quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sete dias na Turquia em sete páginas no Word

E acabou a brincadeira de viajante no Nível Fácil. Aqui na Turquia, o negócio passa a ser Nível Médio. Além de tudo ser feito na base do busão e o país ser zoado no estilo brasileiro (e não estou falando do Sul), a barreira da língua é muito complicada. Mas vamos aos fatos.

Parece que faz bem mais de uma semana que saí de Rodes, e não apenas na quarta feira passada pela manhã. Peguei um barco que saiu 10:45 da ilha (não me olhem feio, era o único horário deste dia). Me enrolei primeiro já aí, pois tinha chego um pouco atrasado (o primeiro táxi que chamei não apareceu) e tive que fazer correndo os procedimentos de pegar passagem e carimbar o passaporte para saída do país. Uma hora depois, cheguei em Marmaris, e ali imediatamente o paraíso em que até o gari sabe falar inglês se transformou num inferno de comunicação. Porque os turcos sabem muito pouco da língua, mesmo aqueles responsáveis por hotéis, translados e recepção de turistas, como no porto. Foram alguns minutos até descobrir qual dos vários guichês era para quem estava entrando de vez no país, ou se só deveria sair correndo o mais rápido possível porta afora.

Depois da burocracia acertada, saí do porto mais perdido que o proverbial filho da moça da vida em dia dos pais. Na base do taxi, junto com mais um povo, fui até o terminal de ônibus de Marmaris. Que é só uma praça com guichês (é um balneário sazonal, então dá para entender). Na primeira empresa que fui, fiquei sabendo a duras penas que não tinha ônibus direto para a cidadezinha para onde ia, teria que ir até uma outra e fazer uma baldeação. Ok, e quando era o próximo? “Quatro da tarde”. O relógio marcava 12:20. Perguntei se tinha outra empresa que iria na mesma direção. “Talvez”, me responde o sacana.

Saí dali para o guichê de outra empresa que tinha visto como uma das maiores do país. Ali, o atendente me disse a mesma coisa, mas havia um ônibus saindo em cinco minutos. Paguei (tudo em Euros, numa cotação pra lá de desfavorável) e fui na correria para lá. Ao abrir o envelope que foi me dado para mostrar ao cara do embarque, o bilhete saiu voando para baixo do busão. Ficou uma falação entre os caras e tentei achar o bilhete, que tinha desaparecido ali. Alguns minutos de quase desespero depois, vi um pedaço de papel voando pela praça e corri para pegá-lo. Era o bendito bilhete, com o qual pude embarcar no ônibus.

Depois de uns quinze minutos após ele sair, coloquei a mão no bolso para ver as horas. E cadê meu celular? Revirei minha mochila até o último furico, mas já sabia a resposta. Naquele levanta e abaixa procurando o bilhete sumido, o celular tinha saltado do raso bolso da minha calça, e agora algum turco estava feliz tendo achado um presente no meio da praça. Além da merda de perder o celular, eu estava usando ele como relógio, despertador e rádio na viagem. E, agora, em questão de uma ficada de quatro, tinha perdido tudo. Logo na parte da viagem em que mais precisaria de alguma distração no meio dos longos trechos de busão.

Felizmente, os ônibus da Turquia são estilo avião. As poltronas são apertadas, mas tem serviço de lanche e bebida e uma tevezinha com várias opções de mídia. E, surpreendentemente, este tinha uma seleção muito boa de músicas de rock e metal. Ver as pacíficas cenas de praias, campos e montanhas que a telinha mostrava enquanto ouvia Slayer ajudou a me acalmar.

Depois de três horas e meia, saltei no terminal de Ayden. Fui procurar o local dos mini-ônibus que vão para as cidades próximas e logo achei o que ia para Selçuk (não foi difícil, já que o motorista praticamente pulou em cima de mim oferecendo o transporte). Foi mais uma hora de viagem em um mini-ônibus, ou “dolmus” como chamam aqui, um troço zoado pra caramba em que o motora vai andando devagarzinho por todas as áreas mais ou menos urbanas com a porta aberta e buzinando, avisando até lá na Noruega que estava vindo o expresso para Selçuk.

Finalmente, cheguei ao meu destino, às cinco da tarde. Sempre parece mais quando você pula muito de um transporte para outro, mas no fim tive bastante sorte. As conexões porto-táxi, táxi-ônibus e ônibus-dolmus foram imediatas. Poderia ter perdido bem mais tempo sentado em um banco de praça por aí.

