ser interessante. Mas já estava meio desconfiado, e vi que a entrada do lugar era uma loja de artigos místicos, leitura de tarô e coisas do tipo. É, efetivamente não era minha cara...
               Então rumei para outro museu, o Yorkshire museu. Ali, uma coleção legal de peças de toda a história da região, dos romanos à Renascença, além de uma pequena mostra meio fora de contexto, sobre extinções (mas tinha fósseis, então tá ótimo!). Como bônus, o museu fica em um parque ocupado anteriormente por uma abadia, e por todos os cantos há ruínas do velho local.
               Para finalizar a tarde, queria fazer uma caminhada sobre as muralhas da cidade, mas o portão de entrada próximo ao museu estava trancado. Fiquei meio decepcionado e achei que as muralhas fechavam no mesmo horário que as outras atrações históricas (quase tudo às cinco da tarde), embora tivessem me dito que ficavam abertas até o anoitecer. O jeito foi fechar o dia com outro tipo de tour histórico: tomando uma cerveja e beliscando algo em um pub de 400 anos de idade. E depois descobri um que dizia ter 500, e isso mereceu uma outra dose.
               Na cidade (e em toda Inglaterra) há um movimento para resgatar o estilo antigo de servir cerveja, ou seja, direto do barril, sem filtragem ou adição de gás, só aquele gerado pela fermentação. Eles chamam de "cask ales" (ou, mais esnobemente, "real ales"), em oposição às draft/draught, que são tiradas do barril com pressão e uma carga adicional de gás. Então, basicamente, é uma cerveja choca, e costuma ter menos álcool também (entre 3,8 e 4,1%). São boas, mas, talvez pelo costume, ainda prefiro as mais gasosas.
               E, na volta para o hotel, passei por outro portão e vi que as muralhas estavam realmente abertas. Era só aquele portão que estava fechado! Então rolou passear um pouco por ali. Isso até mereceu mais uma cerveja (com o bonito nome de "Hobgoblin") para tomar no quarto e encerrar a noite nas alturas.
               Foi só um dia e meio em York, mas bem aproveitado. Valeu bastante a pena ter ido lá. Pelo menos naquela região do centro histórico, é uma cidade bem turística e gostosa de conhecer. É bem compacta também, e dá para caminhar de um ponto a outro com muita facilidade. Tem uma série de outras atrações (ou armadilhas) para turistas, embora não sei se eu teria algo para fazer ficando lá mais um dia (achar um pub de 600 anos, talvez?). Em todos os casos, estando a apenas duas horas de Londres, vale uma passada para qualquer um que for gastar mais tempo na Inglaterra.

Dublin (e Irlanda)
               A quarta feira foi um longo dia de translado. Peguei três trens para ir de York até Holyhead, o porto no litoral do País de Gales de onde saem os ferries para Dublin. Ali a pontualidade irlandesa entrou em cena, e o barco atrasou quase uma hora para começar a viagem de 1:45 até a capital. Pena que o dia estava feio, nublado e com ventania, então não deu nem para aproveitar o deck do barco. Somando todo o tempo gasto em translados e atrasos, cheguei no porto mesmo só às oito da noite. Meu hotel era bem próximo, por isso me rendi a um táxi e logo estava lá. No caminho, bati um papo (ou tentei, enfrentando o sotaque irlandês) com o taxista, e ele me disse para tomar cuidado "porque Dublin é diferente das outras cidades européias, crimes acontecem". Sim, a preocupação deles é que "crimes acontecem". Então fiquei de boa e só tomei os mesmos cuidados que tomaria no Brasil.
               O hotel ficava de frente para o principal rio da cidade. Tinha um pub no térreo que estava fervilhando quando cheguei. Mas o quarto no terceiro andar era silencioso e confortável. Tinha comido no barco (novamente um English breakfast, mas sem a parte "leve", tomate e cogumelos), então fui direto (enrolar na internet e) dormir.
               Na manhã seguinte, acordei às nove para tomar café da manhã (e adivinha? English - ou Irish? - breakfast!) , e depois fiquei no quarto pensando a sério como usar os próximos dias. Minha idéia inicial era dois passeios de um dia em locais próximos, além de um dia para Dublin mesmo, e um dia sobrando que não sabia bem ainda como usar. No fim, o dia em Dublin virou duas tardes, e o dia extra, duas manhãs mortas no quarto do hotel, sendo esta a primeira.
               O clima na Inglaterra tinha estado razoável naquela semana. Nenhum calorzão digno de verão e céu sempre parcialmente nublado. Mas até dava para usar Havaianas. Em York, mais ao norte, já fazia friozinho no começo da manhã e cair da noite, mesmo com sol. Em Dublin, o tempo ficou ruim mesmo. Nesse primeiro dia, estava com vento, chuva e frio. Mesmo assim, não quis deixá-lo passar em branco, então fui para o centro, o que dava uns 15 minutos de caminhada.
               Num primeiro momento, mesmo com mapa, consegui me perder bastante no centro movimentado, mais caótico que o normal por causa da chuva. Acho que tem alguma antiga magia pagã celta em ação na cidade, que faz com que as ruas mudem de direção quando você entra em algum lugar. Mas finalmente consegui achar um McDonald's para descansar a barriga dos cafés da manhã (quando você começa a achar Big Mac com side salad uma refeição leve, é porque a coisa está feia mesmo).
               Após o bate papo com o Ronald, fui visitar o Museu Nacional de Arqueologia, pois sempre são lugares bons para investir tempo em dias de chuva. O museu não é muito grande, mas, de qualquer maneira, eu tinha pouco tempo (cheguei 14:30 e tudo também fecha às 17:00). Mesmo assim, possui algumas coisas muito legais. De cara começava com uma impressionante exibição de artefatos de ouro das Idades do Bronze e Ferro irlandesas, cobrindo um período entre 2200 e 700 a.C. Além disso, uma coleção mostrando a transição religiosa da Irlanda (infelizmente, mostrando muito pouco do paganismo, e mais do desenvolvimento do cristianismo a partir do século VI). Interessante também as coleções da época viking e medieval. O maior destaque, porém, ficou para os corpos da Idade do Ferro encontrados em pântanos. Nenhum tão bem conservado quanto o Homem de Lindow, que tinha visto no British Museum, mas para compensar havia um maior número deles.
               Em duas horas eu já tinha passado por tudo, então ainda tinha meia hora antes dos museus fecharem, e o de História Natural era bem perto. Corri para lá, mais para ver o que tinha e se valeria a pena passar em outro momento (já que a entrada era gratuita mesmo). E fiquei lá menos de dez minutos, incluindo a ida ao banheiro. O formato é aquele que gosto, duas salas enormes cheias de bichos e nomes. Mas eram basicamente só animais atuais empalhados, o que não é me empolga tanto, então logo voltei ao hotel.
