domingo, 11 de setembro de 2011

A Maravilhosa Cozinha dos Solteiros Solitários V

Prato do dia: Capeletti de carne com molho de tomate, manjericão e gorgonzola.

Ingredientes:

1 Pacote de capeletti com carne pronto
1 Pacote de Molho de tomate com manjericão pronto
Gorgonzola. Pronto, obviamente.

Modo de preparo:

Siga as instruções das embalagens. Misture tudo. Coma.

Dica: troque o gorgonzola por parmesão para fazer um delicioso capeletti de carne com molho de tomate, manjericão e parmesão.


Hoje em dia é tão fácil ser gourmet...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O fim é no começo

Vinte e nove horas e quatro vôos depois estou de volta à toca. De Creta a Atenas, de Atenas a Munique, de Munique para Guarulhos, de Guarulhos para Floripa (com direito a atraso de duas horas na partida, porque o tempo ruim tinha fechado o aeroporto daqui). Se ontem (anteontem... tou meio perdido) eu estava tomando sol na praia, agora sou recepcionado pelo adorável clima do agosto sulista.

Então, com jet lag, vacation lag e weather lag, hora de contar como foram os últimos dias e algumas considerações gerais da viagem. Bora lá.

Heraklion

Escrevi o nome da cidade, em vez de “Creta”, porque a ilha é grande pra cacete. Com 200 km em seu maior eixo, tem uma área onde caberiam 16 Ilhas de Santa Catarina. Mesmo assim, tem uma população de apenas 600 mil habitantes, o que lhe dá um clima bucólico de uma grande ilha parada no tempo, salpicada de vilarejos. Entretanto, também não tem nenhum super sistema de transportes desenvolvido, tudo depende de ônibus e as regiões menores não tem muito suporte de inglês. Assim, Creta exige um empenho maior para ser bem conhecida (um carro alugado é o ideal). Estando em fim de viagem e já meio sem gás, fiquei apenas nas proximidades da cidade principal, Heraklion (ou Iralkion).

Comecei o meu primeiro dia indo para o lugar que tinha me trazido até ali: as ruínas do Palácio de Knossos, centro principal da primeira civilização avançada da Europa. Além da antiguidade, o lugar é realmente legendário, sendo a residência do mítico Rei Minos e, possivelmente, a origem do Labirinto do Minotauro. Por isso que a civilização cretense que ali se formou, mais ou menos entre 2300 – 1400 a.C, é chamada de minoana ou minóica. Rodrigo e Fábio, antes que me perguntem: não, o palácio não era de bronze e não encontrei nenhuma armadura do capeta no interior do labirinto. Mas bem que procurei!

Pedindo explicação para o pessoal do hotel (que era muito bom – o hotel, não o inglês dos hoteleiros), peguei o ônibus que vai até lá, distante uns cinco quilômetros do centro. Entrando, a sensação que senti foi um pouco estranha, semelhante à de Notre Dame após a Berliner Dom. Visualmente falando, não impressiona tanto quanto as ruínas mais colossais de uma Roma ou mesmo Atenas. Mas estamos falando de locais mais de mil anos mais novos que Knossos. Quando você mentaliza o salto enorme do tempo que se dá ao andar em Knossos, fica impressionado com a civilização que construiu aquilo ali.

Mas não ache que o lugar é pequeno, longe disso. São aposentos e mais aposentos dos quais restaram apenas ruínas esparsas. O arqueólogo que as descobriu, no começo do século passado, também fez uma grande restauração de alguns trechos. Se por um lado ele foi criticado por não ser muito fiel e deixar a imaginação rolar em alguns pontos, por outro dá uma pequena noção do que deveria ser o palácio na época. Segundo o livro-guia que comprei, o palácio completo tinha 1500 aposentos (achei esse número exagerado, tenho que conferir em outras fontes). Não é à toa que a lenda o transformou em um labirinto.

Ao caminhar por lá, efetivamente você se sente num labirinto, mais exatamente como o Pac Man correndo de um lado para o outro fugindo dos fantasmas. Só que, neste caso, os fantasmas são os infinitos grupos de visitas guiadas que lotam cada ponto de destaque, lhe obrigando a fazer malabarismos para conseguir ver as coisas direito. Considerando que já era final de temporada, penso que visitar o palácio durante o pico do movimento seja um inferno, pois não é um lugar tão grande assim para a quantidade de pessoas que recebe.

Após um par de horas ali e tomar o suco de laranja mais caro do universo (4,5 euros por 300 ml!), voltei ao centro para dar uma passada no Museu Arqueológico de Creta. Tendo a fama de ser um dos grandes museus da Grécia, ele na verdade se encontra fechado para reforma (eu já sabia disso), mas organizaram uma pequena exposição com as peças mais famosas da civilização cretense. Foi legal ver várias peças “pop” da arqueologia, sempre impressionado com a habilidade manual que produziu peças tão antigas.

Ainda com bastante tempo, rumei para a beira do mar, onde existe uma fortaleza veneziana da idade média (os venezianos ocuparam a ilha por muito tempo, construindo inclusive uma muralha que cerca todo o centro de Heraklion, de pé até hoje). Achei que tinha algum tipo de visitação, mas só dá para olhar ela por fora. Aproveitei para encarar a longa caminhada pelo quebra-mar que protege o porto, com seus dois quilômetros de extensão, e que parece ser bem usado pelos locais para caminhadas e passeios de bicicleta. Voltei pelos calçadões à beira-mar deles, apreciando o céu absolutamente limpo e o mar absolutamente azul, aproveitando no caminho para jantar uma deliciosa sépia grelhada (“cutlefish”, ponha no Google para saber).