Em Selçuk, meu hotel era providencialmente a 50 m do terminal de ônibus. Era bem meia boca, mas só ia ficar uma noite ali mesmo. Minhas principais preocupações era arranjar um relógio e trocar meus Euros por Liras Turcas. O relógio achei logo (na verdade comprei até dois, primeiro um de pulso, depois fiquei com medo dele não conseguir me acordar e comprei outro de mesa). O banco para fazer a troca já estava fechado. Só procurei um lugar para fazer minha única refeição do dia e fui dormir, pois teria apenas parte do outro dia para explorar o motivo da minha ida até ali.

Selçuk (Éfeso)


    Acordei cedo na quinta e primeiro fui ao banco trocar meu dinheiro. Perdi quase 20% da grana, por ter sacado a maior parte da grana em Santorini e pela lira ter valorizado, pois tinha comprado os euros por cerca de R$ 2,60 em um momento em que a lira valia R$ 1,04. E agora, mesmo em um banco, estava vendendo cada um por 2,20 liras.

    Dali, peguei um dolmus que ia até Éfeso. Na verdade, o sítio é bem próximo do centro da vila, algo como três quilômetros, mas preferi ganhar alguns minutos de ônibus, e já estava quente mesmo naquela hora, quinze para as dez da manhã.

    Éfeso é uma das maiores cidades antigas em ruínas do Ocidente. Foi uma cidade muito importante durante o período helenístico e romano, o que a fez crescer até ter uma população de 200 mil habitantes e depois entrar em decadência. Ficou para trás um dos poucos lugares onde você consegue realmente entender como era a organização de uma cidade antiga. A cidade foi reformulada na época romana, o que deixou os setores bem definidos e fáceis de localizar. O sítio também dá uma liberdade considerável para andar, mesmo entre e dentro das ruínas, estando fechados só alguns pontos em restauração ou escavações recentes. Como não tinha o básico folder com mapa, comprei um guia, mas nem precisava, pois há boa quantia de placas explicativas.

    O sítio também é um dos locais mais visitados da Turquia do Egeu, o que significa que havia pencas de pessoas e grupos de visitas guiados por lá. Mas, como tudo é bem grande e afastado, apenas em alguns momentos as coisas ficaram meio apertadas. Tem árvores e sombras o suficiente por lá para sobreviver, mas o sol torrando na cabeça e a falta de vento dobrou o esforço da visita.

    Gastei duas horas e uns quebrados ali antes de retornar a Selçuk para almoçar e usar o resto das horas para visitar o Museu de Éfeso. O Google Maps me pregou uma peça e me mandou caminhar até a favela de Selçuk em busca do Museu, quando na verdade ele era literalmente do lado de onde eu tinha almoçado. Mas ainda deu tempo de gastar uma hora ali. O salão mais legal é aquele que reúne algumas peças retiradas do Templo de Ártemis, uma das Sete Maravilhas do Mundo, que foi abaixo quando a cristandade assumiu o poder em Roma e agora jaz em uma área submersa. Por mais que todos saibam que a lista das sete maravilhas não seja de modo algum bem escolhida ou representativa da Antiguidade, é um sentimento diferente ter contato com elas, ou os pedaços que sobraram (melhor que o Colosso de Rodes, do qual nada sobrou para contar a história).

    Quatro e meia minha jornada de um dia em Selçuk terminou. Peguei um ônibus que ia direto até Pamukkale, minha próxima parada. Só que este não tinha muitas músicas legais. O jeito foi usar o netbook como mp3 player nas outras três horas e meia até lá.

Pamukkale

    Na chegada à Pamukkale, um vilarejo 30 km a norte da principal cidade da região (Denizli), já foi possível dar de cara com a principal (na verdade, única) atração do local. Mas após o bom e cansativo dia em Selçuk, só queria chegar no hotel e descansar. Fui ajudado nesta tarefa por um turco sacana que me mandou para o lado errado quando pedi informação sobre o hotel. Mais uma caminhada desnecessária até chegar lá para um banho de meia hora e um sono de várias horas. Pelo menos o hotel era bem mais confortável desta vez.

    Como teria o dia todo ali, não me apressei e levantei um pouco mais tarde, tomei um café da manhã reforçado e enrolei um pouco até sair onze horas do hotel. A localização dele era perfeita, pois foi só atravessar a rua para estar na entrada de Hierápolis e seus terraços de travertino (não me pergunte o que é um travertino, porém).