               Sexta feira foi o dia do primeiro bate-e-volta, para Cashel, bem no meio do país. Minha maior preocupação era com o tempo, mas amanheceu um dia lindo (que logo virou aquele dia típico de verão do norte europeu, com muitas nuvens no céu, mas ao menos não choveu). No quarto dia, o café da manhã inglês já não estava descendo, então pedi "apenas" ovos, torradas e bacon. Fui até a estação central de ônibus, que também era próxima do hotel, pois na Irlanda as linhas ferroviárias não são tão desenvolvidas assim, e vale a pena ir de busão. A pontualidade irlandesa entrou em jogo novamente, e, em vez de meio dia, como previsto, cheguei quase uma da tarde no meu destino.
               Cashel é uma típica cidadezinha/vilarejo irlandês de interior, mas com um certo foco em turismo. A atração principal é a Rock of Cashel, um morrinho de onde (segundo lendas, claro) governavam os reis de Munster, um importante reino celta do primeiro milênio d.C. O local foi passado à igreja cristã na virada do milênio e entre os séculos XII-XIII foram erguidas as construções que lá ainda permanecem, em ruínas desde que os exércitos ingleses passaram o rodo nos padrecos, no século XVII.
               Eu achava que o complexo era um castelo, com salas e meandros para serem explorados. Entretanto, é só uma grande igreja, com outra pequena construção para moradia ao lado. Além disso, uma das principais capelas da igreja está fechada para restauração e andaimes cercam metade das ruínas. Tudo isso me fez ficar meio decepcionado, ainda mais com a propaganda que é feita sobre o lugar. O que tem lá ainda é interessante, claro. A ruína em si é bonita, a colina é murada e há séculos as pessoas a usam como cemitério, então uma série de sepulturas, monumentos e cruzes celtas rodeiam a igreja. Mas não é um lugar fora de série.
               Me chamou mais a atenção ruínas de outra igreja que podiam ser vistas da colina, no meio de um pequeno pasto. De longe, não vi ninguém andando por elas, nem um guichê de recepção, parecendo efetivamente abandonadas às moscas e vacas. Desci a colina então, em busca de uma entrada que parecia não existir. Outro casal estava na mesma, interessados, mas sem saber o que fazer. Então pulei o muro de pedra do pasto mesmo e rumei para as ruínas, atento a cachorros, bois brabos ou irlandeses com espingarda. O casal veio logo atrás e fomos seguidos por mais algumas pessoas. Se fosse para ser preso, pelo menos não iria sozinho!
               No fim, o local até tem uma entrada "legal" (só não dava para vê-la) e pode ser visitado, mas não tem ninguém de guarda. É a Hore Abbey, construída e abandonada mais ou menos nas mesmas épocas que a Rock. Tem mais aposentos também, embora tudo o que tenha sobrado das partes habitacionais sejam paredes. Poder andar por ali sem restrições, só com mais meia dúzia de pessoas com quem mal cruzava, foi bem mais legal que encarar os andaimes da irmã mais famosa.
               Também não é um local para se perder horas, então fui caminhar no centro da vila em busca de mais alguns pontos de interesse. Alguns nem eram tão interessantes, outros estavam fechados no meio da tarde de sexta (veja só, e a cidade quer ser turística!). Era três e quarenta e eu estava de boa. Um dos horários previstos dos ônibus que passam a cada duas horas lá era 15:25, então fiquei esperando, crente que a pontualidade irlandesa me favoreceria agora. Mas nem. Fiquei até quatro e meia esperando para nada. Há outra magia celta local que prevê que, a cada 738 ascendências de Urano em Sagitário, um ônibus passa na hora, e era aquele. Decidi voltar à Rock para gastar mais algum tempo, e voltei ao ponto um pouco antes do próximo horário, das 17:25. Que, logicamente, passou só depois das seis.
               Valeu a pena ter ido a Cashel, embora não tenha sido tudo o que eu esperava. Posso ao menos dizer que dei uma passeada pelo interior do país. Engraçado que todas as paisagens de planície do norte europeu são muito parecidas, então não foi diferente do que viajar pela Alemanha, Dinamarca ou Inglaterra. É plantação, plantação, pasto, vilarejo, plantação, pequeno fragmento de pinheiros, plantação... A única diferença que percebi na Irlanda é o maior número de ovelhas.
               De volta à Dublin, tinha duas opções. Ou encarar o outro bate-e-volta já no dia seguinte, ou deixar para domingo e andar por Dublin no sábado. Queria ir para o vale de Glendalough, onde ruínas monásticas se misturam com um parque natural. O clima, entretanto, era essencial para esse passeio, e se deixasse para domingo e chovesse, teria perdido a chance. Então decidi que só não iria se estivesse chovendo pra valer. A região é bem mais próxima de Dublin, mas com pouco acesso por transporte público. O melhor é pegar uma excursão que leva e traz no mesmo dia. Convenientemente, descobri uma que saía só 11:30 e ia direto ao vale, voltando 17:40. A outra, que saía às dez, ainda parava em outros vilarejos, então achei que seria muito corrido.
               Pude acordar só às dez e, de quebra perder o café da manhã (iei!). Amanheceu com o tempo completamente nublado, o que me deu uma brochada, mas fui mesmo assim. Cheguei com vinte minutos de antecedência, pois aquele ônibus não vendia passagem antecipada, e já tinha uma fila no local. Não teria problema, na real, pois na Irlanda os ônibus parecem ser pinga-pinga mesmo, faltou assento vai de pé. Mas assim garanti um lugar na janela. A pontualidade irlandesa foi gentil dessa vez, e chegamos ao vale pouco antes da uma, quase no horário previsto.
               Glendalough significa "dois lagos", por causa da principal característica geográfica do vale. Ali, um dos principais santos irlandeses, São Kevin (qual a versão abrasileirada de Kevin?), veio se estabelecer como eremita no século VI. Sua solidão não demorou muito, pois logo outros monges vieram se juntar a ele, e Glendalough se tornou o principal centro religioso da região. A partir do século XIII, entrou em declínio e foi abandonado no século seguinte. Desde lá, tudo o que resta do período monástico são ruínas, também cercadas por sepulturas mais recentes.
               As ruínas monásticas são legais, com certeza, mas o mais interessante do local é sair andando pelas trilhas do parque. Chamar o lugar de "parque natural" tem um sentido diferente na Europa, pois praticamente tudo lá já foi e ainda é usado e manejado. Então são caminhos que seguem por áreas florestadas ou "pastos melhorados", com os lagos de um lado e os penhascos de outro. Não é um vale especialmente profundo ou cênico, mas apenas caminhar em paz por uma área bonita já foi o bastante. A trilha que peguei terminava no início do vale, quando o rio vira cascata, e havia os remanescentes de uma vila de mineiros do século XIX. O tempo melhorou, o sol até se mostrou algumas vezes, e, nos momentos em que choveu, eu estava protegido pelas árvores.
