quarta-feira, 29 de agosto de 2012

It's the final countdown!

    ... de três horas até embarcar no avião para Floripa. E isso que já estou há uma hora e meia aqui no Rio. Mas vamos ser rápidos e rasteiros, pois tem muita coisa aí embaixo, sobre os últimos nove dias e tudo mais.

    A ida até Ancara contou com mais um rolo na rede de ônibus, algo que parece comum aqui (vejo gente discutindo e reclamando com os caras das empresas o tempo todo). O ônibus, que era para ser direto de Göreme à capital, primeiro virou um mini-ônibus que nos levou até a rodoviária de Nevsehir. Ali, um funcionário colocou nossas bagagem em um ônibus grande, mas logo apareceu outro mandando ele tirar. O ônibus grande foi tirado da garagem e colocado no estacionamento. Ficamos daí um tempão ali esperando, sem que eu tivesse idéia do que estava acontecendo.

    Depois de algum tempo, apareceu um mini-ônibus e os caras da empresa sinalizaram para o pessoal entrar. Uma velhinha turca começou a berrar furiosamente com os funcionários, junto com reclamações dos outros turcos. Conversei com outro turista que entendia algo de turco e ficou claro que queriam que fizéssemos a viagem de 300 km no mini-ônibus. Quando apontávamos para o ônibus grande, os funcionários só falavam “problem, big bus problem”. Ficamos com a forte suspeita de que, por ter pouca gente na viagem (15 pessoas), eles não quiseram mandar o ônibus grande.

    No fim, nem o escândalo da velhinha adiantou e acabamos embarcando no troço apertado e sem telinhas amigáveis com música para escutar. O menos mal foi que o mini-ônibus andava mais rápido, então chegamos às seis, “apenas” com uma hora de atraso, depois das duas horas de atraso antes de partirmos. Göreme (a empresa, não a vila), nunca mais!

    Com metrô à disposição, foi rápido chegar no hotel. Este, mesmo bem barato, era um nível acima dos que fiquei na viagem. Era daqueles bem completos, com restaurante, várias coisinhas de conveniência (de pantufas a estojo de costura), decoração bonita e quarto confortável. O que foi ótimo, já que passei uma boa parte do tempo em Ancara ali mesmo.

Ancara

    Antes de sair de Göreme, falei para Mustafa que ia para Ancara. Ele me olhou meio estranho e perguntou: “mas o que você vai fazer lá?”. Falou que até duas noites já era demais. E eu no fim fiquei três, pois, quando vi o problema do aluguel de carro e fiz a reformulação em cima da hora pouco antes da viagem, transferi o tempo de Bogazkale para lá. Não é uma cidade bonita e há pouca coisa particularmente legal para ver, pois a cidade ganhou mais importância apenas com o estabelecimento da República Turca em 1923, quando a capital foi transferida de Istambul para lá. Aliás, o nome “angorá” é derivado de Ancara, pois de lá vieram os gatos, ovelhas e coelhos que carregam este nome. Pronto, vocês já não podem dizer que não aprenderam nada hoje.

    No dia seguinte à minha chegada, fui então para o único lugar que realmente queria ver por lá, o Museu das Civilizações da Anatólia. É um museu bem famoso, tendo até ganho o prêmio de Melhor Museu da Europa em 1997, um ano depois de ter aberto as portas. A coleção reúne peças de todos os povos que já habitaram a Ásia Menor, e bota povo nisso: Hattianos, Hurritas, Hititas, Assírios, Frígios, Lídios, Gregos, Romanos, Bizantinos, Árabes, Turcos Sejlúcidas, Otomanos... Como um lugar onde floresceram alguns dos primeiros impérios do mundo, e estando no caminho entre Europa e Ásia, não é a toa que a área tenha passado por tantas mãos.

    Tendo apenas isso para realmente ver na cidade, cheguei tarde, umas onze e meia, e estava preparado para passar o resto do dia lá. Então imaginem minha cara quando fui informado já na entrada que a maior parte do museu estava fechada para reformas. Apenas um dos vários salões estava realmente montado e organizado, e peças importantes dos outros salões estavam colocadas no pátio central, de forma totalmente acronológica, atemática e ilógica. Tentar seguir a ordem do guia de áudio era impossível, além de várias peças indicadas nele estarem faltando.

    Fiz o que deu para aproveitar. O salão organizado (com os achados mais antigos, indo do Neolítico ao começo da Idade do Bronze) deu uma mostra do quão bom o museu deveria ser, pois tinha peças realmente espetaculares, bem diferentes do que eu já tinha visto, e abundância de informações em inglês. O salão central tinha muita coisa legal, mas a completa desorganização tirou a graça. No fim, saí depois de duas horas. Melhor Museu da Europa, só se for em 1997. O único prêmio que o museu ganha em 2012 é o Troféu Fefeleco de Decepção da Viagem.

    Sem muito ânimo para sair andando pela cidade quente e barulhenta atrás das migalhas de certo interesse que ainda sobravam, fui é para o hotel, ficar bodeando no quarto e pensando no que fazer em seguida. A principal coisa que eu queria ver na região era o sítio arqueológico de Hattusa, a antiga capital hitita. Tinha ouvido falar de excursões de um dia que saíam de Ancara, mas não encontrei nada muito claro no Google e o pessoal do hotel não pôde me ajudar (mal entender o que eu falava eles conseguiam...). Na rodoviária, no dia anterior, tinha perguntado como era ir para lá, e o cara de uma empresa me informou que não havia ônibus para o cú de mundo que é Bogazkale, o vilarejo ao lado do sítio, mas o esquema era ir até uma cidade próxima e depois pegar um mini-ônibus para lá. Nada diferente do que eu já tinha feito, só que a viagem toda era estimada em quatro horas.

Fiquei pensando se valia tanto o tempo e o esforço, quatro horas de ida e quatro de volta, para ver um lugar que não tem praticamente nada remanescente. Mas a passagem era barata e, se eu ficasse em Ancara, o que ia fazer? Ficar o dia todo no hotel? “Ora, Félix, no futuro, quando todo o planeta estiver embaixo da água, você vai querer falar para os seus netos que viu Hattusa ou que ficou dormindo em Ancara?”.

    Seis e meia do dia seguinte estava de pé, a tempo de pegar, às oito, o primeiro ônibus que ia para Sugurlu, a tal cidade próxima. O ônibus não tinha uma grande seleção de rock, mas um interessante canal clássico que ia de Beethoven e Bach à “O Fortuna” e a versão de “Nothing Else Matters” do Apocaliptika. Não foi tão difícil aguentar a ida, então. Vinte liras por uma viagem de 200 km com serviço de bordo e ônibus bem equipado, em um país onde o litro da gasolina custa 4,5 liras (lembrem-se que a lira tem o valor parecido com o Real). E aí, Catarinense, como fica a viagem de 150 km para Blumenau que nem água tem e custa 40 contos?

    O duro foi chegar a Sugurlu, onze horas, e ver que tinha caído na Pegadinha do Turco de novo. A platéia deve ter se matado de rir ao me ver perguntar para os motoristas sobre o mini-ônibus para Bogazkale e ver eles não terem a menor idéia. Ao sair de onde o ônibus tinha parado para a rodoviária, fui abordado por um taxista, que também não entendia inglês. Mas, com muito custo, conseguiu me dizer que o táxi só para ir a Bogazkale era 90 liras, ou que eu poderia pagar a bagatela de 200 liras por o tour de táxi, em que ele ficaria o dia à minha disposição para visitar o sítio. Não estava esperando gastar tanto, então fui até a rodoviária, onde todos me disseram que não tinha mesmo mini-ônibus para lá. E, pior, o último ônibus de volta a Ancara era 17:00, então teria que voltar mais cedo do que previa.

    O taxista, que tinha visto naquele turista perdido uma presa fácil, não tinha largado do meu pé ainda. Sem muita alternativa, lá fui eu. Afinal, em viagem, dinheiro é mato, não é?

Bogazkale (Hattusa)

    Chegando em Bogazkale, a primeira coisa que fui ver foi o Santuário de Yazilikaya, um antigo santuário a céu aberto dos hititas. É pequeno, mas possui alguns altos-relevos legais que sobreviveram na formação rochosa que cerca o santuário, com figuras de deuses hititas e alguns de outras culturas que foram sincretizados na religião deles. Ali um guri um pouco mais novo que eu, Mahmud, começou a me acompanhar, mais para treinar o bom inglês que tinha, segundo ele. Claro que sei que a coisa não é bem assim, então, quando ele se ofereceu para me acompanhar a Hattusa, perguntei se era um guia pago ou algo assim. Ele falou que apenas gostava de acompanhar os turistas, embora, é, claro, eles geralmente dessem uma gorjeta. Como estava com saudades de ter uma conversa de verdade com alguém e ele conhecia bastante coisa sobre os sítios, aceitei sua companhia, nem que fosse apenas para servir de tradutor.

    Depois de parar para almoçar em Bogazkale, subimos até o sítio de Hattusas. Foi providencial estar de carro, pois, quando você vê distâncias de quatro ou cinco quilômetros no Google Maps, ele não te diz imediatamente que podem ser quatro ou cinco quilômetros de subidas e descidas entre os montes e penhascos da antiga capital. É extremamente complicado visitar o sítio a pé, por isso há uma estrada por onde carros e mini-ônibus transitam para alcançar os pontos de maior interesse.

    Cabe aqui explicar por que tanta vontade de ver o diabo da cidade antiga, que pouco mais apresenta atualmente do que as fundações dos edifícios. Talvez seja porque os hititas foram o meu primeiro passo na História além da escola, quando li a série “Ramsés” no começo do ensino médio. Ali tinha papel proeminente uma civilização sobre a qual nunca tinha ouvido falar nos livros, que pulavam do “o mundo começou com Egípcios e Sumérios” direto para os reinos babilônicos e assírios antigos. Ou talvez seja porque a campanha do demo de Age Of Empires seja com eles e, como eu não tinha o jogo completo, só me restava jogar ela uma vez atrás da outra. De qualquer maneira, uma coisa é certa: eles são antigos. Uma verdadeira civilização imperial da Idade do Bronze, que floresceu no segundo milênio a.C. Enquanto os cretenses construíam um palácio grande, os hititas construíam cidades inteiras. Enquanto os gregos viviam uma era nublada pela mitologia, os hititas faziam história.

    Era uma questão de honra, portanto. Mas nem por isso o sítio se torna interessante apenas para aqueles que têm pôsteres de reis hititas na porta do quarto (não é meu caso, relaxem). Embora pouco tenha sobrado dos prédios, a localização da cidade vale por si só, espalhada por sobre alguns montes e delimitada por colinas abruptas e penhascos. Os hititas souberam tirar valor da topografia, fortificando as colinas com muralhas e portões, que são as partes mais bem preservadas. Não devia ser fácil invadir a cidade, embora isso tenha acontecido no século XII a.C. e colocado um fim no império. A paisagem é desolada, como todo planalto da Anatólia, e a absoluta falta de grandes concentrações urbanas nas redondezas contribui para o clima.

   Mahmud foi de grande valia no passeio, me apontando coisas interessantes que não estavam nos cartazes explicativos. No final, dei uma boa gorjeta, embora ele tenha ficado naquela de “oh, não precisava”. Podem me achar inocente, mas pareceu realmente que ele estava fazendo aquilo tanto pela diversão quanto pela oportunidade de ganhar uns trocados.

   Finalizada a volta em Hattusas, era apenas duas e meia da tarde. Como teoricamente tinha o taxista pelo dia todo e, no meio das palavras descoordenadas da primeira conversa, ele tinha mencionado Alacahöyük (saúde!), pedi a ele para me levar lá. É outro sítio hitita que fica entre Sugurlu e Bogazkale, fazendo parte do Complexo Hattusas (o nome que se dá ao conjunto de remanescentes hititas encontrado na área, que é... adivinha? Sim, Patrimônio Cultural Da Humanidade! Cinco em nove dias! Ieba!).

    O sítio em si é bem menor e menos impressionante que Hattusa. Tem como maior destaque uma série de tumbas de reis (ou assim os arqueólogos acham) hurritas (um povo que habitou o local antes dos hititas) dos (parênteses!) séculos XXV – XX a.C. O pequeno museu em anexo não tem grandes novidades, pois os achados mais importantes estão lá em Ancara. No fim, fiquei apenas uns 40 minutos por ali.

    De volta a Sugurlu, eu estava bem feliz. Tinha curtido bastante o passeio e me conformado com o gasto. No fim, era tão ou menos caro do que ter alugado um carro para ter ido até lá. Só que, na hora de pagar, o turco tirou outra carta da manga. Duzentas liras era o preço da visita para Hattusas. Alacahöyük era extra. Ele me mostrou o taxímetro ligado: mais 150 liras para o espaço. Na minha cabeça, estava tudo incluso, porque ele ficaria o dia todo comigo, tinha dito que “tempo não era problema” e mencionado alguma hora o outro sítio. Pego de surpresa, sem sequer conseguir me comunicar com ele, e nem tendo certeza do que ele tinha dito antes, não consegui comprar briga. Dei a grana, o que praticamente me zerou, e saí puto do táxi. Aquilo azedou legal meu humor e fiquei com vontade de mandar à merda todos os turcos à minha volta.