    A paisagem ali é uma que não se vê todo o dia. Ali flui uma grande quantidade de águas termais carregadas de carbonato de cálcio. Ao escorrerem pelos penhascos durante eras geológicas, o material foi sendo depositado em camadas endurecidas pelo tempo, formando paredões de rocha sedimentar perfeitamente branca. O fluxo de água foi controlado há muito tempo pelos humanos para preservar os terraços em uns pontos e criar piscinas artificiais em outros.

    Assim, entrei pelo portão central, onde deve-se subir descalço por um caminho em meio as terraços, por onde corre água o tempo todo e onde foram construídas várias piscinas rasas nas quais a galera se diverte. Após a subida, cheguei ao grande planalto onde outrora existia a cidade helenística/romana de Hierápolis. Desde aquela época as pessoas achavam que as águas da região teriam propriedades especiais, portanto, o local era um centro de cura. A propaganda é de que elas podem curar de tudo: doenças do coração, pressão alta, gastrite e bronquite crônica, inflamação nos rins, reabilitação de cirurgias ortopédicas, “doenças catarrais to trato respiratório superior”, constipação (!), obesidade (!!), mal olhado, despacho de macumba e dor de cotovelo (tá, essas eu que inventei). Porém, para desagrado do pessoal da medicina alternativa contemporânea, parece que a coisa não dava muito certo, pois a cidade antiga é dominada por um dos maiores cemitérios ainda preservados da Antiguidade, o que foi o principal motivo para ela virar Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco.

    Comecei o passeio pelas ruínas. A cidade em si não ficou muito preservada, mas a necrópole é muito legal, com seus sarcófagos e tumbas monumentais. Se Éfeso permitia movimento quase ilimitado, aqui a liberdade é total, seja pela ausência de cordinhas ou de alguém olhando. Dá até para entrar nas antigas tumbas (mas os itens de interesse arqueológico dentro deles já foram retirados, é claro). Não sei o quanto isso é bom em longo prazo para a arqueologia, mas as escavações no local já estão bem completas, e em curto prazo para um visitante curioso é demais.

    Perambulei por ali por duas horas e meia, então voltei à parte mais central do sítio, onde há um museu, cafés e um complexo em torno da “Piscina Sagrada”. Essa piscina de águas quentes existe desde a Antiguidade, sendo consagrada a Apolo, e era onde a galerinha esperançosa tomava seu banho antes de ser despachada para a necrópole. Ainda é possível nadar ali, mas o povo aglomerado, a água quente e o preço superfaturado de 30 liras me fez preferir tomar banho com o povão nos terraços. Depois de devidamente molhado e coberto de carbonato de cálcio, voltei à Piscina Sagrada para comer e ficar relaxando uma horinha em uma espreguiçadeira. Três e meia saí novamente para andar por outro trecho das ruínas, que inclui um enorme e bem preservado teatro e uma construção cristã erguida onde, diz a lenda, foi assassinado o apóstolo Felipe.

Estava mais quente agora do que meio dia, então depois de mais uma hora encerrei a andança. Passei rapidamente no museu, mergulhei mais uma vez na água e voltei ao hotel. Jantei cedo e fui deitar dez e meia. Se este dia tinha sido ótimo, o outro, de cara, começou com estresse.

Cinco e meia tive que levantar para pegar o transporte para o aeroporto, pois o voo era 8:45 e Pamukkale fica a 90 km dele. No dia anterior, o atendente do hotel tinha, em teoria, reservado um lugar para mim em um ônibus que saía 6:15. Seis da manhã lá estava eu, esperando. Não tinha ninguém na recepção do hotel, nem para eu fazer o check out e pagar. Deixei a chave e o dinheiro na bancada da recepção. Começou a passar o tempo e eu comecei a me preocupar. Seis e meia apareceu a senhora que fazia o café da manhã, mas tudo o que consegui na minha tentativa de comunicação foi que ela acordasse alguém da recepção. Paguei para o atendente com cara de sono (que não era o mesmo do dia anterior) e perguntei da demora no transporte. “Eles estão passando nos outros hotéis”, ele me respondeu e foi dormir de novo. Fiquei ali esperando mais um tempo e vi que não ia rolar. Saí correndo para o local de onde saíam e chegavam os ônibus, tentando perguntar se sairia algum para o aeroporto, mas novamente a língua foi um entrave.