               O tempo curto, infelizmente, não me permitia pegar as trilhas mais longas e complicadas. Fiquei por lá caminhando e vendo as ruínas ocasionais até a hora de voltar. Sem atrasos também, então às sete estávamos em Dublin. Foi um dia bem agradável em Glendalough. Mudar um pouco de ares e ver umas paisagens legais sempre é bom. Ainda mais se tem ruínas seculares pelo caminho!
               O último dia em Dublin também foi em marcha lenta. Acordei tarde e saí do hotel só perto do meio dia. Parei em uma loja para comprar besteiras irlandesas e depois fui em busca dos pontos de interesse da cidade, na sua parte antiga pero no mucho. Fora as igrejas, não há muita coisa anterior ao fim da Idade Média por lá. A catedral católica, a Christ Church, é muito bonita por fora. Mas por dentro não me pareceu muito diferente, então nem paguei para entrar. Preferi ir no prédio em anexo, onde fica a Dublinia, uma exposição sobre a cidade na época viking e medieval. Dublin foi, efetivamente, fundada por escandinavos no século IX e efetivamente permaneceu na mão deles até o vagalhão normando atingir a Irlanda, no século XII. A exposição em Dublinia não é arqueológica: o que tem são textos informativos, reconstruções, bonecos e outras coisinhas interativas. Já falei que isso não me empolga tanto, mas nesse caso até que gostei. Talvez porque não tinha tanta gente, ou por já estar meio saturado e querendo coisas diferentes. Ou talvez só por provar mais uns elmos diferentes!
               Dali, fui para a outra catedral, a anglicana. Só que bem na hora a catedral de São Patrício estava tendo culto e fechada à visitação. Sem Deus na minha vida, o negócio foi ir atrás de cerveja. Caminhei um tanto até a Guiness Storehouse, o centro interativo/propagandista que a maior cervejaria da Europa criou para glorificar a si mesma. É também uma das atrações mais visitadas de Dublin, pelo movimento que tinha lá. Mas, de boa, é puro marketing. Tem umas mostras meia boca mostrando o processo de fabricação e transporte, tudo na base da tela de TV. Umas outras firulas sobre a história da marca. Tem uma "academia" para você aprender a servir seu pint (note a falta do "o", por favor) perfeito. Legal, né? Sim, se você quiser pegar a fila para chegar lá. Daí tem um lounge para degustadores de cerveja. Opa, uma boa, não? É, se você quiser pegar a fila e pagar mais uma taxa adicional para entrar. No fim, o a única coisa que diminui o prejuízo da cara entrada (17 euros) é um pint "cortesia" servido num bar circular com visão panorâmica.
               Eu gosto de Guiness, acho uma boa cerveja, e não há como negar que eles sabem trabalhar a marca. Mas a Storehouse é um baita migué de sete andares. E engraçado que nem vi menção à mistura com nitrogênio na hora de embalar, o maior diferencial da cerveja, que gera aquela espuma cremosa que dá vontade de tomar por si só.
               Depois dali, voltei para a São Patrício e pude entrar. Nada muito diferente também. É uma igreja bem grande e com coisas legais dentro, mas à essa altura já vi tantas que precisa de algo diferente para fazer meu queixo cair. Voltei para o hotel então, pois teria que acordar cedo no outro dia. Pelo menos a presença do pub no térreo facilitou bastante a tarefa de tomar aquela gelada antes de dormir todo dia!
               Dublin não me impressionou muito, mas pode ter sido por já ter passado bastante tempo no norte Europeu, vendo coisas parecidas. A cidade é mais zoada que outras capitais européias, mas não se aproxima do caos de Roma, por exemplo. Por outro lado, não possui a riqueza de antiguidades que torna a outra interessante. Algumas coisas lá foram bem legais nesses dias (o museu, Hore Abbey, Glendalough), mas, de modo geral, aproveitei pouco os quatro dias. Talvez devesse ter feito uma pesquisa maior por coisas diferentes nas redondezas, ou ter efetivamente dado uma volta pelo país, em vez de usar a capital como base. Mas isso exigiria mais tempo, tanto de preparação como de viagem.
               Houve coisas que queria muito ver, mas não valiam a pena, como Newgrange, a mais famosa das tumbas monolíticas do começo da Idade do Bronze. Mas era longe de Dublin, socado de gente (pelas informações que vi) e um sítio relativamente limitado (tá, tu vai lá, vê o túnel de alguns metros, acha legal pra caramba, e deu). É a mesma coisa que me desestimulou de ver Stonehenge, nas redondezas de Londres. São locais que ficarão para um outro momento, possivelmente fora da alta temporada, quando eu fizer um roteiro por cidades menores, históricas (como York). Pois, das capitais, estou de boa.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

"For everything there is a season..."

"For everything there is a season, and a time line for every purpose under heaven"
- Ecclesiastes, 3:1 (adaptado)

               Foram sete longos dias em Londres. Foi o lugar onde fiquei mais tempo em viagens (também fiquei sete dias em Berlim, mas eles incluíram o pós-Wacken). Ainda terei um tempo de Inglaterra pela frente, mas agora é hora de contar o que rolou na maior cidade da Europa.

Londres

               Durante o vôo de Hamburgo para Londres, percebi que os 45 minutos programados estavam demorando para passar. Daí me toquei que estava mudando de fuso, ficando uma hora mais perto do Brasil. Ao chegar, enfrentei a temida imigração britânica, bem menos simpática que os sorridentes e avermelhados alemães. Estando no "grupo de risco", tive uma agradável conversa de dez minutos com um tiozinho indiano, na qual tive que mostrar reserva de hotel, dinheiro, cartão de crédito, etc. Engraçado foi quando respondi à pergunta dele sobre quanto saldo tinha no cartão. Ele parou um segundo e mandou um "really?" desconfiado. Acho que sou muito mais rico do que pareço...
               Depois de receber a carimbada (sem sequer um sorrisinho), resolvi as coisas mais importantes, como sacar libras e entender o sistema de transporte, e parti para uma longa travessia de uma ponta à outra da Grande Londres, do aeroporto onde cheguei (Heathrow, no extremo oeste) até a estação de Walthamstow, no lado leste. O famoso sistema de metrô é muito completo, com uma dúzia de linhas, mas pode confundir no começo por ter várias linhas que se dividem no meio do caminho e estações que não abrem alguns dias da semana. Mas tudo é bem explicado e eficiente, então fiquei na base do metrô todos os dias.