Meus últimos dois dias foram em marcha bem lenta. Não senti mais aquele compromisso todo de conhecer mil coisas (tem muitos sítios arqueológicos importantes em Creta, mas mais distantes de Heraklion). Resolvi apenas relaxar para fechar as férias. No sábado, acordei bem tarde. Saí de tarde para comer e, para desencargo de consciência, passei no pequeno Museu de História Natural que eles possuem. Sem grandes novidades, mas sempre é legal ver uns fósseis e uns lagartos vivos em aquários. Dalí fui a outra das várias tabernas à beira mar que lá existem. O nome é bem mais sexy do que parece, são apenas bares / restaurantes à beira mar com um nome diferente. Meu almoço foi com um não menos delicioso polvo grelhado, me lembrando que o lugar onde mais comi frutos do mar nos últimos tempos foi a Grécia. É porque lá eles não ficam apenas na sequência de camarão super cara, então você pode comer esses bichos diferentes por um preço normal. Nada mais fiz naquele dia, que contou como “férias das férias”.

No domingo programei para fechar a conta com um belo dia de praia, mas não queria simplesmente ir lagartear na areia. Tinha visto na frente do forte veneziano uma barraquinha vendendo passeios para Dia, uma pequena / média ilha a sete quilômetros de Heraklion. Então para lá rumei no domingo. Ao chegar, dez da manhã, vi só um tiozinho sentado na barraquinha, vendo a vida passar. Não queria me meter em fria no último dia, então sentei a uma certa distância e esperei para ver se alguém mais se candidataria ao passeio. Dez minutos, vinte minutos, meia hora... Foi aí que apareceu um primeiro casal aparentemente interessado (ou deveria dizer cooptado, pois foram trazidos de carro pelo capitão do barquinho). Quando eles saíram, perguntei se iam no passeio e eles confirmaram. Bem, sozinho eu não estaria, então fui comprar o bilhete. O preço era um pouco salgado, mas incluía o almoço, e na hora que eu estava ali duas gatinhas australianas foram cooptadas pelo capitão também. Então lá fomos nós.

No fim, mais uma família e um neozelandês perdido se juntaram a nós e nove pessoas subiram a bordo do pequeno barco, junto com o capitão e o tiozinho da barraca, que era seu imediato (os dois bem simpáticos). Partimos para a pequena jornada de uma hora entre o porto e a ilha. Nos primeiros quinze ou vinte minutos, todos empolgados e risonhos com as ondas que faziam o barquinho subir e descer como se fosse montanha russa. Com o tempo, todos ficando progressivamente bodeados. Tive que usar a estratégia de manter os olhos fixos no horizonte para agüentar alguns momentos mais revoltos. Se alguma vez pensei em virar marujo, preciso especificar: “de um barco grande”.

Mas finalmente chegamos numa ilha que não tem simplesmente NADA. Ok, tem alguma coisa: uma antiga taberna abandonada (que fez o favor de deixar as cadeiras de praia e alguns poucos guarda-sóis funcionais para a posterioridade), meia dúzia de árvores plantadas, uma igrejinha e outra meia dúzia de habitações abandonadas espalhadas. Fora isso, apenas areia, rochas, duas espécies de plantas espinhentas e muitas moscas. Mas as horas gastas na pequena praia de areia onde ficamos foram muito boas, em uma paz total. Fazer mergulho com snorkel naquelas águas extremamente límpidas é demais e eu poderia ficar dias só explorando aquilo, nadando lado a lado com dezenas de espécies de peixes nas rochas.

Quando andei pelos ermos da ilha, filmando e fotografando, e me deparei com aquela meia dúzia de casas abandonadas, de repente tudo ficou claro para mim. Pensei no nosso grupo de onze pessoas, que incluía o capitão experiente que morre cedo, o galã (eu, claro), a gostosa que também sempre morre, sua amiga um pouco menos atraente mas que fica com o mocinho, o gordinho atrapalhado, o velho estrangeiro misterioso, uma família normal de pai, mãe e filha... É claro que eu estava em um filme de terror e nas casas abandonadas se escondiam os zumbis que iriam nos matar e devorar a todos. Por isso haviam tantas moscas, atraídas pelos mortos vivos, e minha câmera seria encontrada posteriormente com as cenas reais da tragédia. Assombrado com esta revelação, fiz o que um herói sensato faria: desci até o barco para pegar mais uma cerveja e me conformar com meus últimos momentos de vida.

As horas que tínhamos se passaram rapidamente (incluindo um bom almoço preparado pelo capitão) e nenhum ataque zumbi aconteceu, então rumamos de volta para o porto (desta vez com um Dramin na cabeça). O passeio foi muito legal, mas curto demais (saindo às onze e meia e voltando às cinco, tivemos pouco mais de três horas para aproveitar a ilha). Fui direto para o hotel tomar um banho e saí depois apenas para o último jantar à beira mar, já cabeceando com aquele sono irresistível que praia causa, e dormi bastante até sair para o aeroporto hoje.

Como fica minha impressão da Grécia após estes seis dias lá? Vou parecer exagerado se eu falar algo como “o país mais bonito do mundo?”. Ok, vou manter a humildade, sabendo que minha carreira de viajante ainda é muito curta, e ficar com “o país mais bonito que já visitei”. Lá você encontra lado a lado as paisagens paradisíacas à beira mar, uma história milenar e uma cultura riquíssima, que sempre foi característica da Grécia por sua geografia, pontilhada de ilhas e cidades-estado independentes. A estrutura turística é excelente e é mais fácil se virar lá com inglês do que em grandes capitais como Paris ou Roma. Também os gregos são bem menos chatos ao pular em cima dos turistas do que os italianos (pelo menos por onde passei não tive problema algum) e as entradas / hotéis / restaurantes não são um assalto como em Paris. Em resumo, é um país que coloco muito alto na minha lista de prioridades para uma próxima viagem, possivelmente tendo carteira de motorista e passeando pelas cidades históricas do continente, além das várias ilhas ainda a conhecer. Espero realmente que eles consigam superar a crise e continuar sendo um país excelente para visitar. Afinal, é disso que eles vivem!