    Demorou bastante tempo para dissipar a raiva. Era menos dor no bolso do que no coração, por me sentir feito de trouxa desde o momento em que o safado da rodoviária falou sobre o mini-ônibus. Mas, passado um dia, essa sensação ficou para trás, ficando apenas um rancor de todos os taxistas turcos que passaram pela minha frente até o fim da viagem, e não me arrependo de ter feito o passeio. Teria me arrependido profundamente se não tivesse ido, na verdade. Mesmo tendo custado mais de 400 liras e me obrigado a sacar uma grana adicional no caixa eletrônico (viva a globalização!), foi uma oportunidade única de realizar um sonho. Mas um investimento de algum tempo a mais nos dias anteriores para achar uma excursão de um dia poderia ter me economizado bastante dinheiro e estresse.

    Cheguei ao hotel pouco depois das nove. Estiquei o sono até dez e pouco do dia seguinte, a tempo de ainda pegar o café da manhã. Duas horas caminhei um pouco até o local de onde saem os ônibus para o aeroporto, e lá fiquei por algumas horas até meu vôo, seis e meia. Depois de ter comido meu último McDonald’s lá em Hamburgo, até que gostei de comer fast food de novo enquanto esperava, no Burguer King.

    Ancara foi realmente uma perda de tempo. Eu tinha incluído ela porque era caminho no meu roteiro anterior, mas na reformulação poderia até ter ido da Capadócia a Istambul direto. Valeu por conhecer os sítios hititas, mesmo com a filho-da-putice do taxista, e só. Muito pouco para um lugar no qual gastei tanto tempo.

Istambul

    Cheguei à capital da Turquia... ops... à principal cidade dela sete e meia e levei mais uma hora para chegar do Aeroporto B da cidade ao centro. O treco não chegava nunca, porque Istambul é enorme. Mais alguns minutos de taxi (armado de todos os mapas e distâncias estimadas, para evitar golpe – gato escaldado...) e cheguei ao meu pequeno hotel, bem na região histórica da cidade. E em ruelas onde um milhão de hotéis iguais existem. Mas nem por isso o quarto deixava de ser bom e tinha uma iluminação de LED azul que o deixava como um lounge de festa eletrônica. Ou quarto de motel.

    Somando ainda o tempo de caçar um jantar tradicional (McTurco no McDonald’s – sim, existe), fui dormir um pouco tarde. O que me fez acordar no limite para o café da manhã e sair para andar pela cidade perto das onze. O primeiro dia foi assim, bem de leve, andando pela parte histórica da cidade e vendo alguns pontos de interesse. Comecei, claro, pelo principal: Hagia Sofia (Ayasofia, Santa Sofia, Igreja da Santa Sabedoria e por aí vai). O lugar por onde todos começam, acho, porque tinha uma bela fila para entrar. Mas, depois disso, não tem incomodação, pois, mesmo com uma galera, é difícil aquilo lá ficar apertado.

Ela não é nem de perto a maior, ou a mais antiga, ou a mais bonita construção religiosa do mundo, mas duvido que tenha alguma outra no Ocidente que combine do mesmo modo as três coisas (não tenho conhecimento para falar do Oriente). O imenso aposento principal e o domo possuem 56 metros de altura, metade da Basílica de São Pedro. Mas o treco foi construído mil anos antes da basílica, no ápice do Império Romano do Oriente, na metade do século VI. Não existia nada no mundo que sequer se aproximasse dela na época em que foi feita e assim continuou a ser por quase um milênio. Tão imponente era que, quando os turco-otomanos conquistaram Constantinopla em 1453, não a abandonaram ou depredaram, mas transformaram-na em mesquita.

É difícil imaginar o impacto absurdo que ela causava em qualquer visitante daquela época, ainda mais com todos os mosaicos originais com cenas cristãs. Como os bizantinos tinham essa tradição de mosaicos, em vez de apenas afrescos, muitas coisas sobreviveram em bom estado até hoje. Os turcos, é claro, pintaram e cobriram tudo com reboco, pois, embora Jesus seja considerado um profeta no Islã e as cenas tenham significado para eles, sua religião proíbe a reprodução de pessoas e outros animais em obras religiosas. A partir do momento em que Hagia Sofia deixou de ser templo para ser apenas museu, na década de 20, os mosaicos foram sendo redescobertos e restaurados. Até pouco tempo ela ainda estava em restauração, mas agora não tem nada de andaimes e panos para atrapalhar a visão.

E ela é... adivinha, adivinha... Isso mesmo! Seis em onze dias! Praticamente um fiscal da Unesco!

Depois de uma hora ali, dei uma passada nos mausoléus dos sultões enterrados nos fundos da Hagia Sofia e atravessei a praça para entrar pela primeira vez em uma mesquita, a enorme Mesquita Azul. Tinha lido recomendações de que roupas curtas, incluindo shorts masculinos, não são bem vistos pela galera. E que sempre se tira os calçados ao entrar em uma mesquita. Então minha solução foi simples: calça e Havaianas. O primeiro ponto é irrelevante: pelo menos nestas que são grandes atrações, a turistada entra de boa com roupa um pouco mais curta (mulheres às vezes tem que cobrir os ombros com um pano). O segundo ponto é real, todos os fiéis e forasteiros precisam tirar os calçados para entrar.

A estrutura de uma mesquita não tem nada a ver com a de uma igreja. Não tem bancos, não rolam missas, não tem altar propriamente dito (só uma paradinha simples que indica a direção de Meca). Na frente sempre tem um grande pátio interno. Dentro, é um grande aposento único. No caso da Azul, quatro colunas enormes dominam o ambiente, além do domo principal. Na metade, o pessoal coloca uma cerca de madeira que delimita a área para turistas e fiéis. Homens, claro, pois mulheres não podem entrar ali e rezam apenas em aposentos meio escondidos nos fundos. Como eu vi alguns caras ali que não tinham a menor panca de islâmico, entrei também na “área proibida” para tirar umas fotos. Fora do horário das rezas (mais sobre isso adiante), não tem grande problema, aparentemente. Mas, como na primeira vez entrando na casa de um desconhecido, mantive uma atitude estritamente respeitosa (o que nem todos os turistas fazem), morrendo de medo de criar uma mini-Jihad a qualquer momento. Na hora em que cruzei por acidente a frente de um grupo que estava começando a oração e o cara me segurou e olhou feio, achei que era a hora de disparar.

Mas, correndo o risco de atrair a ira de Alá para mim, posso dizer que mesmo a Mesquita Azul, consideradas uma das mais bonitas do mundo, não é tão interessante quanto as igrejas cristãs equivalentes. Sim, ela impressiona de cara com o porte e as decorações geométricas e de folhagens (os arabescos) e as escritas artísticas em língua árabe, que são mesmo muito bonitas. Mas a falta de imagens torna a decoração um pouco limitada e repetitiva. Não dá para gastar tanto tempo dentro de uma quanto de uma igreja cheia de firulas (mesmo essas acabam parecendo meio iguais depois que você vê um monte delas...).

Dos pontos que passei depois, destaco a Cisterna da Basílica, uma cisterna coberta criada pelos bizantinos que ocupa um espaço imenso recheado de colunas. Foi mantido um espelho d’água habitado por inúmeras carpas e o pessoal anda por passarelas em meio à penumbra fria e úmida, iluminada por luzes vermelhas. Não gastei mais do que meia hora ali, mas vale a visita pela atmosfera do lugar.

O segundo dia foi bem mais simples: passei o dia todo no Museu de Arqueologia de Istambul. Tinha muita coisa legal lá e também eu ainda não tinha ido a um museu arqueológico grande e bem organizado nesta viagem (Ancara, vai tomar no c*). Mais de duas horas foram só no setor chamado Museu do Oriente Antigo, que tem artefatos daquela que é minha região e período favorito na História, o “Oriente Próximo”. Sumérios, assírios e babilônios sempre fizeram minha cabeça, não sei muito bem por que. Tem várias outras coisas legais lá, incluindo peças de algumas culturas que pouco tinha visto em museus mais ocidentais, como árabes pré-islâmicos, hebreus e fenícios.

Para entrar, comprei um passe que custa 72 liras e vale por 72 horas, permitindo uma entrada em cada um dos principais museus da cidade. Além de valer a pena financeiramente, não precisa pegar as filas. Vacilei bastante ao não ter comprado já no dia anterior, pois vale para Hagia Sofia também. Para fazer o gasto valer a pena, então, gastei a última hora do dia no Museu dos Mosaicos, ali pela região, que nada mais é do que uma parte do antigo palácio dos reis bizantinos que foi descoberta, com uma quantidade impressionante de mosaicos bem conservados.

Segunda feira usei para ir ao Palácio Topkapi, o palácio dos imperadores turco-otomanos desde a conquista da cidade até o século XIX. A escolha foi simples, já que segunda feira é o Dia Maldito dos Turistas, quando tudo fecha, mas felizmente eles pensaram nisso e mudaram o dia de folga do palácio para terça. É lógico que todo mundo pensa a mesma coisa e o palácio estava socado de gente. A primeira coisa que fiz, segundo a sugestão do meu guia de viagem, foi correr para os salões do antigo harém. Ali não tinha muita gente, mas também pouca coisa para ver, fora os quartos ricamente decorados dos sultões. Todos dentro da lógica dos arabescos, como todo o palácio, o que acaba causando a mesma sensação que tive na Mesquita Azul.

Com exceção do harém, o resto foi guerra. Havia longas e lentas filas para entrar nos outros lugares principais, como o Tesouro. Lá tinham peças e ouro e jóias incríveis, mas que não despertaram tanto minha atenção, com exceção de algumas armas. Já outro salão disputado é o das Relíquias Sagradas. Lá estão vários objetos sagrados para os muçulmanos, como espadas e objetos que pertenceram aos primeiros califas da religião, no século VII, algumas atribuídas ao próprio Maomé, como alguns fios de barba (sim! As barbas do profeta!). Como uma das três religiões abraâmicas, naturalmente tinha algumas relíquias hebraicas também. E, bem, nas espadas e fios de barba do século VII eu até posso acreditar, mas... A espada de Davi, do século X a.C., em bom estado de conservação? O cajado de MADEIRA de Moisés, de XIII a.C., zero bala?? O CHAPÉU DE PANO DE ABRAÃO, DE XX A.C., INTEIRAÇO??? Fala sério, né? Mesmo admitindo a hipótese de que existiu um Davi, Moisés ou Abraão, tem que ser muito ignorante e/ou crente para acreditar que aquilo passou pela mão dos caras...

O último salão que visitei, e que foi disparado o que mais me interessou, foi o do antigo arsenal.
Obviamente, o que tinha lá era uma coleção incrível de armas e armaduras brancas turco-otomanas e árabes, além de algumas européias que vieram parar lá como despojos de guerra. As armas e armaduras dos orientais tinham a característica de serem ricamente decoradas. Mesmo considerando que aquelas que estão lá são armas de rico, em média são mais pomposas que as de rico européias. As maças são tão bonitas que até devia dar gosto ter a cabeça esmigalhada por uma. Mas as armas carnavalescas não me impressionaram mais do que o simples e grosso conjunto de três gigantescas espadas de ferro húngaras. A maior delas tinha o meu tamanho, se não mais. Não tinham nenhuma decoração, então não creio que fossem cerimoniais, mas é difícil acreditar em um sujeito manejando aquilo. Tenho uma vaga memória de ter lido algo sobre armas assim serem usadas por cavaleiros para destruir barreiras de lanças, mas preciso pesquisar mais para crer...

No fim, fiquei apenas duas horas no palácio, tendo corridos nas seções que estavam mais socadas de gente. Como o hotel era caminho para meu próximo destino, peguei um lanche e comi lá mesmo, saindo em seguida para dar uma olhada nos bazares da cidade. Não me empolguei de ir até o famoso Grande Bazar, pois a idéia de estar em um ambiente fechado com mares de pessoas e turcos tentando me vender coisas não me apetecia. Fui direto para o Bazar de Especiarias Egípcio e ali pelas redondezas encontrei cafés e chocolates para levar para o Brasil.

Ao lado do bazar encontra-se a maior mesquita de Istambul, a de Sulemain, o Magnífico (que humilde, hein?). Feita antes da Mesquita Azul, foi quando os turcos finalmente conseguiram fazer algo maior (i.e. mais alto) que Hagia Sofia. Foi também quando tive a muito interessante experiência de ver in situ o momento das orações dos islâmicos. As mesquitas, mesmo as turísticas, fecham por uma hora neste momento, mas como faltava cinco minutos para começar, às cinco, pulei para dentro. Logo um rapaz veio explicando aos poucos turistas que ali estavam que poderíamos permanecer, desde que ficássemos sentados e quietos nos fundos (mas não era tão estrito, dava para levantar e tirar umas fotos de tempo em tempo).