               Ao desembarcar e sair da estação, pensei que tinha ficado tanto tempo sob a terra que havia saído da Inglaterra. Afinal, onde estavam os ingleses? Walthamstow fica numa região de imigrantes, e tudo o que via eram orientais, islâmicos e africanos (ou descendentes, claro). Parece que toda Londres é assim, tem muita gente de fora em todos os lugares. Fiquei um pouco alerta ao cruzar com um povo estilo gangsta americano, mas no fim a vizinhança é sossegada. O povo está ali para viver sua vida, sob a tolerância cada vez menor dos ingleses para com os imigrantes.
               E claro, nesse translado já rolou o primeiro desafio: pessoas paradas no semáforo vermelho para pedestres. Esperei para ver. Ao menor sinal de espaço entre dois carros, o povo se jogou para o outro lado da rua. Iei! De volta ao Brasil!
               Como cheguei na metade da tarde, tudo o que fiz nesse primeiro dia foi comprar comida e pensar nos próximos dias. Fiquei numa guesthouse, então tinha uma cozinha à disposição, o que foi providencial para economizar as libras dos jantares e cafés da manhã de cada dia. O lugar era afastado do centro (25 minutos de metrô), mas hospedagem lá não é para qualquer um (ou para quem quer um quarto individual com banheiro!). Evitei pensar em reais nesses dias, para não ter pesadelos. Libra valendo R$3,50 é fogo!
               Na manhã seguinte, acordei oito e meia para fazer o dia de sightseeing. Nem adiantava acordar muito mais cedo, pois quase todos os pontos turísticos da cidade abrem apenas às 10:00. Menos, logicamente, a Torre de Londres, aquele que escolhi para começar, que abria às nove, portanto já tinha uma generosa fila quando cheguei. É um dos vários castelos construídos pelos normandos no século XI, após a conquista britânica. Aliás, tudo na Inglaterra parece ser ou ter sido iniciado nessa época, séculos XI e XII. O país tem uma história complexa de invasões. Os bretões, povo céltico que já se encontrava há bastante tempo nas ilhas, foram os que enfrentaram a conquista romana no século I. Alguns séculos depois dos romanos se mandarem, vieram os germânicos anglo-saxões, dos quais o termo "inglês" surgiu. Seu domínio sobre o país durou até a chegada dos normandos, que nada mais eram do que vikings estabelecidos na costa francesa há dois séculos. É desse caldeirão de influências germânicas, celtas e latinas que emergiu a Inglaterra atual. Mas é raro encontrar remanescentes do período pré-normando.
               O diferencial da Torre de Londres é ficar bem no coração da cidade atual e nunca ter caído no esquecimento, estando bem conservada até hoje. O meu passeio pelas muralhas e torres externas ficou prejudicado pela grande quantidade de pessoas apertadas nos espaços pequenos, mas logo fugi para a fortaleza central e mais antiga do complexo, a White Tower, onde há uma fabulosa coleção de armamentos medievais e renascentistas. Não é preciso mais que uma maça ou alabarda para deixar o Félix feliz, mas ali tem muito mais que isso, incluindo a Linha dos Reis, uma coleção de armaduras que pertenceram aos reis ingleses dos últimos seis séculos.
               Depois de me divertir na White Tower, olhei para a multidão fazendo fila para entrar em outro prédio, que guardava as jóias da coroa britânica, e dei as costas. Quem precisa de uma coroa e um cetro quando se tem um elmo e uma espada? As filas, no entanto, me desanimaram para ver outras torres mais disputadas, como a Bloody Tower e sua história de prisões e torturas dos inimigos dos reis.
               Parei para comer ao lado do castelo, onde provei o grandioso prato tradicional dos ingleses: peixe empanado com batata frita! É, esse é o famoso "fish & chips", que vem com um potinho de molho tártaro e uma bolinha de ervilhas amassadas para complementar. Não é à toa que 95% dos restaurantes da cidade são de comidas internacionais...
               Logo do lado da Torre e do restaurante, fica a Tower Bridge, aquela ponte basculante vitoriana que todo mundo já viu em mil filmes. Apenas passei caminhando por ela, pegando depois o calçadão que corre ao lado do Tâmisa, até chegar em uma interessante igreja gótica com paredes externas de pedras pretas, a Southwark Cathedral. Dali atravessei novamente o rio e fui até a maior igreja de Londres, a St. Pauls Cathedral. Curiosamente, foi construída no estilo da Basílica de São Pedro, em uma época que o catolicismo romano era banido e perseguido na Inglaterra. Porém, o interior é bem mais austero que o da irmã mais velha. Pena que eram quatro horas e a catedral tinha acabado de fechar a entrada para novos visitantes, mesmo com bastante gente ainda querendo entrar. Bem, perderam várias libras!
               Aproveitei o cartão ilimitado do metrô para economizar alguns passos e minutos e ir até Westminster, onde ficam vários ícones da cidade. O prédio do Parlamento é um troço gigante e tremendamente decorado do lado de fora, com a torre do Big Ben anexada. Um prédio muito bonito, mas não me preocupei em entrar. Preferi gasta o tempo do outro lado da rua, na espetacular Abadia de Westminster (é bom ficar ligado que as admissões também fecham às quatro, mas vão até as seis nas quartas feiras). Como toda igreja gótica, é espetacular por fora. Mas, nesse caso, o interior é mais interessante, pois você vê a história inteira de um país acontecendo. Lá estão sepultados figurões da história britânica, como alguns dos primeiros reis, escritores, filósofos e personagens da nobreza. E qual não foi minha surpresa ao dar os primeiros passos e ler, numa das sepulturas, "Charles Robert Darwin, 1809-1882"? O messias da biologia foi enterrado lá, mesmo sendo ateu/agnóstico, pois mesmo em vida sua obra e importância já eram reconhecidos.
               Graças ao útil guia de áudio, pude ficar cerca de uma hora e meia ali dentro, o que é bastante para uma igreja. Na volta, ainda parei para ver o Temple, que é o bairro que pertenceu aos Templários entre os séculos XII e XIV. Mas não tem nada de muito interessante por lá, fora uma igreja dos velhos cavaleiros, que infelizmente estava fechada. Voltei para a periferia então, encerrando já na noite um dia agitado e produtivo.
               No dia seguinte, decidi ir no zoológico. Teria que ir neste dia ou no sábado, então me pareceu uma boa idéia evitar o fim de semana, quando normalmente os nativos enchem o ambiente com suas proles barulhentas. Não adiantou muito: além de chegar meio tarde, ainda havia uma fila enorme, e uma plenitude de criaturinhas barulhentas, empurradoras e remelentas. God bless the Queen, rock'n'roll and earphones!