Ah, claro, ainda falta falar da última cidade que visitei...

Munique

Checagem de passaporte e interrogatório. Aeroporto gigante. Guardinha da emigração me olhando feio. Devo ter cara de bandido. Fim.

Resumo da ópera

Bem, e o que posso tirar destes 34 dias fora indo de um lado para o outro? Aprendi demais e vi muito mais coisas que a cabeça poderia assimilar de uma vez só (embora, quando releio o modo como escrevi aqui no blog, algumas coisas pareçam mais legais do que realmente foram). Foi minha escolha fazer este turismo histórico, com foco em museus e sítios arqueológicos, devido à minha paixão pelo tema. Acredito que os apaixonados por arte ou por baladas também aproveitariam tanto ou mais, mas claro que seus roteiros seriam diferentes. Viajar sozinho tem a vantagem de você ir para onde quiser e ficar o tempo que quiser, e me virei perfeitamente bem assim. Por outro lado, uma parceria sempre dá mais de graça, tanto para as visitas quanto para sair e tomar uma cerveja. É ruim não poder conversar sobre o que está se vendo, ainda mais sendo um cara com eu, que não faz amizade em cada hotel que passa. Mas poder escrever e compartilhar com quem acompanhou aqui pelo blog supriu um pouco desta “carência”.

Sobre viajar por conta própria, acredito que ninguém deve ter medo disso, pelo menos na União Européia. Você não vai ser preso por alguma coisa bizarra como andar com os pés aparecendo ou tomar uma cerveja num feriado religioso. O máximo que vai acontecer, quando alguma coisa dá errado, é gastar um dinheiro a mais. É preciso certa iniciativa e independência para dar conta, mas, depois de se desesperar na primeira máquina de comprar tíquete, você logo pega o ritmo. Com a internet, dá para descobrir tudo e toda cidade onde passei tinha um mapa turístico disponível de graça. O problema da internet é que todo lugar apresenta suas atrações como a oitava maravilha do mundo e pode ser difícil selecionar o que ver. Nestas horas os guias de viagem ajudam MUITO, pena que eu só tinha de Berlim e Paris.

Certamente quem viaja com pacote tem uma “eficiência” maior (ou seja, consegue ver mais coisas no tempo disponível) e não perde algumas coisas por falta de conhecimento, como aconteceu algumas vezes comigo. Entretanto, fazer as coisas no seu ritmo e poder entrar em um lugar e sair de lá só quando quiser é uma imensa vantagem. Sei que eu poderia ter aproveitado mais o tempo, mas se tivesse que acordar cedo todo dia para ir conhecer algum prédio velho, provavelmente ficaria mal humorado em poucos dias. Viajar por conta também pode sair muito mais barato, com o preço parecido ou mais caro que os pacotes, depende apenas de como você quiser se organizar. Eu escolhi pegar hotéis em vez de albergues e não procurar sempre os lugares mais baratos para comer, então a minha conta certamente ficou mais alta do que daria para fazer. Fica a critério de cada um, de acordo com seus gostos pessoais e suas condições financeiras.

Sobre viajar por trinta e poucos dias seguidos, também varia de pessoa para pessoa. Tem gente que consegue ficar os três meses que são possíveis viajando. Outros cansam depois de uma semana. Eu não reclamaria de uma pausa no meio, se teletransporte existisse (e não fosse caro como avião). Em Paris estava um pouco cansado. Talvez devesse ter tirado um dia de férias de férias àquela altura. Mas Roma e Grécia foram tão legais que o ânimo voltou. Os últimos dias em Creta, mais em esquema de “férias” do que de “turismo”, foram bem relaxantes e eu estaria pronto para encarar mais algum tempo de viagem. Quando você fica muito tempo no mesmo esquema museu / monumento / sítio, o negócio vai saturando aos poucos. Após um certo momento, todos os cacos de cerâmica parecem iguais, não importando se são de 5000 ou 500 a.C. É bom ter um programa mais variado para aproveitar mais, e não ficar o tempo todo com aquele “compromisso” de conhecer coisas novas.

Resumo do resumo

Melhor momento: Wackeeeeeennn!!!!!

Outros momentos de destaque: Castelo de Heidelberg (a primeira ruína a gente nunca esquece), Zoo de Berlim (o primeiro lobo também), Coliseu, Acrópole de Atenas, ilha deserta de Creta... e mais um monte!

“Menos melhor” momento: Paris (foi muito legal do mesmo modo, só que foi o único lugar onde o fator “temporada” pesou).

Lugares para voltar logo: Grécia, Wacken.

Lugares para não voltar tão cedo: as cidadezinhas pequenas que você conhece em um dia (Göttingen, Heidelberg – mas Goslar até rolaria) e Berlim (amei a cidade, mas meu tempo lá foi suficiente para ver as coisas que eu mais queria).

A conta (para quem quiser ter uma idéia dos custos): passagens Brasil-Europa (1000 euros), hospedagem (1184 euros – lembrando que durante uma semana não fiquei em hotel), todo o resto (2148 euros), incluindo transporte interno (cerca de 600), ingresso do Wacken (186), bagulhos que eu trouxe (cerca de 150), comida, cerveja, entradas e tudo mais. Total: 4332 euros, cerca de dez contos.

Palavra final: e que venha a próxima!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Navegando na História... e no Egeu!

Como o usual, escrevi durante as baldeações entre destinos. Com a diferença de que desta vez estava em um baita barco de cruzeiro indo para meu último destino, Creta. Então, com um chope de um lado e o Mar Egeu do outro, vamos lá.

