sábado, 29 de novembro de 2008

Flood report - versão Félix (não-cínico)

Alô, alô, Noé manda lembranças! Aparentemente o pior da catástrofe hídrica em Santa Catarina já passou e os animais sobreviventes podem recolonizar a terra devastada. Entretanto, o sol, mesmo fazendo suas aparições ocasionais, ainda não se estabeleceu de vez. O tempo segue enevoado, com chuvisco leve, mas todos os catarinas ficam de cabelo em pé ao sentir o menor respingo na nuca. A qualquer momento pode cair um novo toró. Pelo menos os rios já estão mais baixos e a terra menos enchardada, não haverá mais um fim de semana como o fatídico passado.

Ontem deu um calorão com sol entre nuvens. Teve gente reclamando e o sol ficou sentido: hoje se escondeu novamente e, neste exato momento, uma nova chuva se iniciou. Algo me diz que traduziram errado o Gênesis: Moisés não escreveu que o dilúvio teria quarenta dias, e sim quarenta meses. Paciência, pessoal, só falta mais uns trinta e seis...

Em Florianópolis houve seu quinhão de desastres, mas, como não temos grandes rios na Ilha, não foi tão ruim (porém, do jeito que está, é capaz de daqui a pouco o mar transbordar). A água foi racionada por uns dias e a energia não sumiu. Em Blumenau, a situação foi bem feia. Porém, para os não-catarinas, não achem que lá foi o maior desastre. Ela aparece mais por ser uma cidade maior e mais conhecida da mídia nacionaol. O título de "fodidos do ano" poderia muito bem ser dado para Ilhota (onde um morro inteiro, bem conhecido e - biólogos, como explicamos isso? - coberto por uma unidade de conservação foi todo abaixo) ou, mais ainda, para Itajaí. Imagine todos os desastres que ocorreram em todas as cidades do Vale do Itajaí (que inclui Blumenau, Ilhota, Rio dos Cedros, Timbó, Indaial, Pomerode, etc.). Agora imagine que toda aquela água é drenada para um rio, o Itajaí-Açú. E agora imagine quem fica na foz deste rio. Sim, Itajaí. Segundo alguns dados da imprensa, 80% da cidade chegou a ficar embaixo da água.

Houve enchentes mais longas e com maior volume de água. Neste ano, o nível do rio não chegou aos 12 metros no pior momento, e rapidamente recuou. Nas "big ones" dos anos de 1983 e 1984 o rio chegou a quase 15 metros e meio. Pense que, com os transbordamentos, se torna muito mais difícil para o rio subir após uma determinada altura. Então subir de 12 para 13 é muito mais difícil do que de 9 para 10, por exemplo. Vejam neste blog fotos impressionantes de Blumenau naquela época. Sim, foi água pra cacete.

No ano atual, choveu mais do que em qualquer outra época no estado ao longo dos últimos meses. Porém, como não era uma chuva muito forte, o rio ficou na dele. Entretanto, o problema deste ano é que, de repente, a chuva veio absurdamente forte em pouco tempo: o fim de semana passado. O que ocasionou os piores desastres: desabamentos por todos os lados. Casas foram arrastadas. Morros caíram. Rodovias de quatro pistas foram bloqueadas por barreiras monstruosas de lama e pedras. O mapa rodoviário do estado ficou parecendo um campo de guerra, com trincheiras bloqueando estradas por todos os lados. Tudo isso contribuiu para o tremendo número de humanos mortos (sem contar os animais de estimação, certo, Fábio?). Como diria uma amiga da minha mãe, os barrancos foram caindo como sorvete derretendo.


E a culpa é de quem? Diversos são os possíveis acusados. Os governos, adorados alvos de culpa em todas as ocasiões, não merecem sentar na cadeira dos réus dessa vez. Pelo contrário, as obras de infraestrutura que foram feitas a partir das grandes enchentes dos anos oitenta diminuiram muito o problema, que era crônico na região (a última enchente foi em 1992, fora enxurradas e alagamentos menores, que nunca deixaram de ocorrer). Eu vi gente se conformando de que tudo era obra de Deus. Bem, para estes nem adianta tentar culpar o chefão. O jeito é baixar a cabeça e se acostumar ao caprichos de um papai destemperado.

Tem gente dizendo que a natureza é implacável, ou está "se vingando". Sem dúvida, muitos deslizamentos foram ocasionados por falta de cobetura vegetal. E não há drenagem em solos cobertos por contreto (bueiros? ha!). Nós, macacos sem pêlo modernos, também não tínhamos nada que estar colocando cidades ao lado de um rio que naturalmente transborda. Os egípcios respeitavam o ciclo natural de cheias do Nilo e aprenderam a utilizá-lo ao seu favor. Desde seis mil anos atrás, pelo menos. As osclilações tremendas nas chuvas de um ano ao outro (2006, por exemplo, foi um dos anos mais secos, com 35% a menos de chuva que a média) podem ser resultado de nossas intervenções nos ciclos planetários, mas é difícil afirmar isso. Ainda mais sabendo-se que foi o El Niño a principal influência das enchentes passadas.