               Não é um zoológico muito grande. A ZSL (Zoological society of London) possui um zoo em outra cidade, em uma área enorme onde rolam até mini-safaris, então muitos dos mamíferos de grande porte foram alocados lá. Mas sem problema, quem visita bastante zoológicos já está cansado de leões e rinocerontes. O legal deste zoo foi ter um reptilário bem rico, incluindo uma paixão adolescente minha, e que ainda não tinha visto ao vivo: dragões de Komodo! Tinha dois bichões que, embora longe do tamanho máximo da espécie, ainda eram enormes. Desta vez fui eu a atrapalhar as crianças que queriam ver um dos bichos que estava bem próximo do vidro. Vingança, molecada!
               Após sair, a única coisa que fiz foi atravessar o Regent's park, um dos maiores de Londres, onde fica o zoo. Tem uns jardins bonitos, gramadões a perder de vista, fontes, lago e etc. Logo peguei o metrô de volta à pousada, pois no dia seguinte queria levantar mais cedo, pois era o dia do British Museum.
               Minha preocupação era chegar na hora da abertura, às dez, para evitar as multidões. Quase consegui! Cheguei dez e meia e me surpreendi por não ter fila. Por um motivo muito simples: a entrada é gratuita! Depois de gastar vinte libras para entrar em cada lugar antes disso, foi uma agradável surpresa. Só gastei cinco para pegar um guia de áudio, mas as peças são tão bem explicadas nos cartazes que nem era necessário, para quem prefere ler a ouvir (como eu).
               Tinha escolhido a sexta feira por ser o dia em que o museu fica aberto até mais tarde, e até tinha cogitado fazer algo antes, já que achava que teria tempo de sobra. Felizmente não o fiz, pois no fim só saí do museu com seu fechamento, dez horas depois. As coleções são excelentes, principalmente as do meu período histórico favorito, a Antiguidade no Oriente Próximo. Mas tem peças antigas de tudo quanto é cultura, incluindo Mesoamérica, África, Idade Média européia, Índia, China, Japão... Mesmo com muita gente, a amplitude e variedade do museu não faz as salas ficarem socadas. Foi só evitar alguns espaços e peças nos horários de pico, como a Pedra de Roseta (a peça mais pop do museu), diante da qual o tempo todo tinha gente se empilhando para tirar fotos. No final, ainda faltou tempo para ver com calma a fantástica galeria de culturas orientais, então tive que correr e atuar como aquele tipo de serzinho desprezível que infesta museus, que anda com a câmera na frente da cara só para tirar fotos e dizer que viu, mal olhando para as peças em si.
               O British Museu talvez seja o melhor museu de história e arqueologia que já visitei, pela riqueza de peças, informações e por estar tudo em inglês (óbvio!). É meio difícil de entender a arquitetura do negócio no início, e decifrar o mapa, com seus andares e níveis, é como se aventurar numa dungeon complexa, onde você está no meio dos gregos e de repente faz uma curva e cai no Egito. Mas depois de gastar alguns minutos raciocinando, é possível criar roteiros coesos e se divertir. Comparável a ele, até agora, só o Pergamonmuseum (pelas suas mostras monumentais) e, talvez, o Louvre (pelas peças icônicas).
               Como cheguei tarde na pousada, decidi matar a manhã seguinte e ir só de tarde para o Natural History Museum. Novamente, entrada na faixa, mas desta vez com fila. Com pouco tempo, tentei ir direto ao ponto (dinossauros!), mas havia uma nova fila, e das grandes, para entrar na galeria mais disputada do lugar. Assim, aproveitei para andar pelo resto do museu antes, onde os fósseis estavam espalhados no meio dos animais empalhados (não me empolga ver bichos atuais em museu, pois prefiro vê-los vivos no zoo). A parte mais legal foi um paredão cheio de fósseis de antigos répteis marinhos, como ictiossauros, pliossauros e mosassauros. Depois, encarei a fila para a galeria dos dinos, e me decepcionei um pouco. Acho que esperava algo como o museu de Paris, uma sala enorme com toneladas de fósseis. Mas, como a maior parte deste museu, era uma mostra mais interativa e explicativa, cheia de maquetes e firulas, e com poucos bichos em si. Não tenho dúvida de que é bem mais legal para 99% das pessoas, mas eu preferiria aquele estilo "Pronto, aqui estão fósseis e nomes, lide com isso! Veja essa metade de costela de Opisthocoelicaudia e ache legal!" da contraparte francesa.
               A tarde acabou sendo o bastante para o museu. O tempo curto me impediu de visitar o vizinho Science Museum, mas imagino que, no fim, ia ser uma coisa parecida, cheia de "diversões para toda família". Meu estilo é um pouco diferente: peças, cartazes e imaginação bastam (claro, de vez em quando também é divertido vestir um armamento viking completo, como em Copenhague). Mas é legal que existam esses espaços onde as pessoas (e crianças) possam explorar de modo mais lúdico coisas que não são usuais a elas.
               Para o último dia, tinha planejado ir ao famoso castelo de Windsor, o mais antigo castelo continuamente habitado do mundo. Porém, depois de todas as filas e multidões, cada vez mais aquilo me pareceu uma armadilha para turistas. Lembranças da complicada visita a Versalhes vieram à tona. Assim, explorei algumas opções na internet, encontrando um site muito útil de castelos na Grã-Bretanha e Irlanda (http://www.britainirelandcastles.com/). Ali encontrei o Rochester Castle, um castelo normando em ruínas, mas um dos mais bem preservados do seu tipo. Como bônus, uma catedral antiga do lado e o fato de ser a apenas 40 minutos de trem de Londres. Então, Windsor para as massas, ruínas para o Félix!
               Cheguei às onze em Rochester, uma simpática cidadezinha das antigas. Depois da loucura londrina, foi bom poder caminhar pela tranquila rua central até o castelo. Era bem o que eu esperava: uma antiga fortaleza de 35 metros ainda de pé. O interior está praticamente todo colapsado, mas ainda é possível caminhar pelos corredores das paredes externas até o topo. Como bônus, poucos visitantes e um guia de áudio que ajuda a imaginar a vida medieval do castelo. Paredes caídas, escadas de pedra, ameias e corredores estreitos, esse é o tipo de coisa que me atinge mais do que a pompa e frescura dos palácios ainda habitados. Pena que lugares deste tipo também costumam ser pequenos (até hoje não vi nada que se comparasse ao castelo de Heidelberg), então tentei aproveitar ao máximo cada canto acessível, esticando por uma hora e meia a visita.
               Fora isso e a catedral (não muito diferente das outras), não há muita coisa para ser vista em Rochester. Aproveitei para almoçar a um preço mais suave que Londres e voltar, chegando às quatro. Como ainda tinha tempo, passei no palácio de Buckingham para cumprir tabela e tirar umas fotos do lado de fora. Dali, foi só retornar ao hotel e arrumar as malas para a ida à York, no dia seguinte.