Enquanto os homens iam chegando e se dirigindo à parte da frente, as mulheres se dirigiam aos quartinhos dos fundos. Algumas, na verdade, pois várias ficaram ali pela área de turistas mesmo, tirando fotos ou falando no celular. Já os homens estavam todos lá, perfilados de frente para a parada que indica a direção de Meca. Três caras ficaram em uma parte lateral mais elevada e começaram a entoar as orações cantadas.

Basicamente, é uma grande brincadeira de morto-vivo. O cara canta uma coisa, a galera se abaixa. Canta outra, todo mundo se ajoelha e encosta a cabeça no chão. Mais um canto e o pessoal levanta. E assim segue várias vezes. Parece que, embora os movimentos sejam coordenados, cada um faz seu ritual pessoal, pois quem chegava atrasado entrava no jogo e continuava enquanto os primeiros já tinham saído. A cantoria em si fica por toda aquela hora, eu acho, dando tempo para quem chegar depois poder brincar. E ela vai ficando cada vez mais empolgada, não devendo em nada para um vocalista de power metal se exibindo. Depois de vinte minutos, quando a coisa começou a parecer um solo de guitarra do Van Canto, fui embora.

No hotel, tomei um banho e, sete e meia, veio me pegar o transporte para um passeio noturno de barco pelo Bósforo que tinha reservado de manhã. Eu queria fazer um desses passeios, mas não daria tempo durante o dia. Este era anunciado como “noite turca”, prometendo tudo do mais brega possível, de dança do ventre a apresentação folclórica. Mas o preço era bom e rolaria uma janta, então lá fui eu. Justamente neste momento, a minha teoria de que jamais chove no verão Mediterrâneo veio abaixo, junto com uma bela pancada de chuva. Chegando no barco, todos restritos à parte de baixo coberta, socada de mesas arrumadas em estilo banquete. Sim, 100% brega. Comecei a achar que tinha entrado em furada.

Felizmente, tudo deu certo no fim. O jantar foi razoável e tinha cerveja liberada (e era... Skol!). Bati um papo com um inglês e uma espanhola que tinham acabado de chegar a Istambul e logo iam para a Grécia, procurando praia e fugindo da chuva (deram azar...). Depois, como a chuva parou, fugi do queijo no deck superior, onde pude satisfazer meu desejo principal no passeio, que era curtir um passeio pela Istambul noturna tomando umas geladas. A cidade fica muito bonita, pois todos os pontos turísticos são iluminados, e as pontes também são decoradas com luzes. O dono do nosso barco devia ser amigo de algum vereador, pois era só chegarmos perto delas que as luzes começavam a mudar e piscar em uns padrões malucos. Não cheguei a ver nenhuma apresentação, mas, no final, quando desci, vi um assustador subproduto do sexismo ainda predominante na Turquia: só havia macharada dançando no meio do salão, ao som de música eletrônica. Praticamente uma festa de algum curso de Engenharia. O passeio terminou meia noite e o transporte me levou de volta ao hotel. Não demorei muito para dormir, pois o café da manhã só ia até dez horas.

Meu último dia de viagem não foi nada pretensioso, mas nem queria que fosse diferente. Depois de tomar café, voltei e fiquei no hotel arrumando as coisas e bojando até a hora do check out, meio dia. Como meu transporte para o aeroporto era só as três, deixei a bagagem no hotel e saí para dar uma última caminhada e fazer render o cartão dos museus. Fui no de Arte Turca e Islâmica, que tem um acervo legal de velharias destas culturas, mas estava muito abafado dentro dele e, à essa altura, eu precisava de mais para me impressionar, então fiquei apenas uma hora ali. Em seguida, dei mais uma passada na Hagia Sofia, como bônus final e para ver algumas coisas que não tinham prestado muita atenção da primeira vez. Dali, fui para o McDonald’s, do McDonald’s ao hotel, e do hotel ao aeroporto.

A viagem seguiu sem problemas, fora o fato de que, quando escrevia isso, tinha uma criança berrando na minha frente no avião, outra chutando a cadeira atrás de mim, e uma terceira enfiando a cabeça no meu colo para ver a janelinha. Vendo o tanto de brasileiros mais velhos voltando comigo, só posso pensar como é bom poder fazer essas viagens relativamente cedo na vida, antes de chegar a uma idade em que as coisas se tornam fisicamente e psicologicamente mais complicadas, e a flexibilidade/tolerância/saco diminui.

Turquia

    Tendo ficado duas semanas quicando pela Turquia, dá para falar um pouco das impressões que tive do país e de seus habitantes. É um país que, aparentemente, está na dúvida entre ser ocidental e secular, ou oriental e religioso. No geral, é um país secular e bem europeu, mas a todo momento você vê reminiscências (ou ressurgências, já que há uma tendência conservadora recente) de uma sociedade islâmica. No Brasil, por exemplo, o estado também sofre influência da religião predominante, mas lá a coisa é bem mais forte.

As mulheres estão em todo lugar fazendo todas as coisas, de atendentes a policiais, e, em todas as instâncias comerciais e oficiais se vestem “normalmente”. Fora disso, é bem dividido entre as mulheres que usam o lenço na cabeça e roupas mais discretas e as que não usam e mostram um pouco mais (nenhuma piriguete, porém). Em Istambul vi com bastante frequência mulheres com aquela roupa negra que cobre todo o corpo, mas pouco nas outras cidades. Em média, acho até que as mulheres mostram mais pele do que os homens, que só muito raramente usam bermuda, não importa o calor. Na verdade, a maneira mais fácil de localizar um turista na Turquia é pelas bermudas ou por chinelos/sandálias.

   Sem saber muito o que esperar, nos primeiros dias economizei nas camisas de metal e deixei para lá as mais do capeta, mas depois fiquei mais de boa. Porém, percebi várias vezes olhares meio estranhos, geralmente mais de curiosidade/estranhamento do que animosidade em si. Só em um restaurante que comi em Pamukkale a coisa foi mais além, pois os garçons me olhavam com tanta intensidade que quase achei que iam tentar me converter, ou me xavecar.

    Falando em restaurante, o islamismo também esta à mesa. Não existe porco na Turquia. Nem no McDonald’s de uma cidade cosmopolita como Istambul você vai achar uma fatia de bacon no meio do sanduíche. Não é proibido nem nada, mas simplesmente não tem público para isso (e, pelo que li em uma reportagem, rola uma pressão extra-oficial contra os açougues que comercializam porcos). Bebidas alcoólicas você encontra com frequência, mas não consigo lembrar de ter visto algum grupo claramente turco tomando uma gelada em um bar ou na janta. Embora permitido, incide uma pesada taxa sobre o álcool. Só tem uma marca de cerveja comum lá, a Efes, que está em todo lugar, mas não é particularmente boa. Cerveja de barril? Raríssimo, acho que só tomei uma vez.

    Até o café, uma bebida que me parecia tão ligada à região (pô, o nome científico é Coffea arabica!), não é unanimidade. Interessante lembrar que até o café já foi proibido pelo islamismo, por ser considerado intoxicante. Já chá preto, bem forte, eles bebem o tempo todo, do café da manhã até de noite. Não é um costume tão antigo (século XIX, pelo que li), mas se tornou predominante na sociedade. Acho que ainda não falaram para eles que o chá preto tem bastante cafeína também...

    Se não bebem álcool, eles compensam no fumo. Como fumam os turcos! Me pareceu que a maioria dos homens fuma, incluindo os mais novos. Recentemente passou a ser proibido fumar em locais fechados, o que é bem respeitado em Istambul, mas no resto dos lugares nem tanto. Até os motoristas dos ônibus que peguei fumavam enquanto dirigiam. Quem acha que álcool e cigarro estão ligados, tem que dar uma passadinha lá. Cada sociedade com seus costumes, não é?

    Quem acompanhou os textos aqui, viu que eu me estrepei várias vezes por incompetência ou abuso dos turcos. Não são piores que a maioria dos brasileiros em locais como Rio de Janeiro ou Nordeste, por exemplo, sempre prontos para tirar uma vantagem dos turistas incautos. Eles não são desonestos, tenho que deixar claro. Mas são espertos. Se as coisas não estiverem bem claras, tem grande chance de você se dar mal.

E como deixar as coisas claras em um país onde, mesmo nos locais turísticos, o povo não manja de inglês? Foram realmente poucas as vezes em que encontrei garçons ou atendentes de hotel que tivessem sequer um conhecimento superficial da língua. Dificultou várias coisas e, mesmo nos casos em que a comunicação à base de gestos e palavras-chave funciona, é bem chato não poder ter uma conversa de verdade com alguém, ao ver um objeto em um museu, ou pedir mais detalhes sobre um prato no restaurante, e por aí vai. Exceção à regra é Istambul, onde, na parte turística, o pessoal geralmente fala bem inglês.

O país tem muita coisa legal para ver. Para quem curte história, é um prato cheio. Na minha opinião, é o país perfeito para se fazer aqueles mochilões longos, indo para tudo quanto é lugar sem muita preocupação com o tempo. Pois é um país barato. Comida e hospedagem são bem em conta, até nos principais pontos turísticos, e ônibus tem para todo lugar o tempo todo, com preços muito em conta (comparando ao Brasil). Com tempo limitado, se torna mais desafiador, para não se gastar muito tempo em translados, já que avião nem sempre é vantajoso. Veja a viagem que fiz de Pamukkale a Göreme, por exemplo, onde paguei 250 liras (não vou contar o Táxi do Desespero) e gastei cerca de seis a sete horas, pois todos os voos passam por Istambul ou Ancara. Por bem menos liras e dez horas, poderia ter ido de ônibus de uma vez.

A segunda viagem

    Esta viagem foi bem diferente da primeira. Na primeira vez, tudo é novo, estranho, difícil, fascinante. Um prédio velho é uma atração a ser fotografada. Uma peça mais antiga no museu é um achado a ser explorado. Uma máquina de comprar tíquete é um inimigo a ser derrotado.

    Na segunda vez, é mais fácil contextualizar e entender as coisas de uma outra forma. Nem tudo vai ser super-legal, mas você passa a reconhecer o que é super-legal e o que é só mais uma coisa (para o gosto pessoal de cada um, claro). Isso te ajuda a fugir de algumas armadilhas para turistas. Talvez se eu tivesse concluído isso mais cedo, não teria passeado de balão... Mas pelo menos não fui no Grande Bazar!

    Na primeira viagem, tudo deu muito certo. Mas é que ela foi “fácil”. Essa eu já sabia que seria mais complicada e teria mais chance de me meter em fria. Não esperava, logicamente, perder o celular ou afundar na lama. Mas ter que fazer acrobacia para ir de um lugar ao outro ou ter que abrir a mão para se virar em um momento crítico? Mais do que esperado. Na hora, essas coisas me irritaram bastante. Depois, já fica mais forte a lembrança da coisa boa à qual o estresse levou. E o logo o perrengue vira piada.

    A questão de viajar por mais lugares por mais tempo também contribui para cansar mais. Muito tempo de translado, ainda mais viajando sozinho, é foda. Mas, por outro lado, me obrigou a curtir mais intensamente cada lugar que fui. A chegar do aeroporto e já sair para fazer alguma coisa. E, convenhamos: quantas cidades existem onde dá para se gastar vários dias e ainda querer mais, em vez de já pensar na próxima? Toda cidade tem muito mais coisa para ver do que nossa vã rota turística pode imaginar, por certo. Mas, quem está turistando por outro continente, não precisa saber que aquele é o banheiro onde o fundador da cidade teve sua primeira dor de barriga. Muitas cidades tem só uma ou outra coisa interessante, mas é uma baita coisa (tipo Éfeso e Pamukkale. Eu já mandei Ancara tomar no c* hoje?). O pingue-pongue é a alternativa, nesses casos.

    Claro, sempre tem o pacotão. Mas, do alto das minhas centenas de liras gastas à toa, posso dizer: o “ir quando quiser, na hora em que quiser, pelo tempo que quiser” não tem preço. Talvez eu que seja um baita birrento que não aguenta nem acompanhar um guia turístico por meia hora. Mas ainda prefiro viajar por conta própria. Pelo menos até decidir ir para o Oriente Médio, onde eles realmente não gostam de quem usa camisa preta de banda.

Resumo do resumo

Melhor momento: Santorini.

Outros momentos de destaque: Wacken (com chuva ou sol, é o Wacken, porra!), Lübeck, Cidade Medieval de Rodes, Pamukkale, Andança pelos vales de Göreme, Museu de Arqueologia de Istambul... e por aí vai!

Pior momento: sem “menos melhor momento”, desta vez Ancara deu as caras!

Lugares para voltar logo: Grécia (enquanto não tiver conhecido todas as ilhas e todo continente – e voltado em cada um – continuo indo!), Wacken (sempre, né).

Lugares para não voltar tão cedo: as cidadezinhas pequenas que você conhece em um dia, além da Turquia como um todo (ainda falta o roteiro mais litorâneo do Egeu e do Mediterrâneo, mas consigo viver em paz por um bom tempo antes de fazê-lo).