Atenas

Minha viagem para Atenas foi bem tranqüila, com uma boa companhia aérea (Aegean). Chegando ao aeroporto, peguei o trem / metrô até o centro, o que demora um bom tanto, pois a viagem é longa. Logo cheguei ao meu hotel que, embora tendo aberto recentemente e com alguns problemas (wireless que não funcionava no quarto, frigobar vazio por falta de licença para venda de bebidas), tinha uma ótima estrutura. Tudo era novo e a cama, uma das melhores que já dormi. Como aqui o fuso horário avançou mais uma hora, já era noite avançada e apenas pedi para entrega um prato excelente de broto de bambu, camarões enormes e três tipos de cogumelos, e fui dormir.

O dia seguinte foi um dos melhores de toda a viagem: o passeio pela parte antiga de Atenas. Aproveitei o fato de este ser o meu primeiro hotel com café da manhã incluído para dar uma forrada (todos os outros tinham, mas pagava separado – e caro!). O hotel ficava bem perto e com dez minutos de caminhada eu já estava à beira da Acrópole. No caminho, passei no Templo de Zeus Olímpio, que já foi o maior de Atenas, mas agora não passa de meia dúzia de colunas ainda de pé. Ali comprei um tíquete integrado para quatro dias que permite entrada nos sítios mais importantes.

Na Acrópole, rodeei toda a colina fortificada, vendo as ruínas anexas, e depois subi até o topo, onde apenas três edificações se mantêm de pé: o portão de entrada, um outro templo e o todo famoso Partenon. Embora fosse onze da manhã e o dia estivesse muito ensolarado, não fazia calor, pois venta muito em Atenas (e lá em cima o troço é forte para valer).

Dali, passei à Antiga Ágora, o antigo mercado onde também ficavam muitos templos e outras edificações da antiga cidade (parecido com o complexo da Colina Palatina), incluindo o Templo de Hefestos, talvez o que tenha se mantido em melhor estado de todos os templos gregos. Fiz uma pausa no pequeno Museu da Ágora, pois o sol estava forte e, mesmo sem sentir muito calor, estava pegando um torrão. Refrescado, fui para a colina vizinha à Acrópole, onde se sobe por trilhas até um monumento romano no topo. Não tem nada de especial além de andar pela agradável floresta de pinheiros e ter uma bela vista, mas vale a pena.

Estes sítios arqueológicos gregos estão em um estado bem pior que os de Roma, por terem sido devastados pelos próprios romanos no século I a.C. e, logicamente, por serem vários séculos mais antigos. Você frenquentemente vê apenas restos de fundações e uma ou outra coluna de pé. Mas, por algum motivo, achei a visita mais legal. Talvez por conhecer e curtir mais a Grécia Antiga, e por sentir todo o clima e a força daquela terra milenar onde boa parte da cultura ocidental nasceu. Os lugares também estavam bem mais tranqüilos, com não muita gente, por ser final de temporada, o que dava uma tranqüilidade maior para imergir na atmosfera ancestral.

Findas as andanças, fui para o novo Museu da Acrópole, ali do lado. Eram quatro da tarde e aproveitei para almoçar no museu. Pedi no escuro um prato que parecia diferente, só para descobrir que “eggplant” nada mais é do que... berinjela! Quanto a isso, só posso dizer que a salada estava muito boa...

Gastei o resto do tempo conhecendo o museu que, por toda a falação que eu tinha ouvido sobre sua construção, achei que era maior. Na verdade, tem uma exposição de peças relativamente pequena. No fim, achei isso legal, pois foi possível prestar mais atenção em cada coisa, do que ficar naquela corrida louca para conhecer tudo, como nos museus enormes de Paris e Berlim. Saí com o fechamento do museu, oito da noite. Parei em um calçadão cheio de restaurantes para jantar um delicioso prato de lula à doré (para compensar a berinjela...) e voltar para o hotel. Foi um excelente dia, mas acho que a melhor estratégia é ir primeiro no museu, evitando o sol mais quente e aprendendo várias coisas para em seguida observar in loco na Acrópole.

Durante o café da manhã do dia seguinte, conheci alguns brasileiros que também estavam no hotel. Uma brasileira tinha o mesmo programa que eu, ir conhecer o Museu Nacional de Arqueologia, então fomos juntos. Pegando o metrô e caminhando um pouco pelo centro “de verdade” de Atenas (estilo cidade brasileira), chegamos ao Museu. Aquele sim tem uma grande coleção de peças, incluindo algumas “pop stars”, como a estátua de bronze em tamanho humano de Zeus (ou Posêidon) e peças de tumbas micênicas de uma antiguidade e riqueza impressionante (ouro até dizer chega).

Saímos dali no começo da tarde e aproveitamos para almoçar muito bem no restaurante de um hotel no caminho (um oásis de tranqüilidade no centro zoado). Pena que só ali descobri ter em Atenas um Museu da Guerra, incluindo armamentos medievais e da Antiguidade, que muito atiçam meu lado nerd. Só que é um dos museus que fecha às 16:00, então não dava mais tempo. Depois do almoço, nos separamos, pois eu iria para uns lugares onde ela já tinha passado.

Os outros sítios arqueológicos por onde passei era menores e mais pobres, aonde você chega, dá uma olhada e logo dispara. Estes são o Kerameikos (incluindo o mais antigo cemitério grego ainda preservado e ruínas dos portões e muralhas da cidade), a Biblioteca de Adriano (construída pelo imperador romano homônimo) e a Ágora Romana (o lugar que os romanos construíram para substituir a antiga). No caminho, procurei por alguma igreja ortodoxa legal para conhecer, mas todas estavam fechadas. A catedral principal deles estava aberta, mas está totalmente em reforma e não dá para ver muita coisa além de andaimes.