               Assim terminou minha semanada em Londres. Ainda havia outras coisas que poderiam ser feitas, como ver por dentro a Tower Bridge, o Parlamento e etc. E ainda quero visitar Windsor numa época mais calma. Mas tudo fica cheio na temporada, chega próximo de Paris, e não sei se as visitas compensam as filas e cotovelos. A cidade em si é enorme e não tem um centro histórico definido, daqueles no qual você sai caminhando e vendo uma coisa atrás da outra. O turismo é mais baseado em metrô, lugar X, metrô, lugar Y e assim vai. De qualquer modo, pude aproveitar bastante as coisas que mais me interessavam, com tempo de sobra e sem pressa. As entradas gratuitas nos museus e a cozinha da pousada fizeram com que eu gastasse menos do que temia, pois Londres pesa nos bolsos brasileiros (porém, sem chegar perto da insanidade dinamarquesa). Concluindo, uma cidade rica e fundamental para qualquer viajante conhecer. Mas, dependendo dos seu pique e gosto, pode ser vista em bem menos dias.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Wacken III: o melhor da trilogia?

Antes das aventuras na Inglaterra, seguem as aventuras no Wacken! Como o usual, será um texto maior que a média, pois gosto de falar um pouquinho de cada show visto, além das outras histórias. Então bora lá!

Wacken

               Depois de uma noite descansada no hotel, foi hora de partir novamente para a Terra Prometida dos metaleiros. Deixei o grosso da minha bagagem no próprio hotel, levando apenas o necessário para sobreviver até domingo. Fui para a estação de Altona (sim, ali na Itoupava Seca) para encontrar a Tati, vinda lá de Göttingen, para pegarmos o trem para Itzehoe, e dali o ônibus para o festival. Desta vez, nenhuma bomba apareceu pelo caminho e conseguimos chegar no Wacken em si cedo, por volta do meio dia.
               Tinha chovido um pouco de manhã, o suficiente para criar um pouco daquela laminha querida do ano passado. Como gato encharcado tem medo de céu com nuvens, armamos nosso acampamento em uma colina desta vez, mesmo que a previsão fosse de sol, para não irmos por água abaixo de novo. Ainda quando andávamos por lá, uma húngara nascida na Romênia que vivia na Alemanha (e viva a globalização!) pediu para armar as barracas conosco, pois estava sozinha, e ainda andou com a gente por parte do dia.
               Com bastante tempo antes da primeira banda de interesse, fomos fazer aquelas primeiras coisas para botar a casa em ordem: pegar a pulseirinha e a bolsa com souvenirs do festival; deixar as coisas de valor no armário de segurança; comprar merchandise oficial do festival; andar pela Wackinger Village para ver o que os nerds metaleiros estavam aprontando para esse ano; e, logicamente, pegar o primeiro litrão de cerveja de trigo, para exercitar os bíceps.
               O primeiro show que vimos foi do Haggard, 18:45, em um dos palcos menores. A banda leva longe a lógica de misturar metal com música clássica, de um modo bem mais completo e interessante que a maioria dos que seguem nessa linha. Ajuda o fato de que todas as pessoas que tocam os instrumentos clássicos são membros efetivos, não músicos convidados. Então minha curiosidade era ver como eles organizariam uma dúzia de músicos no palco. Soou muito bem, tudo estava no volume certo e bem audível, menos... a voz do vocalista principal! Essa só foi ser ouvida lá na terceira música, quando viram que o volume estava muito baixo. Fora esse detalhe, o resto do show foi muito bom, baseado bastante no "Eppur Si Muove", o terceiro e melhor dos seus discos.
               Feito isso, fizemos a peregrinação aos palcos grandes, onde logo tocaria o Deep Purple. Por mais clássica que seja a banda, nosso interesse maior era no show que viria depois, e já havia uma multidão no palco ao lado esperando. Por isso, fomos lutar por nosso lugar lá e acompanhamos o show dos velhinhos meio de lado, mais pelos telões. Não conheço muito a banda (shame on me!) e Ian Gillian não tem mais metade da voz de antes, mas eles ainda mandam muito bem, do alto de seus quase setenta anos.
               Mas a expectativa mesmo era para a banda que abriria o True Metal Stage, o maior palco do festival. E bota expectativa nisso, pois estava todo mundo lá para ver, pela primeira vez no Wacken, o Rammstein. Segundo os próprios produtores, a banda era um sonho antigo. Perguntei para Tati porque só agora e ela me disse que, mesmo sendo alemães, os shows deles no país se esgotavam em horas. Tudo porque não são tantos assim e exigem uma baita produção. E toda essa estrutura foi carregada até o Wacken.
               Abriram o show com a primeira música do último disco, "Rammlied", já incendiando a galera. Teve mais duas do disco novo, e de resto tocaram todas aquelas que eu gostaria de ouvir: "Wollt ihr das Bett in Flammen sehen?", "Asche zu Asche", "Sehnsucht", "Du hast", "Bück dich", "Links 2-3-4", "Feuer frei!", "Sonne"... além de várias outras ótimas. Só faltou para mim "Engel" e "Te quiero puta!", mas tudo bem. O show em si foi animal, com cada música tendo uma performance teatral diferenciada. E quando tocaram "Sonne", quem aparece no meio da música, como convidado? Nada menos que o Roberto Carlos alemão, o rei da música brega germânica, e amado por metade dos blumenauenses que conheço: o bom e velho Heino! Passa a régua, fecha a conta: o Troféu Fefeleco de Melhor Show do Wacken já tinha dono.
               Com o Rammstein terminava a primeira noite de shows do Wacken, que sempre é mais curta. Paramos cinco minutos para olhar um tal de Henry Rollings Spoken Word, um ex-músico, jornalista, tentativa de comediante fazendo algo que talvez fosse um stand up ou um tiozinho contando histórias. Não era bom de nenhum jeito, então aproveitamos para tomar banho antes de dormir, um horário conveniente em que não há filas enormes para os chuveiros. Dali foi deitar e tentar dormir, às duas da manhã.
               Logicamente essa foi uma tarefa ingrata, e creio que só rolei e cochilei até a barraca começar a ferver, já umas oito da manhã. Nove e pouco desisti, assim como a Tati. O céu estava totalmente limpo e o sol, muito forte. Foi sem dúvida o dia mais quente que já passamos lá. Muito melhor que a chuva, com certeza, e não tínhamos o que reclamar a Thor e Zeus. Mas isso nos obrigou a, algumas vezes, nos preocuparmos mais com sombra do que com visibilidade em alguns shows. E a tomar vários e vários canecões de... água! Sim, além da inevitável cerveja, nada melhor do que um litrão de água na goela e outro na cabeça para refrescar a vida.
               Como levantamos cedo, conseguimos ver metade do show do Russkaja. É uma banda que faz uma apresentação bem-humorada de rock-ska-música russa e toca praticamente todos os dias nos palcos menores. Depois de alguns anos fazendo isso, deram a eles a oportunidade de tocar em um dos palcos principais. Tá certo que às 11:00 da manhã, mas até que tinha um bom público lá de divertindo.