A "natureza" está na dela. As pessoas aceitaram alguns riscos e algumas estão pagando um preço por isso. Não faz muito sentido procurar culpados quando a história é um desastre natural. Só resta aos outros macacos, aqueles dos outros estados, que não se molharam, darem uma ajudinha. É só virem na próxima Oktoberfest e tomarem todas. Pois alguém duvida de que a tradicional festa será novamente propagandeada pelo caos? Sem dúvida, a Sommerbierfest (uma mini-Oktober criada em Blumenau durante a época de cidade-fantasma, no verão) será...

Ok, não é possível escapar totalmente do cinismo...

sábado, 8 de novembro de 2008

O mapa do metal

Não foi revisado, tampouco uma brincadeira tão bem explorada como poderia ser. Mas é que chegou a hora do almoço... ;)

De onde vem o metal? Para os pseudo-nacionalistas musicais, parece tudo "coisa de gringo" (no caso, se referindo aos estadunidenses). Afinal, a grande maioria canta em inglês, e tem muitos que parecem esquecer que o próprio inglês, como o nome diz, não é estadunidense. Por outro lado, eu sempre afirmei que os EUA eram muito fracos em matéria de metal e que de lá quase só vinha as "modinhas", como o Nu (ou "No") metal (com uma honrosa exceção). Para tirar a dúvida, decidi checar minha coleção para ver o que os frios e cruéis dados me mostravam.

Para isso, chequei a origem de todas as bandas de metal das quais tenho ao menos um cd. O número de cds por banda não foi considerado, então a discografia completa do Black Sabbath pesa o mesmo que aquele único cd do Anasarca que eu só ouvi uma vez (as três primeiras músicas). Foram incluídas as bandas que estão nos "limites" do metal e que alguns poderiam questionar a inclusão, como Rammstein e Motorhead. Demos (perdão, bandas de amigos!) e músicas avulsas não foram consideradas, apenas álbuns completos e EPS.

Logicamente, há grandes problemas nessa amostragem: ela reflete parcialmente meu gosto pessoal por determinados sub-gêneros e, como veremos adiante, o país de origem tem grande influência no subgênero. Mas, com eu tenho uma tendência a ir atrás de várias bandas mais comentadas apenas para conhecer, esse erro é um pouco diluído. O dia em que eu publicar na Science, me preocupo mais com isso. Digo "parcialmente" pois tenho uma grande quantidade de discos de bandas dos estilos tradicionais estadunidenses, pega de um amigo, mas que ouço muito pouco.

De um total de 377 discos, obtivemos 122 bandas, divididas entre:

1º - Estados Unidos (22 bandas)
2º - Suécia e Inglaterra (18 bandas)
4º - Noruega (17 bandas)
5º - Finlândia (11 bandas)
6º - Alemanha (10 bandas)
7º - Brasil (5 bandas)
8º - Itália (4 bandas)
9º - Dinamarca e Áustria (3 bandas)
11º - Holanda, Israel e Suíça (2 bandas)
14º - Grécia, Portugal, Austrália, Rússia (1 banda)

O que vemos é que os Estados Unidos é o país com maior número de bandas. Tal resultado não é tão surpreendente, levanto em conta o tamanho e a população dos EUA. Proporcionalmente, a Inglaterra e os países escandinavos apresentam uma concentração maior de bandas. Em matéria de continentes, a Europa domina, com 74% das bandas. Nos outros quatro continentes, apenas um país possui bandas: EUA na América do Norte, Brasil na América do Sul, Austrália na Oceania, Israel na Ásia (há a Rússia, que poderia contar para a Ásia e Europa) . Os africanos sofrem pela falta de energia elétrica para plugar as guitarras, continuando apenas com tambores.

Há uma clara concentração local de sub-gêneros. Os EUA despontam como pólo do trash (a honrosa exceção) e do "metalcore" (a modinha do momento). A Inglaterra possui muitas das bandas clássicas do heavy "propriamente dito". A Suécia é forte no death metal, particularmente a vertente melódica. A Noruega apresenta uma tendência ao black metal, também com grandes expoentes do gothic. A Finlândia apresenta diversas bandas de folk, que usam elementos da música tradicional do país. Se eu ouvisse mais metal melódico, é provável que a Alemanha estivesse melhor representada.

Eu esperava uma quantidade menor de bandas americanas, mas acabou que os EUA foram o país mais representado. Como citei antes, parte disso se refere aos discos dos sub-gêneros típicos do país (em particular o tal do "metalcore"). Por outro lado, talvez seja o país que apresenta maior diversidade de bandas, tendo representantes de vários gêneros, como death, prog, melódico e black.