Como o guardinha do metrô não me deixou entrar com uma garrafa de cerveja, voltei caminhando sossegadamente pelo terreno da Acrópole. No hotel, minha calmaria foi prejudicada por descobrir que, por algum motivo misterioso altamente idiota, eu tinha reservado o barco para sexta feira, em vez de hoje. Tentei alterar por telefone, mas tudo o que a moça falou foi para ir no outro dia 8:30 da manhã na agência do porto para tentar um encaixe (o horário original era 12:00).

Imediatamente minha mente começou a procurar argumentos. Parecia que o do meia dia já estava lotado (e eu não queria acordar cedo). Também parece que o preço aumentava em cima da hora e teria que pagar a diferença (e eu não queria acordar cedo). Tinha outra empresa com um barco às 11:00 por um preço parecido (e eu não queria acordar cedo). E se eu cancelasse lá no porto até 24h antes (ou seja, até meio dia de hoje), eles retornariam 50% do valore (e eu não queria acordar cedo). Então, comprei o outro e deixei para cancelar antes de subir no barco (e não precisei acordar cedo).

Hoje, peguei o metrô para o porto de Pireu, sem ter muita idéia de como funciona o esquema dos barcos. Na confirmação da compra, não tinha nenhuma viadagem de ter que chegar horas antes ou algo assim, então planejei ir com alguma folga. Que se tornou quase nenhuma folga pelas enroladas na cama e conversas com os brasileiros no café. Desci na estação faltando meia hora para a partida, só para dar de cara com um porto imenso e o meu barco lá do outro lado. Caminhando o mais rápido que as malas me permitiam, consegui chegar e embarcar, faltando menos de dez minutos para a saída. Só que não rolou de fazer o cancelamento na outra empresa. Ainda demorei para entender o que estava acontecendo e dei várias voltas por corredores intermináveis até achar um lugar para deixar as malas. Então pude sentar no convés e relaxar, tomando um chope e admirando a linda paisagem em um dia totalmente ensolarado. A viagem de sete horas foi tão boa, relaxando no barco com aquele marzão azul e uma paz enorme no convés, que conta mais como passeio que como baldeação.

Atenas é um lugar maravilhoso de conhecer, e a Grécia, com todas as suas ilhas e cidades continentais antiqüíssimas, merece uma viagem por si só. Não se preocupe com aquilo que aparece na TV: eles estão em uma crise feia mesmo, e tem muitos lugares fechados e gente desempregada, mas a estrutura turística não foi afetada. Afinal, é disso que eles sobrevivem. Foi a cidade das que eu passei que mais está preparada para receber gente de fora. Em todos os lugares turísticos as pessoas falam inglês bem, e todos os museus e sítios têm textos completos nesta língua (ainda bem, pois o alfabeto deles usa símbolos diferentes do nosso, ou símbolos iguais representando fonemas diferentes). Apenas é bom checar antes os horários, pois a maioria das coisas fecha às oito da noite, mas alguns museus já às quatro. Ficar perto da Acrópole e de uma estação de metrô facilita bastante. Pelo que me falaram, o lugar costuma socar na temporada, mas no final de agosto está bem sossegado e o clima é excelente (não vejo uma nuvem há três dias e o vento não parou de soprar). Sem dúvida, um país para voltar no futuro... se ele ainda existir!

E ao chegar no porto de Creta , fui para o guichê da outra empresa choramingar para ver se ainda seriam bonzinhos de me dar meus 50%. A moça mal olhou para mim, cancelou e devolveu o valor integral em dinheiro. Sem que eu precisasse acordar cedo. Bem, acho que isso é o que se chama de EPIC WIN!


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quem tem paciência vai à Roma

Acabei de chegar na Grécia e, como o usual, usei o tempo de viagem para escrever. Vamos lá!

Roma

A empresa aérea que peguei para viajar de Paris a Roma (Vueling) é daquelas mais baratas o possível, com passagem a preço baixo, mas até peidar no avião deve custar alguma coisa. Nem barrinha de cereal com copo de Coca eles oferecem, tudo no carrinho de comes e bebes é cobrado. O limite de bagagem também era de apenas uma mala, o que me fez ter que realizar o Milagre da Multiplicação de Espaço para dar conta de tudo. Isso incluiu viajar de calça, tênis, um casaco no corpo e outro na mão.

Eu já tinha ouvido amigos chamarem a Itália de “o Brasil na Europa” ou até “a favela da Europa”. Efetivamente, minhas primeiras impressões de Roma não foram das melhores. Ao chegar até o aeroporto, a notícia de que as linhas de trem para a cidade não estavam funcionando, só rolava busão. Botando o pé para fora da porta automática, o bafo quente do verão mediterrâneo atacou com tudo, mesmo sendo cinco da tarde (lembram que eu estava viajando de casaco?). Na hora de pegar o ônibus, fila desorganizada com italianos folgados furando. Chegando depois de um bom tempo na estação central (com uma passagem na frente do Coliseu que já deixou todo mundo de boca aberta), bastou um segundo de hesitação no guichê automático para já aparecer outro italiano folgado dando uma “ajuda” e choramingando (literamente) por um trocado. Desci para a estação de metrô, que mais parecia um bunker de guerra (que já foi bombardeado). O sistema de metrô é bem simples: duas linhas, sendo que uma só estava funcionando pela metade. O trem chega e lota instantaneamente com uma multidão de pessoas. Quase igual a Berlim e Paris...

Descendo na estação próxima ao lugar onde eu ficaria, demorei um pouco a achar a rua exata, em meio a condomínios semi-fechados de prédios velhos. Por fim encontrei e peguei um elevador que deve ser outra relíquia dos tempos romanos, mantido em funcionamento por força de lei. Sobrevivendo à tortuosa e barulhenta subida, cheguei por fim à minha hospedagem, onde me esperava uma tiazinha que não falava um “oi” em inglês e não sabia operar a máquina de cartão. Deixando as coisas no quarto, parti sem rumo tentando achar um mercado em meio às ruas. Em uma avenida grande com várias pessoas passando, cruzo com um velhinho de paletó e gravata, pasta numa mão e pinto na outra, mijando no meio da rua. Consigo achar um lugar, compro os suprimentos para a semana e volto correndo para me esconder no quarto.