               Os shows "para valer" começaram com o Tristania, uma banda que já gostei, mas hoje em dia não acompanho. Não faz mais tanto minha cabeça, e, sendo meio dia, foi melhor sentar numa sombra e esperar pela próxima, o Eisbrecher. Esses fazem o tal do Neue Deutsche Härte, ou, traduzindo, "Rammstein metal". O som do Eisbrecher segue de perto o dos irmãos maiores, com menos melodia e mais ênfase no bate-estaca. O show foi muito bom e o vocalista era bem carismático e piadista. Foi uma das várias vezes nesse Wacken que gostaria de entender alemão, e não precisar pedir traduções à Tati depois que todo mundo já tinha rido.
               Fugimos do calor por uma hora e meia no Biergarten, onde aproveitei para comer algo mais substancioso do que espetinhos de carne e cervejas de trigo, para às quatro voltarmos aos palcos grandes. Tati foi ver o Ugly Kid Joe, enquanto eu, com vontade de ouvir um black metal, fui no Ihsan. Não conhecia nada da banda além de saber que era do ex-vocalista do Emperor, então tive uma agradável surpresa. A maioria das músicas é lenta, arrastada ou melódica, focada mais na atmosfera que na agressividade, com boas doses de heavy puro e vocais limpos. Do black, só o onipresente vocal extremo, um dos mais insanos desde a época do Emperor. Mais para o final, Ihsan nos mostrou que ainda tem uma Sombra, e vieram sonzeiras bem violentas regadas a blasting beats. Um show legal que me fará pesquisar pela discografia da banda.
               Após essa hora, nos encontramos de novo e tínhamos um longo tempo até o show. Fomos então passear pela próprio vilarejo de Wacken, que já fica na porta do festival. É realmente um lugar pequeno: possui duas ruas principais e uma ou outra lateral. Nesta época, tudo, mas literalmente TUDO, gira em torno do festival. Cada habitante bota em seu quintal um estande para vender comida ou bebida. Os velhinhos colocam suas cadeiras na varanda para observar o movimento e rir das loucuras da molecada. Os fazendeiros fazem comboios para desfilar com seus tratores na rua. Os religiosos distribuem "Bíblias Heavy Metal", que nada mais são do que Novos Testamentos acompanhados do depoimento de roqueiros e metaleiros cristãos. Em resumo: tudo na mais perfeita paz e harmonia entre uma sossegada vila bem de interior e uma legião de fãs do mais controverso dos estilos musicais.
               Aproveitamos para tirar um cochilo sob a sombra no agradável gramado da igreja local, com as sepulturas das importantes famílias wackeanas ao lado. Daí voltamos ao festival, onde demos algumas voltas e aproveitei para comprar umas camisas de banda difíceis de encontrar no Brasil. Eram nove horas quando começaria o próximo show, e daí tive que tomar uma decisão difícil. Na mesma hora tocava o Mötorhead, banda que adoro, e o Corvus Corax, que não conhecia, mas sabia que era de um estilo que curto. Escolhi, com pesar no coração, o segundo, o que se mostrou uma decisão acertada por três motivos. Primeiro, eu já tinha visto dois shows do Mötorhead em 2011. Segundo, este seria o primeiro show da banda após o vocalista lenda-viva Lemmy quase virar lenda-morta com um problema cardíaco. Pelo jeito ele ainda não estava recuperado, pois, após meia hora e seis músicas, tiveram que deixar o palco porque o vocalista não aguentava mais.
               O terceiro foi simples: o show do Corvus Corax foi excelente. Eles fazem música celta e viking puramente folclórica, com vocais rústicos, uma infinidade de instrumentos tradicionais e um trabalho enérgico de percussão. É o tipo de coisa que não tem nada de metal, ou mesmo rock, mas é adorado pelo público metaleiro (principalmente os europeus), então a banda teve um bom público e ótima aceitação. E dá-lhe pulos, palmas, dancinhas de braços dados e batidas de pé no chão.
               Pulamos direto para o palco ao lado para a headliner da noite, o show de trinta anos de carreira da "rainha do metal", Doro. Quis assistir por puro interesse bibliográfico, pois a moça (nem tanto, já nos seus cinquentinha) é um dos ícones da estilo, embora eu não conheça quase nenhuma música. E dá-lhe aquele heavy metal oitentista puro, com seus refrões para cantar junto e riffs de guitarra básicos. Uma multidão de convidados fez parte do show, e a Doro parecia bem feliz e emocionada, quase uma criança na sua primeira vez no palco, o que foi perfeitamente resumido pela Tati na alcunha "Xuxa do metal".
               Quando terminou, era meia noite e ainda teria shows até três da manhã. Tati foi assistir mais um, mas eu entreguei os pontos e fui tomar banho e dormir, pois o sábado seria barra-pesada. Além de ser o provavelmente o último desta minha sequência de Wacken, a maior parte das bandas que eu queria ver tinha ficado para este dia.
               Claro que nunca se dorme exatamente bem num festival desses, mas estava tão cansado que consegui apagar rapidamente. O dia começou bem mais fresco também, e a barraca demorou mais para esquentar. Levantamos depois das dez e ficamos algumas horas aproveitando as barraquinhas medievais da Wackinger Village, onde pudemos, como sempre, testar nossa (falta de) habilidade com armas medievais. Eu morreria fácil se tivesse que arremessar um machado ou disparar um arco naquela época, mas se fosse um besteiro até que me daria bem...
               Os shows do dia começaram 13:30, com o Fear Factory, os pais do metal industrial. Gosto do som violento dos caras, que mostra como foi inadequado o uso do rótulo para definir bandas como o Rammstein no início de carreira, pois está mais para thrash metal do que para musiquinhas dançantes. Mas não me incomodei de ver o show sentado na sombra.
               O show que veio em seguida era um dos que eu mais esperava, pois o Die Apokaliptischen Reiter é uma banda que gosto muito, mas é quase desconhecida no Brasil e dificilmente faria uma turnê por lá. Não me decepcionei: a banda soou muito bem ao vivo e teve uma performance bem humorada, apesar de ter um pé no metal extremo. Não tocaram minha favorita, "Friede sei mit dir", mas não se pode esperar que cada fã tenha todos os seus desejos atendidos, né?
               Fomos então da Alemanha para a Finlândia, do industrial para o melódico com o Sonata Arctica. Também nunca ouvi o som deles, que é aquele metal melódico mais limpo, cadenciado, cheio de sintetizadores, sem surtos de velocidade. A performance da banda, no entanto, foi muito boa, e o vocalista mostrou um jeito, vamos dizer, extremamente "curioso" de se despedir em um show de metal. Durante o show, as nuvens vieram e uma pancada de chuva se abateu sobre nós. Felizmente foi só nesse momento e o sol voltou depois, então tudo o que tivemos que enfrentar foi mais alguma lama em alguns pontos.