A conta: minha estimativa razoavelmente correta deste ano é de que gastei doze barões. Ano passado foram dez. Considerando que o Euro aumentou uns 15% neste período, até me surpreendi que não tenha sido mais, por ter gasto muito mais com transporte interno (deve ter chego perto de dois mil), a gorda fatia perdida no câmbio e todos os gastos imprevistos. Mas é que a Turquia é bem barata, no fim das contas. Ao torcer o nariz ao ter que gastar acima da média, como 25 liras por um jantar, eu precisava lembrar que apenas um pouco antes estava gastando 15 euros por refeição.

Palavra final: hummmm... já tou sentindo uma coceirinha... será?

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sete dias na Turquia em sete páginas no Word

E acabou a brincadeira de viajante no Nível Fácil. Aqui na Turquia, o negócio passa a ser Nível Médio. Além de tudo ser feito na base do busão e o país ser zoado no estilo brasileiro (e não estou falando do Sul), a barreira da língua é muito complicada. Mas vamos aos fatos.

Parece que faz bem mais de uma semana que saí de Rodes, e não apenas na quarta feira passada pela manhã. Peguei um barco que saiu 10:45 da ilha (não me olhem feio, era o único horário deste dia). Me enrolei primeiro já aí, pois tinha chego um pouco atrasado (o primeiro táxi que chamei não apareceu) e tive que fazer correndo os procedimentos de pegar passagem e carimbar o passaporte para saída do país. Uma hora depois, cheguei em Marmaris, e ali imediatamente o paraíso em que até o gari sabe falar inglês se transformou num inferno de comunicação. Porque os turcos sabem muito pouco da língua, mesmo aqueles responsáveis por hotéis, translados e recepção de turistas, como no porto. Foram alguns minutos até descobrir qual dos vários guichês era para quem estava entrando de vez no país, ou se só deveria sair correndo o mais rápido possível porta afora.

Depois da burocracia acertada, saí do porto mais perdido que o proverbial filho da moça da vida em dia dos pais. Na base do taxi, junto com mais um povo, fui até o terminal de ônibus de Marmaris. Que é só uma praça com guichês (é um balneário sazonal, então dá para entender). Na primeira empresa que fui, fiquei sabendo a duras penas que não tinha ônibus direto para a cidadezinha para onde ia, teria que ir até uma outra e fazer uma baldeação. Ok, e quando era o próximo? “Quatro da tarde”. O relógio marcava 12:20. Perguntei se tinha outra empresa que iria na mesma direção. “Talvez”, me responde o sacana.

Saí dali para o guichê de outra empresa que tinha visto como uma das maiores do país. Ali, o atendente me disse a mesma coisa, mas havia um ônibus saindo em cinco minutos. Paguei (tudo em Euros, numa cotação pra lá de desfavorável) e fui na correria para lá. Ao abrir o envelope que foi me dado para mostrar ao cara do embarque, o bilhete saiu voando para baixo do busão. Ficou uma falação entre os caras e tentei achar o bilhete, que tinha desaparecido ali. Alguns minutos de quase desespero depois, vi um pedaço de papel voando pela praça e corri para pegá-lo. Era o bendito bilhete, com o qual pude embarcar no ônibus.

Depois de uns quinze minutos após ele sair, coloquei a mão no bolso para ver as horas. E cadê meu celular? Revirei minha mochila até o último furico, mas já sabia a resposta. Naquele levanta e abaixa procurando o bilhete sumido, o celular tinha saltado do raso bolso da minha calça, e agora algum turco estava feliz tendo achado um presente no meio da praça. Além da merda de perder o celular, eu estava usando ele como relógio, despertador e rádio na viagem. E, agora, em questão de uma ficada de quatro, tinha perdido tudo. Logo na parte da viagem em que mais precisaria de alguma distração no meio dos longos trechos de busão.

Felizmente, os ônibus da Turquia são estilo avião. As poltronas são apertadas, mas tem serviço de lanche e bebida e uma tevezinha com várias opções de mídia. E, surpreendentemente, este tinha uma seleção muito boa de músicas de rock e metal. Ver as pacíficas cenas de praias, campos e montanhas que a telinha mostrava enquanto ouvia Slayer ajudou a me acalmar.

Depois de três horas e meia, saltei no terminal de Ayden. Fui procurar o local dos mini-ônibus que vão para as cidades próximas e logo achei o que ia para Selçuk (não foi difícil, já que o motorista praticamente pulou em cima de mim oferecendo o transporte). Foi mais uma hora de viagem em um mini-ônibus, ou “dolmus” como chamam aqui, um troço zoado pra caramba em que o motora vai andando devagarzinho por todas as áreas mais ou menos urbanas com a porta aberta e buzinando, avisando até lá na Noruega que estava vindo o expresso para Selçuk.

Finalmente, cheguei ao meu destino, às cinco da tarde. Sempre parece mais quando você pula muito de um transporte para outro, mas no fim tive bastante sorte. As conexões porto-táxi, táxi-ônibus e ônibus-dolmus foram imediatas. Poderia ter perdido bem mais tempo sentado em um banco de praça por aí.

Em Selçuk, meu hotel era providencialmente a 50 m do terminal de ônibus. Era bem meia boca, mas só ia ficar uma noite ali mesmo. Minhas principais preocupações era arranjar um relógio e trocar meus Euros por Liras Turcas. O relógio achei logo (na verdade comprei até dois, primeiro um de pulso, depois fiquei com medo dele não conseguir me acordar e comprei outro de mesa). O banco para fazer a troca já estava fechado. Só procurei um lugar para fazer minha única refeição do dia e fui dormir, pois teria apenas parte do outro dia para explorar o motivo da minha ida até ali.

Selçuk (Éfeso)


    Acordei cedo na quinta e primeiro fui ao banco trocar meu dinheiro. Perdi quase 20% da grana, por ter sacado a maior parte da grana em Santorini e pela lira ter valorizado, pois tinha comprado os euros por cerca de R$ 2,60 em um momento em que a lira valia R$ 1,04. E agora, mesmo em um banco, estava vendendo cada um por 2,20 liras.

    Dali, peguei um dolmus que ia até Éfeso. Na verdade, o sítio é bem próximo do centro da vila, algo como três quilômetros, mas preferi ganhar alguns minutos de ônibus, e já estava quente mesmo naquela hora, quinze para as dez da manhã.

    Éfeso é uma das maiores cidades antigas em ruínas do Ocidente. Foi uma cidade muito importante durante o período helenístico e romano, o que a fez crescer até ter uma população de 200 mil habitantes e depois entrar em decadência. Ficou para trás um dos poucos lugares onde você consegue realmente entender como era a organização de uma cidade antiga. A cidade foi reformulada na época romana, o que deixou os setores bem definidos e fáceis de localizar. O sítio também dá uma liberdade considerável para andar, mesmo entre e dentro das ruínas, estando fechados só alguns pontos em restauração ou escavações recentes. Como não tinha o básico folder com mapa, comprei um guia, mas nem precisava, pois há boa quantia de placas explicativas.

    O sítio também é um dos locais mais visitados da Turquia do Egeu, o que significa que havia pencas de pessoas e grupos de visitas guiados por lá. Mas, como tudo é bem grande e afastado, apenas em alguns momentos as coisas ficaram meio apertadas. Tem árvores e sombras o suficiente por lá para sobreviver, mas o sol torrando na cabeça e a falta de vento dobrou o esforço da visita.

    Gastei duas horas e uns quebrados ali antes de retornar a Selçuk para almoçar e usar o resto das horas para visitar o Museu de Éfeso. O Google Maps me pregou uma peça e me mandou caminhar até a favela de Selçuk em busca do Museu, quando na verdade ele era literalmente do lado de onde eu tinha almoçado. Mas ainda deu tempo de gastar uma hora ali. O salão mais legal é aquele que reúne algumas peças retiradas do Templo de Ártemis, uma das Sete Maravilhas do Mundo, que foi abaixo quando a cristandade assumiu o poder em Roma e agora jaz em uma área submersa. Por mais que todos saibam que a lista das sete maravilhas não seja de modo algum bem escolhida ou representativa da Antiguidade, é um sentimento diferente ter contato com elas, ou os pedaços que sobraram (melhor que o Colosso de Rodes, do qual nada sobrou para contar a história).

    Quatro e meia minha jornada de um dia em Selçuk terminou. Peguei um ônibus que ia direto até Pamukkale, minha próxima parada. Só que este não tinha muitas músicas legais. O jeito foi usar o netbook como mp3 player nas outras três horas e meia até lá.

Pamukkale

    Na chegada à Pamukkale, um vilarejo 30 km a norte da principal cidade da região (Denizli), já foi possível dar de cara com a principal (na verdade, única) atração do local. Mas após o bom e cansativo dia em Selçuk, só queria chegar no hotel e descansar. Fui ajudado nesta tarefa por um turco sacana que me mandou para o lado errado quando pedi informação sobre o hotel. Mais uma caminhada desnecessária até chegar lá para um banho de meia hora e um sono de várias horas. Pelo menos o hotel era bem mais confortável desta vez.

    Como teria o dia todo ali, não me apressei e levantei um pouco mais tarde, tomei um café da manhã reforçado e enrolei um pouco até sair onze horas do hotel. A localização dele era perfeita, pois foi só atravessar a rua para estar na entrada de Hierápolis e seus terraços de travertino (não me pergunte o que é um travertino, porém).

    A paisagem ali é uma que não se vê todo o dia. Ali flui uma grande quantidade de águas termais carregadas de carbonato de cálcio. Ao escorrerem pelos penhascos durante eras geológicas, o material foi sendo depositado em camadas endurecidas pelo tempo, formando paredões de rocha sedimentar perfeitamente branca. O fluxo de água foi controlado há muito tempo pelos humanos para preservar os terraços em uns pontos e criar piscinas artificiais em outros.

    Assim, entrei pelo portão central, onde deve-se subir descalço por um caminho em meio as terraços, por onde corre água o tempo todo e onde foram construídas várias piscinas rasas nas quais a galera se diverte. Após a subida, cheguei ao grande planalto onde outrora existia a cidade helenística/romana de Hierápolis. Desde aquela época as pessoas achavam que as águas da região teriam propriedades especiais, portanto, o local era um centro de cura. A propaganda é de que elas podem curar de tudo: doenças do coração, pressão alta, gastrite e bronquite crônica, inflamação nos rins, reabilitação de cirurgias ortopédicas, “doenças catarrais to trato respiratório superior”, constipação (!), obesidade (!!), mal olhado, despacho de macumba e dor de cotovelo (tá, essas eu que inventei). Porém, para desagrado do pessoal da medicina alternativa contemporânea, parece que a coisa não dava muito certo, pois a cidade antiga é dominada por um dos maiores cemitérios ainda preservados da Antiguidade, o que foi o principal motivo para ela virar Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco.

    Comecei o passeio pelas ruínas. A cidade em si não ficou muito preservada, mas a necrópole é muito legal, com seus sarcófagos e tumbas monumentais. Se Éfeso permitia movimento quase ilimitado, aqui a liberdade é total, seja pela ausência de cordinhas ou de alguém olhando. Dá até para entrar nas antigas tumbas (mas os itens de interesse arqueológico dentro deles já foram retirados, é claro). Não sei o quanto isso é bom em longo prazo para a arqueologia, mas as escavações no local já estão bem completas, e em curto prazo para um visitante curioso é demais.

    Perambulei por ali por duas horas e meia, então voltei à parte mais central do sítio, onde há um museu, cafés e um complexo em torno da “Piscina Sagrada”. Essa piscina de águas quentes existe desde a Antiguidade, sendo consagrada a Apolo, e era onde a galerinha esperançosa tomava seu banho antes de ser despachada para a necrópole. Ainda é possível nadar ali, mas o povo aglomerado, a água quente e o preço superfaturado de 30 liras me fez preferir tomar banho com o povão nos terraços. Depois de devidamente molhado e coberto de carbonato de cálcio, voltei à Piscina Sagrada para comer e ficar relaxando uma horinha em uma espreguiçadeira. Três e meia saí novamente para andar por outro trecho das ruínas, que inclui um enorme e bem preservado teatro e uma construção cristã erguida onde, diz a lenda, foi assassinado o apóstolo Felipe.

Estava mais quente agora do que meio dia, então depois de mais uma hora encerrei a andança. Passei rapidamente no museu, mergulhei mais uma vez na água e voltei ao hotel. Jantei cedo e fui deitar dez e meia. Se este dia tinha sido ótimo, o outro, de cara, começou com estresse.

Cinco e meia tive que levantar para pegar o transporte para o aeroporto, pois o voo era 8:45 e Pamukkale fica a 90 km dele. No dia anterior, o atendente do hotel tinha, em teoria, reservado um lugar para mim em um ônibus que saía 6:15. Seis da manhã lá estava eu, esperando. Não tinha ninguém na recepção do hotel, nem para eu fazer o check out e pagar. Deixei a chave e o dinheiro na bancada da recepção. Começou a passar o tempo e eu comecei a me preocupar. Seis e meia apareceu a senhora que fazia o café da manhã, mas tudo o que consegui na minha tentativa de comunicação foi que ela acordasse alguém da recepção. Paguei para o atendente com cara de sono (que não era o mesmo do dia anterior) e perguntei da demora no transporte. “Eles estão passando nos outros hotéis”, ele me respondeu e foi dormir de novo. Fiquei ali esperando mais um tempo e vi que não ia rolar. Saí correndo para o local de onde saíam e chegavam os ônibus, tentando perguntar se sairia algum para o aeroporto, mas novamente a língua foi um entrave.