E aí, deu uma boa impressão? Pois é, imagina como deve ser encarar isso depois de três semanas em terras que são o topo da civilidade ocidental. Porém, bastou passar esse primeiro impacto para eu começar a sentir a cidade de verdade. E ser dominado por sua atmosfera.

Antes de tudo, um pouco sobre o lugar onde fiquei. Não é um hotel, mas algo que eles chamam de “guest house”, bem comuns em Roma. É na verdade como alugar por alguns dias um quarto em um apartamento coletivo. Não tem nada de recepção, camareira ou coisa assim. Você simplesmente é recebido, ganha as chaves e fica solto. Nesta em que fiquei, eram quatro quartos e mais uma cozinha / área comum. Era bem próxima do aticano e ao lado de uma estação de metrô (o que em Roma é MUITO importante, como vocês verão). O apê era novo e bem equipado, e o quarto muito bom, com banheiro privativo, ar condicionado e internet. Imaginem minha felicidade, usando a penúltima cueca e penúltimo par de meias limpo, ao abrir uma portinha e dar de cara com uma máquina de lavar. Nestes dias, poucas vezes cruzei com outros hóspedes e eles não pareciam usar a cozinha coletiva, portanto foi bom sentir um gostinho de estar “em casa” de novo.

No dia seguinte, tinha reservado (literalmente, comprando ingresso antecipado) o dia para visitar o Vaticano. Escolhi minha camisa de banda mais inofensiva e depois de uns dez minutos de caminhada, com o caldo (isto é, o fluxo de pessoas) engrossando, cheguei por fim à cidadela murada que constitui o Vaticano. Fui primeiro para a praça principal, por onde se entra para o maior colosso religioso do cristianismo (não do mundo). Ao ver a fachada da Basílica de São Pedro, nem parece uma igreja, porque é tão grande que de perto não dá para enxergar o característico domo. Quando você entra, o cérebro demora um pouco para captar o tamanho da coisa, mas vai por mim, é grande. E muito ricamente decorado, com afrescos e dourado por tudo quanto é canto.

Justiça seja feita, a Catedral de Berlim causa um impacto inicial maior, porque é constituída por um imenso aposento principal e logo quando você entra já é massacrado pelo domo. Já a Basílica tem formato de cruz e o domo fica na intersecção, então você vai absorvendo a coisa aos poucos (e sempre lembrando que ela é três vezes mais antiga). Eu diria que as duas ficam próximas no meu ranking de igrejas mais bonitas que já vi.

Depois de dar umas voltas por ali, incluindo o reabastecimento da minha garrafinha de água do São Paulo na fonte de São Pedro, fui para os Museus do Vaticano. Era para esses que eu tinha reservado o ingresso, mas nem estava tão ruim para quem não tinha comprado antes. Gastei boa parte do dia caminhando pelas coleções papais, que não incluem só coisas cristãs, mas um bom acervo de antiguidades egípcias, gregas e romanas (na Europa, parece que todo mundo tem uma coleção dessas). Isso inclui várias estátuas nuas e de deuses não-cristãos, o que não deixou de soar irônico para mim. Também neste passeio está a Capela Sistina, e é legal dar de cara com o afresco mais famoso do mundo (aquele de Deus e Adão tocando os dedinhos).

Para fechar o dia, fui para o Castelo de Santo Ângelo, que fica ali perto. Inicialmente um mausoléu para imperadores romanos, datado do século II d.C., sofreu sucessivas modificações ao longo dos séculos, principalmente pelos papas católicos. Ainda é possível caminhar pelo interior da parte romana, e o resto é aquela coisa de castelo: corredores, aposentos com algumas antiguidades, ameias, muralhas... Como cereja do bolo, um pequeno museu de armas medievais e renascentistas.

No dia seguinte, demorei muito a sair de casa, por pura enrolação. Neste dia, eu pretendia visitar a área arqueológica principal de Roma, o núcleo da cidade antiga. Chegando lá facilmente pelo metrô, fui direto ao Coliseu. Dei uma volta inteira pelo lado de fora, só para já ir babando diante daquela estrutura colossal (não é maior que um estádio mediano de futebol, mas novamente: é um estádio de dois mil anos!). Tão colossal quanto ele era a fila de entrada e o sol do meio dia que torrava a galera, então fui para a entrada da Colina Palatina e do Fórum Romano. O ingresso para todo o complexo (Coliseu / Colina / Fórum) é um só, com a diferença de que a fila ali é muito menor, pois todo mundo vai primeiro no Coliseu.

E é meio óbvio o porquê. Era uma da tarde quando consegui entrar, para caminhar por um sítio arqueológico imenso de restos de templos, prédios, arcos do triunfo e etc. Poucas sombras e sol a pino, digamos que atrapalha um pouco. Felizmente há várias fontes de água potável (toda a cidade está cheia delas) para encher a garrafinha e jogar água na cabeça. Pagar a taxa a mais pelo guia de áudio e mapa é muito importante, senão você se perde totalmente no meio das ruínas e fica sem saber o que realmente significa aquele pedaço de parede ou coluna solitária (e ainda assim é fácil se perder).

O sítio é muito rico e dá para gastar muito tempo ali dentro. O Fórum Romano concentrava os edifícios políticos e religiosos mais importantes da Roma antiga, então você encontra muitas ruínas (algumas monumentais) dos primeiros séculos a.C e d.C, e alguns edifícios bem preservados (porque viraram edifícios cristãos posteriormente). Já a Colina Palatina é o lugar onde Roma começou. Lá se encontram os resquícios mais antigos de ocupação na área, incluindo ruínas do tempo em que as lendas colocam como a época da fundação da cidade, no oitavo século a.C. Um pequeno museu mostra relíquias ainda mais antigas.