               Gastamos mais algumas horas na Wackinger (sim, é o melhor lugar para passar o tempo lá), o que incluiu o show de uma das bandinhas que tocam todos os dias no pequeno palco do setor. O Wacken vale quase tanto por esses pequenos shows quanto pelos grandes, pois eles escolhem bandas que, além do som com pegada folk que a galera adora, fazem apresentações divertidas. Nesse caso, o Feuerschwanz (algo que pode ser traduzido como "pinto de fogo") vai além e faz uma apresentação teatral de comédia mesmo, junto com seu folk rock feito para pular. Eu gosto do lado "sério" do folk, mas sempre é legal ver uns caras de armadura e roupas medievais prontos para rir de si mesmos.
               Voltamos ao palco principal para ver os pioneiros do doom Candlemass. Conheço apenas os dois primeiros discos da longa carreira da banda, mas não imaginava que o som funcionasse tão bem ao vivo. O som lento, com riffs arrastados e macabros, aliados a um vocal limpo muito acima da média, cheio de feeling, criou o ambiente perfeito para bater cabeça e viajar completamente imerso na música. A cerveja e o hidromel da Wackinger podem ter tido alguma parte nisso, mas foi um dos melhores shows do festival para mim.
               Logo em sequência, outro dos shows mais esperados por nós. Tanto eu como Tati somos fãs do Nightwish (é ou já foi a banda favorita dela) e ambos estávamos decepcionados com os rumos após chutarem a vocalista Tarja Turunen e botarem a meia boca Anette Olzon no lugar. O que de melhor poderia ter acontecido, então, quando há um ano chutaram essa mesma guria e colocaram lá aquela que é, na minha opinião, a melhor vocalista do metal, a ex-After Forever Floor Jansen? Eu tinha tanto a expectativa de ver as músicas da banda ao vivo quanto a de ouvir a Floor, já que o After Forever já acabou. A segunda foi cumprida com mérito: ela canta demais ao vivo, do mesmo modo que nos discos, e possui um carisma fantástico. A primeira ficou devendo um pouco: eles focaram a apresentação no material mais novo, dos discos com Anette. Uma escolha natural até, pelo fato deles terem escolhido o Wacken para gravar um DVD ao vivo, e já tem vários representando as músicas da "fase clássica". Teve, felizmente, algumas do último disco com a Tarja, o "Once", além de duas do meu favorito, "Bless the child". Mas, dos três primeiros discos, apenas "She is my sin" foi tocada (uma ótima escolha, por sinal!). Quando voltaram para o bis e anunciaram uma última música, eu gritava por uma velharia por dento ("Wishmaster", cadêêêê?), mas eles escolheram fechar com mais uma música nova. Isso não se faz nunca em um show, pois não agita ninguém como deveria, e deixa um gostinho amargo na boca dos fãs mais antigos. Não posso negar que foi um puta show do mesmo modo, só ficou esse porém que os deixa de fora do meu Top 3 deste ano.
               O festival se encaminhava para seu final, mas ainda tínhamos uma hora para curtir os arredores antes do último show, 1:45. Nada melhor do que encerrar o último festival com a mesma banda que encerrou o primeiro, o Subway to Sally. Novamente foi um show excelente, e eles estavam soando mais folk do que nunca (a banda é classificada como folk metal, mas o material que conheço não parece muito). Não precisava pedir mais nada, com um final desses.
               Mas o que você faz quando são três da manhã, e você pretende desmontar o acampamento às cinco para pegar cedo o ônibus de volta a Itzehoe? Vai para a barraca dar uma descansada antes da cansativa jornada de volta, não é? Errado! Bem, é o que tínhamos feito nos outros anos, mas desta vez pareceu uma idéia muito melhor pegar o último litrão de cerveja e sair dando voltas no acampamento por duas horas.
               É engraçado como as coisas são diferentes na Alemanha: quando acaba o festival, tudo fecha e as pessoas vão realmente para suas barracas dormir. Você vê poucos pontos onde pessoas ainda se divertem, e raras almas caminhando pelas ruelas de barro. Nós descobrimos locais que nem imaginávamos que existiam, pois a área de camping é muito grande e sempre ficamos por perto da área dos shows. Foi legal pois não foi um final melancólico com clima de "ah, já acabou?", mas divertido e regado a piadas e descobertas nas pilhas de escombros deixados pelo pessoal que já tinha ido embora.
               Melancólica foi apenas a volta em si, na qual cada passo era doído e cada tentativa frustrada de sobrar a barraca, um apocalipse particular. Tivemos a caminhada até o ônibus, depois os 45 minutos até Itzehoe, depois o trem de uma hora até Hamburgo. Tati ainda encararia uma jornada maior até sua cidade, e eu teria que ir até o hotel onde tinha deixado as malas e atravessar a cidade até meu outro hotel, perto do aeroporto. Quando cheguei no hotel, praticamente morto, perguntei se, como eram hotéis da mesma rede, não poderia transferir a reserva para lá. Meus olhos brilharam quando ela disse que sim, só teria que esperar um pouco para um quarto ser liberado. Esperei (ou melhor, apaguei) por um tempo indefinido no hall do hotel antes da moça me acordar e eu me arrastar até o quarto. Pouca coisa pude fazer além de tomar banho, engolir um par de Snickers e deixar na cama, ao meio dia.
               Bati todos os meus recordes ao dormir mais de vinte horas seguidas, acordando só ocasionalmente para ver as horas e rolar de lado. Levantei oito e meia e aproveitei para destruir no café da manhã do hotel. O dia não foi diferente do planejado, para descansar e recuperar as energias. Nem tive ânimo para ir ver o museu da emigração, que tinha ficado devendo na última passagem por Hamburgo. Apenas caminhei até uma rua comercial próxima, onde achei uma lavanderia automática (e foi só ficar cinco minutos parado, olhando para os cartazes em alemão, para um outro cliente me perguntar em inglês se eu precisava de ajuda), uma loja de sapatos (para comprar um substituto para meu outro tênis alemão, que resistiu heroicamente por dois anos e três Wackens) e almoçar uma currywurst (pois não dá para passar pela Alemanha sem comer uma salsicha!).

               O Wacken foi, em uma palavra, fenomenal. É difícil comparar com o primeiro, onde tudo é novidade e também houveram muitos shows ótimos, e fácil de comparar com o segundo, onde a chuvarada forçou a barra e dificultou as coisas. Mas talvez tenha sido o melhor de todos. E, no final, quando eles anunciam algumas bandas já confirmadas para o ano que vem, dá vontade de já comprar o ingresso de novo... Bem, talvez eles não esgotem antes de dois meses, então ainda dá para pensar no assunto!