Fui salvo (de certa maneira) por um gurizão que sabia falar inglês e estava ali por perto. Eu sabia que não daria mais para usar o ônibus, pois eles não vão direto ao aeroporto, ainda fazem uma baldeação em Denzili. O jeito era ir de táxi, pagando caro. Cometi o erro de falar para o guri o valor do táxi que o atendente do hotel tinha me falando no dia anterior, 120 liras. Ele fez uma careta e falou que era mais caro. Por 150 dava para arranjar. Àquela altura eu não tinha muita escolha e aceitei. Foi o pai dele que me levou, ambos muito sorridentes e simpáticos ao empurrar a faca nas minhas costas. Saímos sete e vinte de Pamukkale e o tiozinho ao menos meteu o pé no fundo. Chegamos lá 8:15, apenas meia hora antes da decolagem. Mas como é um aeroporto pequeno e só tinha aquele voo no dia, ninguém encrencou.

Fora este problema no final, o dia gasto em Pamukkale foi demais. O sítio, para mim, é perfeito, porque une paisagem, diversão aquática e ruínas milenares. Só faltava um roquenrôu, cerveja liberada e strippers-ninfas dançando sobre as colunas (Pamukkale Open Air? Eu apoio!). Mesmo sem isso, tem tudo para agradar qualquer pessoa que resolva passar por lá.

Alguns podem se perguntar se vale a pena o tempo e esforço gasto nestes dias para ver relativamente pouca coisa. Teria sido até muito mais simples, na verdade, ter ido de Rodes direto para a Capadócia. Mas na Turquia é assim, os pontos de interesse são distantes uns dos outros. Não é tão fácil estabelecer uma base e ter tudo ao alcance. Éfeso dá para combar com uma estadia mais longa no litoral do Egeu e é o que a maioria do pessoal lá estava fazendo, eu acho. Mas, para Pamukkale, tem que se meter mesmo lá para o interior em busca de algo que se vê em um dia. Mas é uma coisa muito única. Então, mesmo pensando que talvez tenha modos mais fáceis de fazer isso (pacote turístico?), a resposta é sim, vale a pena.

Göreme (Capadócia)


    Depois do vôo ter ido até Istambul para depois voltar ao leste, cheguei em Kayseri, a maior cidade da Capadócia, uma e meia da tarde. Ali já tinha um transporte arranjado pelo dono do meu hotel, que levou algumas pessoas até a vila de Göreme. Lá, fui bem recebido pelo dono, Mustafa, que também me arranjou todos os passeios daqueles dias. Nada como um pouco de moleza depois da correria dos dias anteriores!

    A primeira coisa que iria fazer seria o clássico passeio de balão, que todo mundo faz e é bem famoso na região. Mustafa me disse o preço: duzentos e noventa liras. Meu coração parou por um instante, mas eu tinha recebido dicas de amigos para não perder aquela experiência única, então dei adeus às notas. Quando ele falou “às cinco está bom?”, pensei “por que tão tarde?”. Só que eu estava pensando no cinco errado. Era cinco da manhã. “Por que tão cedo?”, choraminguei. “Oh, todos fazem cedo, com o sol nascendo fica muito bonito”, ele tentou me consolar. Isso pôs para escanteio qualquer possibilidade de fazer algo naquele dia. Só jantei cedo em um restaurante próximo e fui deitar nove da noite.

    Levantei quatro e meia, nem de longe recuperado. A companhia turística passou com o mini-ônibus recolhendo os infelizes zumbis e os levando até um campo onde dezenas de balões de várias empresas se preparavam para subir. Como chegamos atrasados, nem deu para tomar o cafezinho servido lá, tive que correr direto para o balão. No cesto, eu, o balonista, que falava um bom inglês, um turco, que não falava, e dez italianos, que falavam horrores. O céu já estava claro, embora o sol ainda não fosse visível, e estava frio (Göreme fica a mais de mil metros de altitude, é frio de noite mesmo no verão). Com frio de na frente do corpo e as costas assando com o fogo do balão, não é à toa que apareceu um resfriado alguns dias depois.

    Logo o balão começou a subir. Os movimentos são bem leves e não se sente nenhum impacto, só quando ele muda de altitude e de camada de ar que aparece um ventinho. Tão suave e tão lenta é a parada que se torna tediosa. Sério, a paisagem é bonita e é interessante que o cara consiga manobrar um troço daquele tamanho com tamanha precisão (de centímetros, às vezes se aproximando bastante das rochas). Mas o passeio é chato, simples assim. O cara aponta um lugar e diz “agora vamos até aquele vale” e quando chega lá você já está pensando na morte da bezerra ou dormindo. Depois de uma hora e alguns minutos disso, ele desce e temos um breve momento de emoção na hora que o cesto acerta o chão. Daí rola uma frescurinha com uma garrafa de champanhe e aparece uma caixa de gorjeta escrita “por favor, assine aqui seu atestado de otário nos dando mais alguns trocados”.

    Absurdamente caro, sem muita graça e te faz madrugar e ficar meio quebrado o dia todo. Passeio de balão na Capadócia = furada. Esta é a minha dica de viagem para vocês.

    Depois disso, voltei ao hotel, pegando o café da manhã às oito. Comi bastante e joguei muito café pela goela, mas ainda assim enrolei até finalmente sair para ir até o Museu Ao Céu Aberto de Göreme, pouco antes das onze. O museu é uma das principais atrações do local, mas, quando estava indo para lá, passei ao lado de um vale com o início de uma das várias trilhas para caminhada pelas formações rochosas que tem por lá. Pensando em ir só um pouquinho naquela hora, acabei embarcando em uma caminhada de várias horas. E aí senti de verdade a Capadócia.

    Todo o lugar parece saído de outro planeta. É uma região que tinha intensa atividade vulcânica até alguns milênios atrás. A cinza despejada pelos vulcões se sedimentou em uma rocha macia chamada tufa, que parece um pouco com arenito, e é facilmente erodida pelo clima. Isto forma as “chaminés de fadas”, as formações cônicas que são a marca registrada de lá. Onde a tufa foi coberta por basalto vulcânico posteriormente, a rocha macia vai sendo erodida por baixo e fica um “chapéu” de basalto no topo. O nome mais adequado talvez fosse “cabeça”, pois o aspecto, na real, fica mais parecido com algo que vocês podem imaginar. Mas vamos ficar com chapéus e chaminés que é melhor...

    Como a rocha é fácil de ser escavada, desde muito tempo as populações humanas que vivem ali têm feito suas casas dentro das rochas. Então, quando você anda pelos vales, se depara o tempo todo com janelas, portas, aposentos e corredores do que um dia já foram habitações, agora expostas ao ambiente depois de terem as paredes erodidas. Inclusive, é possível trombar com igrejas em ruínas, algumas com restos de pinturas rabiscadas pelo pessoal legal que quer deixar seu nomezinho ali (as bem preservadas estão protegidas pelo Museu, como falo depois). Mesmo cruzando ocasionalmente com outros turistas, é muito fácil se imaginar como um astronauta descendo em um planeta deserto, explorando pela primeira vez os resquícios de uma antiga e misteriosa civilização já extinta. A paisagem um pouco desolada, com arbustos e algumas árvores retorcidas nascendo no meio da rocha/areia predominantemente nua, só contribui para a sensação.

    Fiz uma caminhada de mais de três horas por ali, me perdendo pelas trilhas estreitas, fuçando as cavernas escuras e beliscando uvas verdes das vinhas plantadas nos vales. Em um momento, quando já estava voltando, com fome, sede e torrado pelo sol, vi um caminho que levava a um lugar particularmente alto. Mesmo cansado, tive ânimo para subir e fui recompensando por uma vista maravilhosa e um bufê completo: uma macieira carregada, vinhas de uvas roxas e até arbustos com amêndoas. Destas últimas, só mordi uma e cuspi longe, pois era amarga. O que foi uma boa idéia, pois a variedade selvagem, que é amarga, é venenosa e um punhado pode matar o coitado que ignorar o sabor ruim.

    Era duas e meia quando cheguei ao museu. Fiz uma pausa para assassinar meu almoço natureba com uma pizza turca cheia de gordura e entrei. O museu nada mais é do que um trecho das formações rochosas que tem uma grande concentração de igrejas e antigos monastérios em uma pequena área. Ali, os afrescos feitos entre os séculos X e XI foram preservados e/ou restaurados, o que fez o local também virar Patrimônio Cultural (e também Natural) da Humanidade pela UNESCO. Só que as igrejinhas são pequenas e apertadas e tinha gente a dar com os pés por lá. E muitas das cavernas que tinham as partes administrativas dos monastérios possuem a boa e velha cordinha ou porta fechando a passagem. Depois de toda aquela andança livre e sossegada pelos vales, o museu em si perdeu grande parte da graça, e me apertei no meio do povo dentro das igrejas mais para cumprir tabela.

    Fiquei pouco mais de uma hora por lá, brincando de pique-esconde com os grupos de visita guiados, antes de voltar ao hotel, tomar um bom banho, jantar e dormir cedo de novo, pois tinha sido um longo dia.

    No dia seguinte, levantei as oito para tomar o café e logo embarcar em um tour guiado de um dia passando por diversos pontos legais da Capadócia. Mesmo sempre preferindo ir por minha conta, ali é complicado, pois as coisas não são próximas e o sistema de transporte não é exatamente alemão.

    Iríamos começar a visita pelo ponto que eu mais queria ver, a cidade subterrânea de Derinkuyu, mas o lugar estava bem socado, então fomos primeiro no cânion de Ihlara. Este é o segundo maior do mundo e também é feito de tufa e basalto. As casas nas rochas estão por todo o lugar e há algumas igrejas com afrescos também, menos preservadas, mas alguns séculos mais antigas que as do museu. Como o grupo andava lentamente, combinei com o guia um ponto de encontro mais adiante e saí a explorar os cantos e a bela paisagem do lugar. Cerca de uma hora depois, me juntei ao grupo em um restaurante no cânion, onde almoçamos.

    O segundo ponto de parada foi em um dos maiores monastérios escavados na rocha da região. Ali nada mais tinha do que salas e corredores por vários andares rocha acima, Mas não é preciso mais que isso para divertir Félix, quando ele pode andar por tudo livremente. Só que ficamos um tempo muito curto ali, apenas uns vinte minutos, antes de voltarmos a Derinkuyu, meu quarto Patrimônio Cultural da Humanidade em uma semana.

    Lá, a cidade subterrânea já estava mais tranquila (mas ainda movimentada) e pudemos entrar. Nosso guia nos levou por parte do complexo, que possui mais de trinta níveis, embora apenas os oito superiores estejam abertos para visitação. Os primeiros níveis foram escavados já pelos hititas, no segundo milênio a.C., e depois a dungeon... ahn... a cidade foi ampliada por frígios, lícios, romanos e bizantinos. É um lugar grande, mas não era usado como moradia permanente da galera, só como refúgio em épocas de guerra. Alguns corredores são bem pequenos, nos quais eu mal conseguia passar agachado, mas não é um ambiente particularmente claustrofóbico. Novamente, pena que ficamos apenas 45 minutos por ali, pois eu poderia
ficar correndo de um canto escuro a outro por bem mais tempo.

    Depois disso, voltamos a Göreme, cinco e meia da tarde. Como disse antes, o passeio é uma forma de ver várias coisas em um tempo limitado. Mesmo assim, as distâncias fizeram com que ficássemos tanto tempo no ônibus como nos lugares em si, durante as oito horas do passeio. E, por apenas 90 liras, incluindo as entradas e almoço, valeu muito a pena. A alternativa ideal, claro, seria um carro alugado e mais um dia na Capadócia, para poder aproveitar 100% os locais visitados.

    No dia seguinte, apenas acordei mais tarde e fui pegar o ônibus para Ancara ao meio dia. Ainda tive uma boa dose de perrengues turcos para chegar, mas isso fica para outra hora. Por enquanto, concluo dizendo que a Capadócia é fantástica. Tive dois dias inteiros para explorá-la, mas ficaria fácil mais um ou dois. Göreme é o lugar para ficar, pois tem muitos hotéis e tudo mais o que um turista pode precisar. Creio que os outros vilarejos tenham menos opções, e ficar na cidade grande mais próxima (Nevsehir) não dá a liberdade de simplesmente botar o pé para fora do hotel e sair andando no meio das formações rochosas. Só um detalhe: ao contrário de todos os locais que eu tinha passado até agora na viagem, a Capadócia parece ser uma escolha melhor fora da alta temporada. Corredores estreitos e aposentos apertados são parte do seu charme. Cabeças na sua frente e sovacos suados, não.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Santorini Blues e o Colosso (que é osso) de Rodes

A jornada grega novamente se encerrou. E novamente fico com vontade de voltar em breve. Este país é muito foda, pelo menos para turistas que só precisam curtir. Realmente, continuei vendo vários lugares falidos e várias criancinhas com sanfonas pedindo dinheiro na rua ou no metrô. Mas, nas ilhas (ou em algumas delas, ao menos) a vida parece seguir de boa. E é isso que nos interessa agora, vamos lá.