Depois dessas andanças por caminhos milenares (e com os pés de mendigo, com as Havaianas saturadas de poeiras milenares), comi um sanduíche qualquer numa barraquinha e rumei para o Coliseu. Ainda tinha fila, mas com o ingresso integrado na mão foi só ir direto para a entrada. Subi as escadas que levavam até o interior e, quando finalmente cheguei lá, um longo minuto de silêncio se passou, enquanto eu contemplava a visão. Como eu já falei, ele não é maior do que um estádio de futebol, mas a sensação de observar aquilo ali é completamente diferente. Com alguma imaginação (e tendo visto “Gladiador” umas dez vezes) dá para ver a multidão enchendo os vários níveis, enlouquecida com o espetáculo sangrento da arena. Esta se encontra aberta, mostrando os corredores inferiores por onde podiam sair as feras e os combatentes.

Depois de uma hora por lá, fui caminhar pela cidade vendo coisas aleatórias. Roma é uma cidade riquíssima e a cada esquina você dá de cara com uma praça ou construção monumental. Acredito que, se tivesse um guia turístico da cidade à mão, poderia aproveitar bem mais. Mesmo assim, a birra do primeiro dia já tinha passado e pude ver que, embora com vários problemas em comum, Roma não é São Paulo, no fim das contas.

De noite, em casa, fui programar o dia seguinte, procurando detalhes de como chegar nas catacumbas que queria tanto visitar. Só daí que vi que várias fechavam aos domingos. Claro, é um excelente dia para fechar um ponto turístico, certo? Ainda assim, das cinco que são disponíveis para visitação (de um total de dezesseis conhecidas, se não me engano), três abririam, então bora lá.

O caso é que as catacumbas não se localizam exatamente no centro, então tive que encarar o sistema de ônibus de Roma, que não fica nada a dever aos brasileiros em desorganização e demora. Comprei um passe que vale para viagens ilimitadas durante um dia, muito bom para quem pretende ir a vários pontos. Demorei bastante para chegar na zona da Via Apia, a estrada principal da Roma antiga. Seguindo a máxima do “segue o fluxo”, desci com mais uma penca de pessoas no ponto errado (e o motorista nem aí...) e tive que caminhar rápido e ainda choramingar um pouco para pegar a última visita em inglês antes do meio dia nas Catacumbas de São Calisto (depois, só de tarde). Um padre católico filipino gente boa falando em inglês (e viva a globalização!) nos levou por pequenos corredores do século IV d.C. (muito, mas muito mais antigos que os de Paris) onde os cristãos sepultavam seus mortos no período em que a religião ainda não era legalizada em Roma. Não é verdade que as catacumbas eram “o refúgio dos cristãos durante os períodos de perseguição”, mas foram usadas por muito tempo como cemitério subterrâneo. Além dos nichos (vazios, depois de ataques de bárbaros), há pinturas com cenas cristãs da época em que a igreja cristã nem tinha um cânone (a Bíblia só passou a “existir” no final daquele século).

O passeio é muito bom, pena que curto e corrido. Infelizmente as outras duas catacumbas que ficam na Via Apia são as que fecham nos domingos. Então eu teria que atravessar o centro para chegar nas outras. Junto com o grupo que tinha ido comigo, fiquei esperando mais de meia hora pelo ônibus para voltar. Peguei um ônibus que me levaria até outro ponto que queria conhecer, a Arquibasílica de São João em Laterano. Para os menos informados (como eu, até alguns dias atrás), a Basílica de São Pedro não é a igreja-mor do catolicismo romano. Este título pertence a São João, estabelecida no século IV d.C, quando o cristianismo foi aceito pelo império romano. É nela (que nem no Vaticano está) que oficialmente fica a cadeira do bispo de Roma (o bom e velho papa) e, por isso, ela recebeu o power título de “arquibasílica”.

Quando encontrei ela, achei que era bem meia boca. Mas, na verdade, era uma entrada lateral. A igreja mesmo é muito grande e imponente (mesmo sem chegar perto de São Pedro), embora quase nada tenha restado da igreja original do século IV. Há uma visita paga simples para se fazer no claustro interior dela, que na verdade não valeu a pena porque estava grande parte em reforma (mas ali dentro, no mais recôndito refúgio católico, existe... uma máquina de refrigerantes!). Vale pagar aqueles três euros porque assim você ganha o guia de áudio da igreja toda também, e ele possui momentos épicos, como a descrição de uma batalha entre o exército de Constantino (o imperador que legalizou o cristianismo no império) e o de Maxentius (seu rival ao posto de imperador), e hilariantes, como uma entrevista totalmente real com o próprio Constantino (sim, em pessoa!) onde ele fala que foi apenas um instrumento de Deus para consolidar a religião no mundo.

Depois desta visita, tive que procurar e esperar por mais um ônibus, pois o trecho de metrô entre São João e o terminal central é o que não está funcionando. No terminal central, engoli um McDonald’s rápido (depois de quatro dias sem, vejam só!) e fui atrás de outra catacumba, que diz a propaganda ser uma das mais importantes. Nisso já passava das três. O busão deu umas voltas estranhas e pulei fora quando achei que estava perto, tendo que caminhar um trecho ainda. Me perdi nas indicações e tive que andar um pedaço do caralho até perceber que estava na direção errada, e voltar tudo até finalmente estar diante da entrada do lugar. E encontrar a Folhinha Impressa da Perdição, implacável em seu curto texto: “As Catacumbas de Priscilla estarão fechadas até 28 de agosto para reparos de rotina”. Legal. Legal pra cacete. De que adianta olhar no site um dia antes, não é? Xinguei alto o diabo dos padres que cuidam dela e me resignei em caminhar mais um tanto até uma terceira catacumba, que era relativamente próxima. Daí rolou uma visita, o metaleiro maluco com mais dez tiozinhos religiosos (nenhum parecia ter menos de 50 anos). Curta, meia boca e sem novidades.