Fui salvo (de certa maneira) por um gurizão que sabia falar inglês e estava ali por perto. Eu sabia que não daria mais para usar o ônibus, pois eles não vão direto ao aeroporto, ainda fazem uma baldeação em Denzili. O jeito era ir de táxi, pagando caro. Cometi o erro de falar para o guri o valor do táxi que o atendente do hotel tinha me falando no dia anterior, 120 liras. Ele fez uma careta e falou que era mais caro. Por 150 dava para arranjar. Àquela altura eu não tinha muita escolha e aceitei. Foi o pai dele que me levou, ambos muito sorridentes e simpáticos ao empurrar a faca nas minhas costas. Saímos sete e vinte de Pamukkale e o tiozinho ao menos meteu o pé no fundo. Chegamos lá 8:15, apenas meia hora antes da decolagem. Mas como é um aeroporto pequeno e só tinha aquele voo no dia, ninguém encrencou.

Fora este problema no final, o dia gasto em Pamukkale foi demais. O sítio, para mim, é perfeito, porque une paisagem, diversão aquática e ruínas milenares. Só faltava um roquenrôu, cerveja liberada e strippers-ninfas dançando sobre as colunas (Pamukkale Open Air? Eu apoio!). Mesmo sem isso, tem tudo para agradar qualquer pessoa que resolva passar por lá.

Alguns podem se perguntar se vale a pena o tempo e esforço gasto nestes dias para ver relativamente pouca coisa. Teria sido até muito mais simples, na verdade, ter ido de Rodes direto para a Capadócia. Mas na Turquia é assim, os pontos de interesse são distantes uns dos outros. Não é tão fácil estabelecer uma base e ter tudo ao alcance. Éfeso dá para combar com uma estadia mais longa no litoral do Egeu e é o que a maioria do pessoal lá estava fazendo, eu acho. Mas, para Pamukkale, tem que se meter mesmo lá para o interior em busca de algo que se vê em um dia. Mas é uma coisa muito única. Então, mesmo pensando que talvez tenha modos mais fáceis de fazer isso (pacote turístico?), a resposta é sim, vale a pena.

Göreme (Capadócia)


    Depois do vôo ter ido até Istambul para depois voltar ao leste, cheguei em Kayseri, a maior cidade da Capadócia, uma e meia da tarde. Ali já tinha um transporte arranjado pelo dono do meu hotel, que levou algumas pessoas até a vila de Göreme. Lá, fui bem recebido pelo dono, Mustafa, que também me arranjou todos os passeios daqueles dias. Nada como um pouco de moleza depois da correria dos dias anteriores!

    A primeira coisa que iria fazer seria o clássico passeio de balão, que todo mundo faz e é bem famoso na região. Mustafa me disse o preço: duzentos e noventa liras. Meu coração parou por um instante, mas eu tinha recebido dicas de amigos para não perder aquela experiência única, então dei adeus às notas. Quando ele falou “às cinco está bom?”, pensei “por que tão tarde?”. Só que eu estava pensando no cinco errado. Era cinco da manhã. “Por que tão cedo?”, choraminguei. “Oh, todos fazem cedo, com o sol nascendo fica muito bonito”, ele tentou me consolar. Isso pôs para escanteio qualquer possibilidade de fazer algo naquele dia. Só jantei cedo em um restaurante próximo e fui deitar nove da noite.

    Levantei quatro e meia, nem de longe recuperado. A companhia turística passou com o mini-ônibus recolhendo os infelizes zumbis e os levando até um campo onde dezenas de balões de várias empresas se preparavam para subir. Como chegamos atrasados, nem deu para tomar o cafezinho servido lá, tive que correr direto para o balão. No cesto, eu, o balonista, que falava um bom inglês, um turco, que não falava, e dez italianos, que falavam horrores. O céu já estava claro, embora o sol ainda não fosse visível, e estava frio (Göreme fica a mais de mil metros de altitude, é frio de noite mesmo no verão). Com frio de na frente do corpo e as costas assando com o fogo do balão, não é à toa que apareceu um resfriado alguns dias depois.

    Logo o balão começou a subir. Os movimentos são bem leves e não se sente nenhum impacto, só quando ele muda de altitude e de camada de ar que aparece um ventinho. Tão suave e tão lenta é a parada que se torna tediosa. Sério, a paisagem é bonita e é interessante que o cara consiga manobrar um troço daquele tamanho com tamanha precisão (de centímetros, às vezes se aproximando bastante das rochas). Mas o passeio é chato, simples assim. O cara aponta um lugar e diz “agora vamos até aquele vale” e quando chega lá você já está pensando na morte da bezerra ou dormindo. Depois de uma hora e alguns minutos disso, ele desce e temos um breve momento de emoção na hora que o cesto acerta o chão. Daí rola uma frescurinha com uma garrafa de champanhe e aparece uma caixa de gorjeta escrita “por favor, assine aqui seu atestado de otário nos dando mais alguns trocados”.