Santorini

    Depois de todo rolo anterior, cheguei em Santorini 19:15. Com a mala estragada, peguei um táxi mesmo para o hotel. Bom que a praia onde fiquei, Kamari, é a mais próxima dele, e dez minutos e 15 euros depois, cheguei lá. Era um hotel no estilo dos vários que tem ali, pequeno, mas muito aconchegante (por algum motivo eles chamam essas coisas lá de “studios”... mas é como uma pousada normal). Larguei minhas tralhas, tomei um longo banho e comecei a dissipar o estresse, que evaporou de vez logo depois, quando caminhei menos de 100 metros para estar na beira da praia. Sentei em um dos vários restaurantes no calçadão e pude curtir o polvo grelhado que tinha ficado na minha cabeça desde o ano passado.

    Na volta, passei em uma agência turística que foi extremamente útil naqueles dias, pois dava informações e arranjava todo tipo de excursão pela ilha. Em uma conversa com o dono do hotel depois, acabou meu receio de que tudo seria muito corrido por lá. Porque, pelas informações que eu tinha, os sítios e museus todos estavam naquele esquema de fechar no começo ou final da tarde. Mas, na realidade, as horas eram mais flexíveis, os fechamentos variando entre três e cinco da tarde.

    Fui dormir o mais cedo que deu para acordar oito horas na sexta e pegar o primeiro ônibus que subia até o sítio de Thera Antiga, bem do lado de onde eu estava. Só que tem uma subidinha cabreira que não valia o esforço e o tempo. É um dos sítios mais legais que já visitei, principalmente pela localização. Trata-se de um conjunto de dois dos mais altos morros da ilha. No mais alto, no qual não fui, tem um velho monastério cristão de onde dá para ver toda Santorini (porque é pequena, você vê água o tempo todo e tem realmente a impressão de estar numa ilha). No topo do segundo, à beira do mar, se espalha a antiga cidade grega/romana. Os restos de casas e templos se amontoam no meio das pedras e se penduram vertiginosamente na beira do morro. Fico imaginando no que os fundadores da cidade pensavam. Por mais segura que fosse a localização (e maravilhosa a paisagem), valia a pena o esforço diário de subir e descer todo o caminho para fazer qualquer coisa nas planícies ou no mar, 350 metros lá embaixo? Quem não reclama são os inúmeros lagartinhos que correm felizes da vida pelas antigas construções. Tentei várias vezes pegar um, sem sucesso. Capturar um lagarto preguiçoso que se enterra na areia é bem diferente de um superativo que se enfia nas frestas das rochas...

    Depois de duas horas ali, desci novamente com o ônibus, meio dia. Na agência, descobri uma excursão de barco que saía da principal vila da ilha, Firá, passava por alguns pontos turísticos marinhos e terminava com o famoso pôr-do-sol grego visto do mar. O barco saía do porto 15:30, o que me dava um tempo bem satisfatório para dar uma olhada em Firá e seus museus. Só dei um pulo no hotel para trocar o tênis pela Havaianas e peguei o ônibus para lá. Ao chegar, comi um fast-food grego à base de souvalaki (espetinho de carne de ovelha) e pita de gyros (um pão grego enrolado e recheado com batata, salada e gyros – o famigerado churrasquinho grego, aquela montanha de carne que fica girando em um espeto vertical) e fugi do calor no Museu da Pré-História de Firá.

    O nome do museu é enganador, pois o que tem ali são coisas do período histórico, mais precisamente os achados de Akrotiri, o sítio minóico no sul da ilha que foi destruído pela grande erupção do século XVII a.C. Semelhante à Pompéia italiana, vários objetos (mas nenhum corpo) permaneceram preservados sob a cinza vulcânica, incluindo alguns afrescos impressionantes. O museu é novo e pequeno, mas legal de visitar e deu água na boca para visitar Akrotiri in situ no outro dia.

    Saindo dali, dei uma caminhada rápida por Firá, aproveitando para ter as primeiras visões da paisagem bizarra e magnífica que o estouro do vulcão deixou para trás. Esta erupção, uma das maiores registradas no período histórco, botou todo Mediterrâneo para dançar e, suspeita-se, foi o golpe que botou abaixo de vez a civilização minóica. Como 3700 anos é um nada em termos geológicos, os penhascos formados no evento estão ali e o intemperismo não teve tempo de apagar a assinatura das camadas geológicas nele. É perfeitamente possível ver a camada original, a camada formada pela erupção, e aquelas mais antigas de eventos geológicos anteriores. É como ver um bolo cortado, só que do tamanho de uma ilha.

    A minha passada no outro museu, o Arqueológico, que tem os achados de Thera Antiga e outros sítios da ilha, durou menos de 15 minutos, porque é um troço minúsculo e sem graça para caramba. Preferi ir direto para a longa descida de 600 degraus que leva de Firá até o pequeno porto na base do penhasco, de onde saem os barcos turísticos. O caminho também pode ser feito de bondinho (que tinha uma fila gigante) ou de burro, mas me deu pena dos bichinhos tendo que subir e descer os degraus o tempo todo com turistas nas costas.

   Do porto, saí com o barco (tamanho médio, como aqueles que fazem os passeios dos piratas em Porto Belo) e uma penca de turistas em direção ao vulcão (sim, isso mesmo), no meio do semicírculo formado pelas ilhas maiores. Pudemos ficar uma hora e meia na ilhota, que é um deserto de pedras vulcânicas e crateras, com pouquíssima vida animal ou vegetal se instalando nos redutos mais protegidos. O vulcão ainda está ativo, tendo ocorrido bastante atividade na primeira metade do século XX, mas desde lá está quieto. O único sinal são algumas fumarolas esverdeadas soltando um pouco de fumaça e cheirando a enxofre.

    Dali, o barco partiu para uma pequena enseada em outra ilhota que, pelo que entendi, tem água aquecida por influência vulcânica. Ali a galera pôde pular do barco, e realmente tinha alguns pontos de água mais quente (que, espero, fossem relacionados a vulcões e não a pessoas se aliviando).

    Depois, o barco foi costeando as ilhas e a cratera por um bom tempo, até parar em um ponto da baía do qual se pode ver o sol mergulhar no mar em um dia totalmente limpo. No nosso caso, tinha um pouco de névoa no horizonte, então ele se escondeu um pouquinho antes, mas foi bonito do mesmo jeito. Nos minutos derradeiros, com o sol ficando muito vermelho e sumindo rapidamente, gravei tudo... na minha mente, porque não apertei direito o botão da máquina e ela não iniciou a gravação. Mas tudo bem. Com uma salva de palmas e um buzinaço na orelha, o barco voltou ao porto, passando das oito e meia. O passeio valeu muito a pena, tendo durado mais de cinco horas e custado só 25 euros.

    Voltando de ônibus a Kamari, fui direto jantar (frutos do mar na praia, é claro) e voltei ao hotel depois das dez. Foi um dia maravilhosamente bem aproveitado, o melhor do passeio até aquele momento.

    Depois de curtir a vida adoidado na sexta, engatei a marcha lenta no sábado. Só dez da manhã peguei os ônibus para chegar a Akrotiri. Até tinha excursão para aquele lugar, mas a ilha é pequena (pouco mais de 20 quilômetros de ponta a ponta) e tem um sistema de ônibus eficiente para seu tamanho. E pouca coisa é melhor do que o bom e velho “vou quando quiser, volto quando quiser” que as agências de turismo odeiam.

    Ali, no sul da ilha, visitei Akrotiri, que tem como característica chamativa ser um sítio totalmente coberto, para proteger as escavações em andamento. Esta cobertura é a mesma que, em 2005, desabou logo após ser concluída e matou um visitante, o que fez o local fechar e só reabrir em abril deste ano. Agora, a cobertura parece bem firme, e deu para caminhar de boa pelas passarelas que foram montadas entre as construções milenares.

Como falei de Knossos, no ano passado, é preciso ter uma atitude diferente ao visitar um lugar desses. Não existem restos de grandes templos, colunas caídas e pedaços de colossais estátuas de mármore espalhados pelo chão. Nada aqui vai impressionar pela força bruta ou pelo tamanho do documento. Estamos falando de um tempo muito antigo, mais de mil anos antes do comecinho daquilo que conhecemos como Antiguidade Clássica. É o tempo em que as civilizações estavam nascendo na Europa, quando um aglomerado de casas de um ou dois andares constituía uma organização de fazer inveja a qualquer tribo espalhada pelo resto do continente. Ao mesmo tempo, reparamos como algumas coisas já faziam parte da civilização desde seus primórdios: o comércio com regiões distantes; a tentativa de representar o mundo pela arte em vasos, afrescos e estatuetas; os modismos e padrões estabelecidos; a diferença entre classes sociais.

    É essa diferença de atitude que faz algumas pessoas ficarem um pouco decepcionadas e passarem atropeladas por certos locais importantes mais pelo seu significado do que por sua aparência. Enquanto outras tentam buscar os detalhes e os sentimentos evocados pela contextualização do que está lá. Mesmo para as segundas, porém, o aproveitamento da visita a Akrotiri é prejudicado pela pouca informação disponível, em forma de cartazes ou folders, para explicar o que está lá. Eles até pedem a compreensão das pessoas em letras garrafais pela falta de explicações, pois é um sítio em pleno trabalho de descoberta. Talvez, neste lugar em especial, valeria a pena ter superado a minha ojeriza por visitas guiadas, pois peguei de soslaio o comecinho de uma e o guia parecia ter bastante informação para passar.

    Depois de uma hora e meia ali, saí para andar pelas redondezas, que conta com uma baía protegida com vários barquinhos de pesca artesanais e uma meia dúzia de tavernas. Um pouco mais adiante, a Praia Vermelha, uma pequena praia de areia no sopé de um penhasco, que me pareceu bem disputada pela gurizada. Como não estava preparado para pegar praia, tirei umas fotos, almocei em uma taberna na baía e voltei para Kamari.

    Ali, dei um tempo na correria e fiquei morgando no ar condicionado do confortável quarto do hotel até a hora da final do futebol olímpico. O canal em italiano saiu do ar bem na hora do jogo, então o jeito foi assistir em alemão. Depois do fiasco que todos viram, saí para dar uma andada curta pela própria Kamari, que é uma das praias mais populares de lá. A praia é de pedras, como muitas na Grécia, em vez de areia, então não dá para dar aquelas longas caminhadas que a gente faz no Brasil (só se for pelos calçadões). Jantei durante o pôr do sol (que não é visível daquele lado da ilha) e voltei ao hotel. Aproveitei que tinha que estar no aeroporto só onze da manhã do outro dia para dar uma esticada a mais no sono. Pois em Rodes as coisas seriam mais corridas.

    Sem delongas: Santorini é do caralho. As paisagens são maravilhosas, a história é rica e os vilarejos são agradáveis. Ali impera um clima bem praiano, como no verão brasileiro, com tudo disponível e aberto desde a manhã até tarde da noite. Uma coisa particularmente me surpreendeu: eu imaginava que a pequena ilha que é atração mundialmente conhecida estaria atulhada de gente no início de agosto, pico da temporada. Mas estava tudo muito tranquilo. Com gente, claro, mas em momento algum me incomodei com ônibus socado, fila e gente empilhada nas atrações principais ou necessidade de reservar lugar/passagem com antecedência. Perguntei para o taxista quando cheguei se a ilha estava cheia e ele disse que “não muito, talvez 75%”. Entretanto, mesmo colocando mais 25% na história as coisas não teriam ficado desconfortáveis. Claro, posso ter dado sorte de ter ido relativamente cedo nos sítios e não ter me hospedado em Firá, onde as coisas parecem mais agitadas. Mas, definitivamente, não chega nem perto da loucura que é a alta temporada no litoral do Brasil.

Rodes

    No domingo peguei o avião para Rodes. Que, na verdade, voltava até Atenas e depois ia para lá. Cheguei três e alguma coisa, sem muita idéia de como chegar no meu hotel. Mas pegando o primeiro ônibus que vi pela frente e saltando em algum lugar que parecia ser o certo, dei de cara imediatamente com ele. O melhor que fiquei até agora na viagem, pois era bem confortável, estava a 30 metros da praia e meu quarto tinha sacada com vista para o mar absurdamente azul do Mediterrâneo. Também estava na própria Cidade de Rodes, principal local da ilha, no extremo norte desta.

    Para aproveitar algo do dia, logo saí do hotel e dei uma caminhada pela praia e costão, parando para um banho de mar na volta. Novamente uma praia de pedra, onde você consegue andar apenas alguns metros dentro da água antes do chão ir lá para baixo. Mas, mesmo não sendo uma praia de baía, as ondas e correntes não são fortes, e a água é realmente morna (nem refresca no calor, para ser sincero). Deve ser a proximidade com a Turquia, que dava para ver ao longe. Com mais um básico jantar à beira mar, dei este dia como encerrado. Porque precisava acordar cedo no seguinte.