O uso da língua inglesa transcende a influência atual dos EUA. Esse uso parece mais ligado ao uso dela como "língua universal". Efetivamente, muitas bandas que cantam em inglês não chegam a atingir o mercado estadunidense. Mas, afora aquelas que usam a língua nativa ocasionalmente em algumas músicas, há diversas bandas que cantam predominantemente em sua língua, particularmente da Alemanha e da Escandinávia.

Sem dúvida, o metal é um estilo dos países do hemisfério norte. É um típico fenômeno da sociedade desenvolvida ocidental. Realmente, se sabe que o único pólo significativo do metal fora do primeiro mundo é o Brasil. E, mesmo assim, as bandas nacionais são mais bem conhecidas lá fora do que no próprio país, como o Angra, o Krisium, o Sepultura e diversas outras. As explicações para isso podem ser sociais, econômicas, históricas e até biológicas (há quem cite a influência do clima frio e dos longos invernos na tendência escandinava para os sub-gêneros mais melancólicos, obscuros e extremos do metal).

De qualquer modo, o que dá para concluir é que um dos benefícios da ágil troca de informações de um mundo globalizado é ter contato com produtos culturais (de lixos a luxos) de sociedades completamente distintas da sua própria. Alguns podem condenar isso como perda de identidade cultural. Eu já penso que é um modo de assimilar diversos traços culturais em uma personalidade própria. E, felizmente, não precisar depender de pagode, axé e funk para satisfazer as necessidades musicais...

sábado, 1 de novembro de 2008

Recomendações musicais

Sem assuntos literários para abordar, vão aí umas dicas de bandas para quem gosta de sonoridades diferenciadas.

A primeira é nacional, e não é o tipo de banda que vocês me imaginariam recomendando. Mas o Móveis Coloniais de Acajú chamou minha atenção de um modo inesperado, desde que um amigo em BH me apresentou ano passado. eu não costumo gostar muito de incursões de bandas de rock pelo mundo da MPB (não por causa da combinação, mas porque me soa pretensioso e mal-feito). Mas os Móveis, com seu samba-rock-ska-salsa-etc., parecem diferentes. Talvez porque, mesmo as músicas sendo muito bem feitas, há uma certa dose de escracho no modo como são executadas (a primeira faixa do disco - "Perca peso" - é o melhor exemplo disso). Ajuda em muito o vocal de André Gonzáles, destaque da banda. E dá-lhe corneta com guitarra, junto com letras bem-humoradas e bem escritas.

Dá para baixar as músicas do primeiro disco da banda ("Idem") no site oficial da banda. Mas, se não quiser ter o trabalho de baixar uma a uma, têm várias opções de download aqui.


A segunda dica é para quem gosta de coisas mais pesadas. não necessariamente só metaleiros, mas qualquer um que não tenha alergia a um som um pouco mais potente. Nos últimos anos, eu tenho estado em busca de sonoridades diferenciadas dentro do metal, descobrindo uma diversidade da qual não tinha nem idéia (notadamente dentro do rótulo "folk metal"). E ontem tive acesso a uma banda alemã que não faz folk, mas mesmo assim combina mais elementos em seu som do que qualquer outra banda que eu já tenha ouvido. É o Die Apokalyptischen Reiter (saúde!).

Ouvi o disco "Riders on the storm" (nada a ver com The Doors aqui) e digo a vocês, isso é bom, MUITO bom. A base do som é um metal rápido, com diversas passagens extremas, mas sem poder ser chamado de death. Há uma infinita mudança de andamentos, muitas inesperadas, outras previsíveis, mas sempre funcionando muito bem. E, música a música, novas coisas vão surgindo. Uma hora é um clima pomposo regado a violinos e um toque folk. Outra hora são cornetas desafinadas precedendo uma explosão rock-hardcore a la Motorhead. Em outra são violões acústicos quase lembrando uma bossa nova (!). A criatividade dos caras é algo incrível, um metal sem fronteiras e nunca se tornando cansativo (as faixas são curtas e acessíveis). Não vai assustar muito quem não gosta de metal extremo, pois os vocais brutais são relativamente esparsos. Por sinal, o vocalista é um puta destaque: passando por vocais limpos que lembram Rammstein, vocais roucos tipo Motorhead ou o clássico gutural extremo, o cara manda muito bem em todas as abordagens. Ajuda muito que a maioria das músicas é cantada em alemão, a melhor língua para a música pesada, junto com o inglês.

Não é uma banda especialmente fácil de achar material, mas vocês podem encontrar algumas opções de download aqui. Recomendo o "Riders on the storm" primeiro, pois também ainda não ouvi os outros... Mas o "Samurai" também é bem cotado.

Para aqueles que gostam de explorar o que há de diverso e diferenciado no mundo da música... divirtam-se!