    Absurdamente caro, sem muita graça e te faz madrugar e ficar meio quebrado o dia todo. Passeio de balão na Capadócia = furada. Esta é a minha dica de viagem para vocês.

    Depois disso, voltei ao hotel, pegando o café da manhã às oito. Comi bastante e joguei muito café pela goela, mas ainda assim enrolei até finalmente sair para ir até o Museu Ao Céu Aberto de Göreme, pouco antes das onze. O museu é uma das principais atrações do local, mas, quando estava indo para lá, passei ao lado de um vale com o início de uma das várias trilhas para caminhada pelas formações rochosas que tem por lá. Pensando em ir só um pouquinho naquela hora, acabei embarcando em uma caminhada de várias horas. E aí senti de verdade a Capadócia.

    Todo o lugar parece saído de outro planeta. É uma região que tinha intensa atividade vulcânica até alguns milênios atrás. A cinza despejada pelos vulcões se sedimentou em uma rocha macia chamada tufa, que parece um pouco com arenito, e é facilmente erodida pelo clima. Isto forma as “chaminés de fadas”, as formações cônicas que são a marca registrada de lá. Onde a tufa foi coberta por basalto vulcânico posteriormente, a rocha macia vai sendo erodida por baixo e fica um “chapéu” de basalto no topo. O nome mais adequado talvez fosse “cabeça”, pois o aspecto, na real, fica mais parecido com algo que vocês podem imaginar. Mas vamos ficar com chapéus e chaminés que é melhor...

    Como a rocha é fácil de ser escavada, desde muito tempo as populações humanas que vivem ali têm feito suas casas dentro das rochas. Então, quando você anda pelos vales, se depara o tempo todo com janelas, portas, aposentos e corredores do que um dia já foram habitações, agora expostas ao ambiente depois de terem as paredes erodidas. Inclusive, é possível trombar com igrejas em ruínas, algumas com restos de pinturas rabiscadas pelo pessoal legal que quer deixar seu nomezinho ali (as bem preservadas estão protegidas pelo Museu, como falo depois). Mesmo cruzando ocasionalmente com outros turistas, é muito fácil se imaginar como um astronauta descendo em um planeta deserto, explorando pela primeira vez os resquícios de uma antiga e misteriosa civilização já extinta. A paisagem um pouco desolada, com arbustos e algumas árvores retorcidas nascendo no meio da rocha/areia predominantemente nua, só contribui para a sensação.

    Fiz uma caminhada de mais de três horas por ali, me perdendo pelas trilhas estreitas, fuçando as cavernas escuras e beliscando uvas verdes das vinhas plantadas nos vales. Em um momento, quando já estava voltando, com fome, sede e torrado pelo sol, vi um caminho que levava a um lugar particularmente alto. Mesmo cansado, tive ânimo para subir e fui recompensando por uma vista maravilhosa e um bufê completo: uma macieira carregada, vinhas de uvas roxas e até arbustos com amêndoas. Destas últimas, só mordi uma e cuspi longe, pois era amarga. O que foi uma boa idéia, pois a variedade selvagem, que é amarga, é venenosa e um punhado pode matar o coitado que ignorar o sabor ruim.

    Era duas e meia quando cheguei ao museu. Fiz uma pausa para assassinar meu almoço natureba com uma pizza turca cheia de gordura e entrei. O museu nada mais é do que um trecho das formações rochosas que tem uma grande concentração de igrejas e antigos monastérios em uma pequena área. Ali, os afrescos feitos entre os séculos X e XI foram preservados e/ou restaurados, o que fez o local também virar Patrimônio Cultural (e também Natural) da Humanidade pela UNESCO. Só que as igrejinhas são pequenas e apertadas e tinha gente a dar com os pés por lá. E muitas das cavernas que tinham as partes administrativas dos monastérios possuem a boa e velha cordinha ou porta fechando a passagem. Depois de toda aquela andança livre e sossegada pelos vales, o museu em si perdeu grande parte da graça, e me apertei no meio do povo dentro das igrejas mais para cumprir tabela.

    Fiquei pouco mais de uma hora por lá, brincando de pique-esconde com os grupos de visita guiados, antes de voltar ao hotel, tomar um bom banho, jantar e dormir cedo de novo, pois tinha sido um longo dia.