    Tive alguns problemas nos dois dias efetivos que tive para explorar Rodes. Para começar, peguei uma segunda feira logo de cara, o dia em que os gregos, já não muito fãs de trabalhar, resolvem fechar a maioria das coisas turísticas ou fazer um horário reduzido. A segunda foi que o transporte aqui não é nada eficiente. A ilha tem uma área três vezes maior que Florianópolis, mas apenas cento e poucos mil habitantes. Assim, muitos locais de interesse estão bem longe e há poucos horários de ônibus. Não é a toa que as locadoras de carro proliferam aqui. É o único jeito de fazer um tempo limitado render, pena que só percebi isso tarde demais.

    Então, principalmente devidos aos horários/dias de fechamento, comecei com o sítio arqueológico mais famoso da ilha, a Acrópole de Lindos, que foi um dos santuários mais importantes da Grécia antiga. O vilarejo fica bem afastado para o sul, então encarei uma hora e quinze de busão até chegar lá, pouco antes das onze horas. Temendo a invasão de turistas que o meu guia de viagem alertou, fui direto à acrópole, que realmente é um lugar a ser visitado. Achei legal porque ele permite uma circulação até que bem livre, embora, como o esperado, não tenha muito das coisas antigas de pé, e o que está de pé é resultado de restauração.

   Fiquei uma hora e meia por lá. Na volta, já percebi uma maior quantidade de gente chegando, então fiz bem em chegar “cedo”. Olhei os horários de ônibus e vi que teria um de volta às 13:00 e outro só 14:30. Decidi pegar o primeiro mesmo, sem nem andar mais pela vila e pela praia. Na volta, o ônibus se transformou em um verdadeiro pinga-pinga, levando mais uma hora e quinze para retornar. Saldo total: duas horas e meia de translado para duas horas em Lindos. Por mais que a acrópole seja um ponto imperdível, é bom ir preparado para passar o dia lá e fazer a viagem valer a pena.

    Preferi estar de volta mais cedo e pegar praia na frente do hotel mesmo. Somei a isso algum tempo tomando uma gelada no bar do hotel e morgando, e fui para outro ponto escolhido por ser o único que fica aberto até de noite todos os dias, o Aquário de Rodes. Me atraiu a propaganda do guia de que é o aquário mais importante da Grécia. Bem, isso não quer dizer que seja melhor do que qualquer um na Alemanha. Não é particularmente grande ou contém coisas de outro mundo. Ainda assim, curti, porque eram bichos, e tinha alguns que eu nunca tinha visto (os invertebrados sendo mais legais que os peixes).

    Sem mais nada aberto para ver, pensei no que fazer no próximo dia. Tinha três coisas que queria muito ver ainda. Os sítios das duas outras cidades da Grécia arcaica, Kameiros e Ialyssos (que, junto com Lindos, se uniram no final do século V a.C. para formar a cidade de Rodes), e, claro, a cidade medieval de Rodes. Pelo que eu sabia, Kameiros é mais legal que Ialyssos, só que era tão longe quanto Lindos e com apenas dois horários de ônibus para lá (!). Para ver tudo, só se alugasse um carro, mas mesmo assim ficaria corrido. Então desencanei de Kameiros e decidi dar uma passada em Ialyssos na manhã e depois ir para a cidade medieval.

    Só que, pegando o busão, fiz uma baita confusão na hora de saltar, parando em um ponto bem distante do sítio. Teria que esperar pelo próximo, só meia hora depois. Daí desencanei e fui direto pegar um que voltasse à cidade. Ainda teria uma boa dose de sítios (e bem mais importantes) na Turquia, então não seria uma perda tão grande.

   Tendo perdido 45 minutos nesta história, era apenas onze da manhã quando cheguei na cidade medieval. Mas já passava das sete da noite quando me dei por satisfeito e voltei.

    Esqueça tudo o que você já ouviu falar sobre cidades medievais conservadas, sobre sentir o clima da idade média e etc. Esqueça Heidelberg, Goslar, Lübeck, os castelos de contos de fada de Füssen. Se você alguma vez sonhou em como seria andar por Baldur’s Gate, Minas Tirith ou King’s Landing, é para a Cidade Antiga de Rodes que você deve ir. É, talvez, a cidade medieval ocidental mais bem conservada do mundo, tendo se tornado Patrimônio Cultural da Humanidade por causa disso. As imensas muralhas que cercam a cidade, assim como o imenso fosso e as fortificações estão todas de pé. Dentro dela, a cidade se encontra praticamente da mesma maneira que tomou forma durante o período de ocupação pela Ordem Hospitalária dos Cavaleiros de São João, entre os séculos XIV e XVI (e que, depois de expulsos pelos turcos, se tornaram conhecidos como Ordem de Malta, tendo se mudado para... adivinha!).

    É claro que tem muitas fachadas novas nas casas, toldos e freezers com bebidas. Além disso, o trânsito é permitido ali dentro, então carros circulam por alguns trechos, e motos por todos os lados. Mesmo assim, a profusão de ruelas estreitas, paredes e calçamentos de pedra, arcos ligando prédios, construções de dois andares com janelas de madeira, tudo isso nos leva direto a uma Idade Média real ou idealizada, com pouco esforço de imaginação.

    O castelo principal dentro da cidade fortificada, o Palácio dos Grão-mestres, é um destaque. Mesmo se considerar que todo o segundo nível desabou no século XIX e foi reconstruído de modo meio arbitrário pelos italianos nos anos 30 do século XX, o lugar mantém sua atmosfera. Não é um palácio luxuoso onde vivia uma corte de nobres afetados, como os outros que já visitei, mas realmente uma fortificação central de uma ordem de monges guerreiros, impactante por sua sobriedade e utilitarismo bélico. Claro, há pessoas e crianças berrando correndo por lá, prontas para estragar sua imersão, mas usei uma tática simples: fone de ouvido na orelha e Blind Guardian, Saxon e similares a todo volume. Daí estava pronto para prestar homenagens ao Grão-mestre, pegar as armas no arsenal e partir para as Cruzadas.

    No interior ainda há uma exposição muito interessante sobre a Rodes Medieval. Deveria ter outra sobre a Rodes Antiga, mas por algum motivo estava fechada neste verão. Isto me deu tempo para ir ao Museu de Arqueologia. Que, mesmo que você não tenha o menor interesse em estátuas e cerâmicas da Rodes antiga, vale o ingresso só pela oportunidade de andar pelo prédio que era o hospital dos Hospitalários, com seus aposentos e cortes internos. Para quem gosta de velharias, uma coleção interessante, embora não muito diferente de outras, com uma exceção: alguns grandes mosaicos retirados de casas gregas com cenas mitológicas ocupando paredes inteiras.

    Mas o ponto alto da imersão é uma volta pelo antigo fosso do sistema defensivo, no final da tarde, com praticamente mais ninguém andando por ali. Um local que, no Brasil, viraria banheiro e cracolândia em dois toques, mas, lá, parece bem cuidado (tem que ser, já que a cidade medieval é a principal atração da ilha). Nada como explorar os cantos escondidos, as janelas que se abrem para interiores escuros, as escadarias alquebradas e tomadas por grama levando a pedaços de muralha.

Uma coisa em especial me doeu demais o coração: sob um trecho da muralha, parece haver um complexo de túneis escavados na rocha. Tinha luzes apagadas e cabos elétricos passando por eles, o que me faz pensar que já fizeram parte de alguma visitação, mas no momento permanecem completamente escuros e completamente acessíveis. Mas, sem nem uma luzinha para iluminar o caminho, não tinha como se meter muito fundo neles. Fui entrando no que deu, usando o flash da máquina para iluminar pedaços de parede diferentes e várias bifurcações levando a novos corredores. Não consigo imaginar sua função, se são muito antigos ou relativamente recentes, ou o porquê de estarem ali, abandonados e com as portas de ferro abertas. Mas nunca mesmo senti tanta falta do meu velho Nokia com lanterninha, pois o atual não dava conta.

Depois deste passeio fantástico, voltei ao meu hotel, parando para comprar minha passagem de barco para o outro dia. Jantei novamente no bom restaurante que tinha ido no primeiro dia e matei tempo escrevendo e tomando uma cerveja no bar do hotel. No dia seguinte, teria uma viagem daquelas para encarar rumo à Turquia.

Eu não aproveitei Rodes como gostaria, ou deveria. Deixei várias coisas legais para trás, algumas por ter preferido ficar em um clima praiano mais sossegado (o que é uma escolha perfeitamente válida) e outras pela dificuldade com o transporte locai (o que é uma realidade perfeitamente chata). Um carro aqui faria muita diferença e, se um dia voltar, será a primeira coisa em que pensarei.

sábado, 11 de agosto de 2012

Do outono ao verão em três horas

    Chega da moleza de andar de trem de um lado para o outro. Agora voltei ao esquema de aeroportos e toda sua correria e tempos de espera. Bora aproveitar o tempo para escrever.

Hamburgo

    A senha do wireless do hotel onde fiquei só podia ser uma piada: “aproveite o clima de Hamburgo no verão de 2012”. Em todos os dias que fiquei pela região foi a mesma coisa: muito vento, ciclos e ciclos de sol, nublado e chuva. Não tenho muita coisa a dizer da cidade, pois efetivamente gastei apenas uma tarde visitando-a. Pois, na segunda feira, depois de acordar da minha hibernação pós-Wacken e procurar uma lavanderia para largar meus trapos enlameados, era quase meio dia quando saí para andar pela cidade.

    Mesmo sendo a segunda maior cidade da Alemanha, é possível alcançar os pontos de interesse turístico de Hamburgo a pé. A cidade é moderna, para os padrões alemães, pois não se pode dizer que a História foi muito benevolente com ela. Foi uma das mais destruídas por bombardeios na Segunda Guerra. Antes disso, sofreu um incêndio de proporções romanas na metade do século XIX. E, um século antes disso, uma enorme enchente.

    Comecei meu passeio descendo até o grande lago que domina o centro da cidade. O entorno é uma atraente área para corridas e caminhadas. Aliás, na Alemanha, praticamente toda poça ou pinguela é cercada por uma área assim. Fui beirando o lago até chegar à bonita prefeitura, onde estava rolando um festival chinês na praça e aproveitei para almoçar lá. Depois, fui visitando algumas igrejas, que são as outras construções antigas de destaque que permanecem no centro (restauradas, é claro).

    Um ponto de destaque são as ruínas do que sobrou da catedral neogótica de São Nicolau. A colossal torre de 146 metros, a mais alta do mundo em sua época, foi a única coisa que sobrou na superfície. Peguei um elevador que sobe no meio da carcaça da torre, mas ele vai só até metade dela e não oferece uma vista tão espetacular assim. Na antiga cripta, tem um pequeno memorial sobre a igreja, o bombardeio de Hamburgo (incluindo uma coleção de fotos tiradas pela cidade logo depois) e os bombardeios da Segunda Guerra de modo geral. Dá para gastar uns minutos por ali tranquilo.

    Continuei andando até a igreja que é o símbolo de Hamburgo, a de São Miguel. O diferencial dela é realmente sua torre encapada com bronze negro, que também possui um elevador e de onde se tem uma vista mais legal, incluindo a região do porto. A cripta possui vários túmulos e outros objetos antigos, como uma bíblia de 400 anos de idade. O interior é bonito, as paredes bem brancas contrastando com os objetos de madeira escura, incluindo um baita órgão.

    Saindo dali, fui até a região do porto, o segundo maior da Europa, por volta das quatro e meia. Lá, gastei o resto do tempo em um barco-museu, o Cap San Diego. É um cargueiro dos anos sessenta que navegou até os oitenta e escapou de virar ferro-velho ao se tornar museu. O fato dele ser dos anos sessenta não é a coisa interessante, mas sim a possibilidade de andar por todos os espaços do barco. A sala de máquinas é a parte mais legal. Com a quantidade de alavancas, botões, fios, canos, painéis, mostradores e o diabo a quatro que cerca as pequenas plataformas metálicas, fico pensando o pesadelo que é ser um engenheiro naval. Perto, talvez, do pesadelo de ser um turista que não entende alemão na Alemanha, pois, novamente, nem os cartazes nem o guia de áudio tinha algo de inglês, apenas um folder meia-boca que dava uma noção superficial das coisas. Em um dos compartimentos de carga também tinha uma mostra sobre emigrantes alemães (com painéis em inglês, aleluia!), só que focado naqueles que foram para os Estados Unidos. De Hamburgo saiu a grande maioria dos emigrantes alemães para o mundo. Até descobri ter um museu só sobre emigrantes, mas infelizmente não tive tempo de ir nele.

    Seis da tarde saí do barco-museu para um barco-restaurante, um pouco caro, mas com ótima comida e um prato generoso. Após comer muito, preferi pegar um trem do que caminhar de volta ao hotel. Comecei a escrever o relato do Wacken, mas não fui muito longe, pois ainda não estava plenamente recuperado, e no dia seguinte faria mais um bate-e-volta em uma cidade próxima.