    No dia seguinte, levantei as oito para tomar o café e logo embarcar em um tour guiado de um dia passando por diversos pontos legais da Capadócia. Mesmo sempre preferindo ir por minha conta, ali é complicado, pois as coisas não são próximas e o sistema de transporte não é exatamente alemão.

    Iríamos começar a visita pelo ponto que eu mais queria ver, a cidade subterrânea de Derinkuyu, mas o lugar estava bem socado, então fomos primeiro no cânion de Ihlara. Este é o segundo maior do mundo e também é feito de tufa e basalto. As casas nas rochas estão por todo o lugar e há algumas igrejas com afrescos também, menos preservadas, mas alguns séculos mais antigas que as do museu. Como o grupo andava lentamente, combinei com o guia um ponto de encontro mais adiante e saí a explorar os cantos e a bela paisagem do lugar. Cerca de uma hora depois, me juntei ao grupo em um restaurante no cânion, onde almoçamos.

    O segundo ponto de parada foi em um dos maiores monastérios escavados na rocha da região. Ali nada mais tinha do que salas e corredores por vários andares rocha acima, Mas não é preciso mais que isso para divertir Félix, quando ele pode andar por tudo livremente. Só que ficamos um tempo muito curto ali, apenas uns vinte minutos, antes de voltarmos a Derinkuyu, meu quarto Patrimônio Cultural da Humanidade em uma semana.

    Lá, a cidade subterrânea já estava mais tranquila (mas ainda movimentada) e pudemos entrar. Nosso guia nos levou por parte do complexo, que possui mais de trinta níveis, embora apenas os oito superiores estejam abertos para visitação. Os primeiros níveis foram escavados já pelos hititas, no segundo milênio a.C., e depois a dungeon... ahn... a cidade foi ampliada por frígios, lícios, romanos e bizantinos. É um lugar grande, mas não era usado como moradia permanente da galera, só como refúgio em épocas de guerra. Alguns corredores são bem pequenos, nos quais eu mal conseguia passar agachado, mas não é um ambiente particularmente claustrofóbico. Novamente, pena que ficamos apenas 45 minutos por ali, pois eu poderia
ficar correndo de um canto escuro a outro por bem mais tempo.

    Depois disso, voltamos a Göreme, cinco e meia da tarde. Como disse antes, o passeio é uma forma de ver várias coisas em um tempo limitado. Mesmo assim, as distâncias fizeram com que ficássemos tanto tempo no ônibus como nos lugares em si, durante as oito horas do passeio. E, por apenas 90 liras, incluindo as entradas e almoço, valeu muito a pena. A alternativa ideal, claro, seria um carro alugado e mais um dia na Capadócia, para poder aproveitar 100% os locais visitados.

    No dia seguinte, apenas acordei mais tarde e fui pegar o ônibus para Ancara ao meio dia. Ainda tive uma boa dose de perrengues turcos para chegar, mas isso fica para outra hora. Por enquanto, concluo dizendo que a Capadócia é fantástica. Tive dois dias inteiros para explorá-la, mas ficaria fácil mais um ou dois. Göreme é o lugar para ficar, pois tem muitos hotéis e tudo mais o que um turista pode precisar. Creio que os outros vilarejos tenham menos opções, e ficar na cidade grande mais próxima (Nevsehir) não dá a liberdade de simplesmente botar o pé para fora do hotel e sair andando no meio das formações rochosas. Só um detalhe: ao contrário de todos os locais que eu tinha passado até agora na viagem, a Capadócia parece ser uma escolha melhor fora da alta temporada. Corredores estreitos e aposentos apertados são parte do seu charme. Cabeças na sua frente e sovacos suados, não.

2 comentários:

sara disse...

Olá!
Mais e mais aventuras!e`preciso coragem e flexibilidade para viajar assim! Pelo que pude entender, ainda assim valeu a pena ir sem pacote e guia em alguns lugares? Também tinha mais expectativas no passeio de balão.
Legal mesmo foi teres tomado banho nas termas calcáreas. E a Capadócia dve ser tudo de bom...

Ademar disse...

Olá, Filho...

Kapadokya gerçekten güzel olmalı. 'Hala bilirsiniz. (A Capadócia deve realmente ser linda. Ainda vou conhecê-la.) Que bom a ajuta do Google Translator, mesmo para o turco.

No ano que vem, vamos ver se poderemos repetir tudo em família. Fica com Deus.

Pai.