Lübeck

    Quando falei de gastar um dia para ir a Lübeck, Tati respondeu com um “mas não tem nada lá além do portão”. Felizmente, não concordo com ela, pois o passeio à histórica cidade portuária valeu muito a pena. Para começar, é bem perto de Hamburgo e, mesmo com o trem lento, se chega lá em 45 minutos.

    Tendo me enrolado um pouco de manhã, cheguei por volta das onze e quinze. A estação de trem é bem próxima da cidade antiga, que ocupa uma ilha cercada pelos canais do rio que corta a região. Em cinco minutos, estava diante do famoso portão principal de entrada, o Holstentor. Além de o portão em si ser uma construção interessante, há um pequeno museu sobre a cidade nas saletas e corredores estreitos do seu interior, falando sobre as defesas militares e o comércio na região (que foi aquilo que tornou a cidade uma potência e líder da Liga Hanseática em parte da Idade Média).

    Depois de passear por lá e conversar um tempo com um brasileiro que também tinha pegado chuva no Wacken, parti para andar pela cidade, que tem como maiores atrações suas sete grandes igrejas e o estilo de construção gótico com tijolos à vista que, uma época, já dominou a cidade inteira. Para variar, ela foi bombardeada na Segunda Guerra, mas muita coisa foi reconstruída no estilo original, o que mantém o clima de cidade medieval em muitos cantos e ruelas.

    A primeira igreja que visitei foi a Mariekirche, a maior da cidade. E foi daquelas que, ao entrar, me fez soltar aquelas palavras cristãs adequadas a um ambiente sacro: “puta que pariu, que igreja do caralho!” (ainda bem que não tinha brasileiros por perto neste momento). Sério, é a igreja que jogou meu queixo mais embaixo até agora na viagem, e uma das mais bonitas que já vi. O tamanho é potencializado pela arquitetura toda de tijolos, até nas abóbodas, e pela riqueza de cores da decoração, muito diferente das igrejas branquinhas que eu estava vendo até o momento: verde e branco contrastavam com o vermelho vivo dos tijolos não-pintados. Fico pensando no espetáculo que deveria ser no estado original, pois agora muitos afrescos são apresentados apenas como pobres reproduções em painéis. Um deles, particularmente interessante, é o da Dança da Morte, que mostra uma morte safada dançando ciranda com pessoas de diversas classes sociais e profissões medievais. O afresco foi para o espaço, mas parte da obra sobreviveu em dois vitrais.

    Depois de babar por um tempo, saí dali para almoçar na praça da antiga prefeitura (um belo prédio de tijolos negros). Estava ventando muito, então procurei um restaurante mais protegido. Foi uma decisão acertada, pois caiu uma tempestade daquelas de foder com Wacken e tudo mais. Fiquei no restaurante bebericando uma deliciosa cerveja bock depois de comer, só conseguindo sair quase três da tarde, o que me tirou tempo para conhecer algumas coisas.

    Depois de levar aquela voadora com os dois pés da Dona Maria, as outras igrejas não foram tão impactantes, mas também valeram uma passada. A igreja dos marinheiros foi pouco atingida durante a guerra e manteve o interior original, com um órgão impressionantemente decorado. A catedral, a mais antiga de todas (do século XII), tem uma disposição atípica (a nave era dividida em três setores, em vez de um grande aposento único), tumbas bem antigas dos párocos e da galerinha rica da cidade e um enorme altar esculpido em madeira com 17 metros de altura. A de São Pedro tem o clássico elevador que oferece uma vista legal. O problema é que os horários de fechamento das igrejas é bem aleatório e no folder/mapa sobre a cidade, que você compra por dois euros, não aparecem eles. Então algumas delas já estavam fechadas e fiquei só na vontade.

    Saí para pegar o trem seis da tarde, tendo deixado para trás alguns museus e interiores de edifícios que poderia ter visto (se não tivesse dado a tempestade...ok, ou se eu tivesse chego mais cedo). Lübeck vale muito uma visita para quem passar pelo norte da Alemanha. Inclusive, se eu tivesse apenas um dia disponível, preferiria ela a Hamburgo.

Atenas II – A missão

    Quarta acordei de madrugada (leia-se: sete da manhã) para ir até o aeroporto pegar o avião para Atenas. Rolou uma conexão muito ninja em Munique, na qual literalmente saí de um avião para entrar em outro. Ao chegar, estranhei que o voo tinha chegado uma hora antes do previsto, mas logo lembrei que na Grécia o fuso horário muda de novo. Eram duas e meia da tarde mesmo, então. Somando o horário de verão, a diferença agora era de seis horas em relação ao Brasil.

    Peguei o trem que leva até o centro e, uma conexão e dez minutos de caminhada depois, estava no meu hotel, a 100 m do complexo da Acrópole. Era o hotel onde eu teria ficado ano passado, se não tivesse tido que mudar a reserva apenas alguns dias antes. Simples, mas confortável. E melhor localização, só mesmo dormindo dentro do Parthenon.

    Agora sim eu estava no verão, não naquela brincadeirinha de esconde-esconde atrás das nuvens que o Sol faz na Alemanha. Estava um dia muito quente e com pouco vento, então gastei um curto tempo termorregulando no ar condicionado do quarto. Cinco e pouco saí para dar uma volta pela Acrópole novamente. Mesmo tendo ido lá ano passado, seria um desperdício não aproveitar, estando ali do lado. Eles mudaram o esquema de entrada, porém. Antes você pagava dois ou três euros separadamente por cada sítio arqueológico na cidade. Agora, é necessário pagar 12 euros por um ingresso conjunto válido por quatro dias para todos os sítios. Não sei se pode pagar separadamente nos outros, mas, na Acrópole, só com esse. Capitalizaram legal a maior atração da cidade. É a crise, meu amigo!

    Deu para ficar um bom tempo ali, pois o complexo da Acrópole fecha apenas oito da noite (no papel; na prática, sete e meia já estavam mandando a galera embora). Por algum motivo, mesmo sendo o pico da alta temporada, o lugar estava bem tranquilo. Nada de filas e aglomerações, era perfeitamente possível caminhar em paz pela colina. Efeito da hora e/ou do dia quente? Ou uma temporada especialmente fraca? Também reparei uma quantidade maior de obras de restauração dos monumentos em relação ao ano passado, o que, se por um lado atrapalha os turistas, por outro (e mais importante) mostra uma contínua preocupação em não deixar as ruínas arruinadas (!). Mas me pergunto se algum dia conseguirei ver o Parthenon sem andaimes e guindastes na frente.

    Saindo dali, jantei em um calçadão ao lado do complexo e caminhei todos os sofridos 500 m até o hotel. Sim, a localização foi muito providencial...

    Tirei o outro dia para visitar dois museus que não tinha conseguido ver ano passado. O primeiro é o Museu da Guerra, que faz parte daquela categoria de atrações que já fecha no começo da tarde (duas horas, neste caso). É preciso ficar bem atento a esses horários na Grécia, porque, segundo os próprios gregos me falaram, a galera é preguiçosa e fecha as paradas cedo mesmo. Malditos funcionários públicos!

    O Museu da Guerra é bem interessante para quem gosta destas coisas, com cartazes e infográficos falando com mais detalhes sobre as batalhas históricas em que a Grécia esteve envolvida, desde a Antiguidade até a Atualidade (vários apenas em grego, infelizmente). A maioria dos armamentos antigos expostos são réplicas, mas exatamente por isso dá para perceber melhor seus detalhes e ver a diferença entre as armas de cada cultura (tem armamentos gregos, romanos, persas, europeus medievais, bizantinos, etc.). Os armamentos de fogo e modernos são originais, mas uma metralhadora não tem o mesmo charme de um machado de guerra de duas mãos. Em uma sala separada há uma coleção particularmente espetacular, que parece originalmente particular, com armas brancas e de fogo originais de todas as categorias citadas acima, além de indianas, japonesas e de outras culturas orientais. Para finalizar, algumas artilharias pesadas e até aviões e mísseis do lado de fora.

    Perto das duas, caminhei um pouco para um museu próximo que é um dos mais famosos de Atenas, o de Arte Cicládica. Efetivamente, é um dos melhores que já visitei, em relação à estrutura e planejamento. O acervo contém peças arqueológicas da cultura cicládica e da Grécia continental. Não há uma infinidade de itens, mas cada um deles é explicado com alguns ou muitos detalhes, o que faz o visitante prestar mais atenção em cada uma. Também há muito material informativo e algumas mídias interativas bem interessantes. E tudo em grego e inglês! Para finalizar, possui um horário de abertura mais “europeu”, fechando seis horas, ou oito nas quintas feiras. É um exemplo de museu que deveria ser seguido na Grécia (porém, até onde sei ele é privado, o que possivelmente explica a melhor organização).

    Porém, eu não poderia ficar ali o tempo que gostaria, pois naquele dia mesmo pegaria o avião para Santorini, seis e meia. Assim, quatro e uns quebrados peguei o metrô para voltar ao hotel onde tinha deixado a bagagem.

    E daí, em questão de uma hora, tudo deu errado.

    Para começar, meu dinheiro estava no fim, então passei em um caixa eletrônico no caminho do hotel. Mas ele não aceitou meu cartão, dizendo que estava com problema. Estranhei, pois algumas horas antes tinha usado ele para pagar o hotel. Pensando ser problema da máquina, tentei em outra no caminho. Mesma coisa. Do lado do hotel havia uma terceira e fiz uma última tentativa. Acho que os caixas eletrônicos se comunicaram e não gostaram da minha insistência, porque este daí simplesmente não devolveu o cartão.

    Maravilha, um cartão preso na máquina apenas uma hora antes de ter que estar no aeroporto. Depois de xingar a máquina adoidado, fui ao hotel tentar realizar o procedimento de bloquear aquele cartão e ficar só com o reserva (que, felizmente, já vem junto quando você adquire o cartão de viagem do Banco do Brasil). Mas o bloqueio é só por telefone e, da Grécia, o procedimento é bem complicado. Não dá para fazer a ligação direta e é preciso usar um serviço especial das companhias telefônicas que só pode ser consultado na internet.

Quando ia para o computador do hotel tentar descobrir este número, pedi também para o atendente chamar o táxi de 12 euros até o aeroporto sobre o qual o atendente do dia anterior tinha me falando. O cara deu uma risada e disse que 12 euros até o aeroporto só em sonhos, a taxa fixa era de 55 euros! Bem que eu tinha estranhado antes, porque o aeroporto é bem longe, mas talvez aquele atendente tivesse me oferecido um táxi informal que precisaria de hora marcada.

Qualquer que fosse a verdade, eu tinha que estar no aeroporto em menos de uma hora e teria que usar o metrô. E já estava mais do que atrasado, por causa do tempo perdido com o cartão. Deixei isso para lá e saí correndo desembestadamente com a mala super pesada para a estação. No meio do caminho, senti uma diferença o peso e olhei para trás: as rodinhas tinham simplesmente estourado, sobrando só as de um lado, e a alça de ferro para carregar, soltado em um dos lados. Xingando todos os deuses gregos que deveriam estar rindo da minha cara, fui arrastando, carregando e fazendo malabarismo com as rodinhas de um lado para vencer os agora sim muito sofridos 500 metros até a estação.

Só que, como o aeroporto é bem longe, não é a todo momento que tem o metrô direto para lá. Não havia sinal de nenhum na próxima meia hora, então tive que fazer uma conexão com os trens suburbanos, vendo os minutos voarem e já pensando se a empresa seria caridosa em trocar minha passagem para o horário seguinte, que, pelo que eu me lembrava, era apenas na alta noite.

Mas, como o destino gosta de nos dar um gostinho de esperança, em vez de estar categoricamente e irreversivelmente atrasado, cheguei ao aeroporto 18:05. O despache de bagagens tinha encerrado há 35 minutos. E faltava só 25 minutos para a decolagem. Respirei fundo, abaixei a cabeça e saí atropelado com a mala e os braços em frangalhos pelos salões do aeroporto, chegando no guichê da empresa cinco minutos depois. Consegui despachar a mala, só que assinado um termo dizendo que talvez ela fosse enviada apenas no próximo vôo. Voltei a correr, agora para o portão de embarque. Na entrada, ainda me pararam para ser revistado no detector de metais e fizeram minha mochila passar duas vezes por causa do notebook. Finalmente, consegui chegar no portão e embarcar no vôo que, felizmente desta vez, estava atrasado.

Foi um fim de tarde do capeta em Atenas. Mas, no fim, tudo proverbialmente acabou dando certo. Consegui embarcar e quase chorei de emoção ao ver a mala estropiada avançando na esteira do miniaeroporto de Santorini. Sem saber se conseguiria dar jeito no negócio do cartão, fui pelo caminho mais simples e saquei a maioria do dinheiro com o bendito cartão reserva que funcionou, e dando um foda-se para o que ficou preso na máquina (como na Grécia toda máquina pede senha, diferente da Alemanha, não seria tão problema se alguém o encontrasse). Perderei uma fatia considerável no câmbio, pois terei que trocar a grana na Turquia em vez de sacar direto, e gastei 70 contos (europeus) a mais em uma mala nova.

Mas, pelo menos, aquele momento de grande estresse foi mais que compensado depois em Santorini. Aguardem cenas dos próximos capítulos!