Nova espera longa pelo ônibus para voltar ao terminal central. Daí já era tarde e não dava tempo de mais nada. Ainda aproveitei meu passe ilimitado para ir parando em praças aleatórias durante o retorno de metrô, mas isso não conseguiu tirar da boca o gosto ruim (junto com o de um chá gelado com adoçante horrível que a máquina de bebidas me deu) de um dia mal aproveitado. As catacumbas certamente merecem uma visita, mas vá num dia diferente de domingo nas da Via Apia e deu.

Não pensei que eu fosse gostar de Roma tanto assim. Somando a quantidade de coisas disponíveis com o domingo ruim e minha preguiça em levantar cedo, ficou um gosto de quero mais. Nem vi os famosos Museus Capitolinos, os complexos arqueológicos das Termas de Caracalla e de Dioclesiano, vi só duas das quatro basílicas principais e só duas das cinco catacumbas... É uma cidade que, se eu passar novamente, terei muita coisa a aproveitar ainda. Quem sabe no futuro eu programe uma viagem mais completa à Itália e inclua Roma novamente. Fica a ver. Por enquanto, a única certeza que tenho é: as nossas pizzas são melhores que as deles!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A vida é uma fila

Cheguei hoje em Roma e já pude provar um pouco do gosto (não exatamente saboroso) desta cidade. Mas isso fica para depois, agora falarei como foram as aventuras de Félix, O Ogro, na Terra da Frescura.

Paris

Mais quatro dias se passaram, com mais uma enxurrada de informações na cabeça. Ela já está transbordando, e olha que ainda faltam duas semanas. Ainda bem que tenho as fotos e os vídeos para refrescar a memória. Contagem em 1409 até o momento. Fico pensando se algum dia terei saco para rever tudo...

Meu primeiro dia em Paris foi bem inútil. Banzo de sono da viagem de trem, cheguei cedo ao hotel e fiquei enrolando na net até o quarto ser liberado. Perto do meio dia a porteira abriu e deixei minhas malas lá. A barriga reclamava e perguntei para a atendente se tinha um restaurante aberto por perto. Ela me indicou um que, ao sentar, descobri que era de comida tradicional. Ou seja, com altos pratos e altos preços. Abracei o capeta e decidi ter uma baita refeição tipicamente parisiense. Entrada com escargot (são bons, mas não tem nenhum gosto marcante como camarão, por exemplo), prato principal à base de pato assado com mel (altamente bom) e sobremesa com um queijo especial (sobremesa salgada, claro) acompanhados de uma cerveja parisiense (desculpem, vinho não é comigo). Duas horas de refeição depois, saí do restaurante bem mais pobre e bem mais feliz.

No resto do dia, fiquei no hotel planejando mudanças para o resto da viagem. Percebi que, por mais que seja uma experiência diferente, para cada noite que eu passasse dividindo cabine em trem ou ferryboat eu perderia uma dia ficando podre depois. Então bora comprar passagens de avião, que felizmente não são caras aqui na Europa (na verdade, consegui passagens até mais baratas que os trens). Passando horas para achar e entender as regras de cada companhia, fazendo mais umas mudanças de roteiro e em reservas de hotel, acabei ficando até de noite nisso.

Não tive muito tempo de recuperar o sono, pois na segunda feira era dia de visitar o Louvre, e tinha ouvido histórias horríveis sobre filas quilométricas, pessoas morrendo de fome na espera e etc. Dá para comprar o ingresso antecipado online, mas como eu não teria acesso à impressora, não queria arriscar. Então acordei cedo e rumei para o museu, usando o sistema de metrô de Paris que é bem simples de entender e eficiente. Mas aqui não tem arrego, tem que passar o ticket na catraca senão não entra. Deve ser porque aqui as pessoas furam o sinal vermelho de pedestres o tempo todo...

Cheguei quinze minutos antes de abrir e já tinha uma fila considerável. Iniciei o Movimento Pelo Direito de Sentar, fazendo a fila virar uma curva para todos sentarem na beirada da fonte, mas logo a iniciativa foi abortada pelas autoridades repressoras, que parecem achar que uma fila curvada funciona diferente de uma fila reta. Felizmente, a demora quando abriu o portão foi curta e demorou só uns quinze minutos para entrar.

O Louvre é grande, muito grande. Em teoria é um museu de arte, mas possui um acervo
fantástico de antiguidades egípcias, gregas, romanas e do oriente próximo. Foi para essas que parti inicialmente, demorando a me achar nos confusos corredores, mas logo podendo curtir a exposição. Existem algumas peças “pop” no meio, facilmente reconhecíveis pela multidão que se aglomera ao redor delas, como o primeiro Código de Hammurabi a ser achado e a Vênus de Milo, também conhecida afetuosamente por Miss Talidomida. Também há um setor arqueológico onde pode-se andar por dentro das fundações da antiga fortaleza medieval que era o Louvre. Gastei a maior parte do dia nestas seções, e só passei atropelado pela seção de pinturas para dar uma espiada na Mona Lisa. Bem meia boca. A Vênus de Milo é mais gostosa.

Era meio da tarde e ainda dava tempo de passar no Museu de História Natural, que é bem mais complexo que o pequenininho de Berlim. O problema é que ele não é um edifício único, mas um conjunto de prédios temáticos, cada um com seu ingresso e seu horário de funcionamento. Tive tempo de ver bem só a galeria de paleontologia e anatomia comparada, o que já é mais do que suficiente para quem foi um viciado em dinossauros a infância inteira (ainda adoro, mas não acompanho mais de perto). Ainda gastei um tempo dando voltas no parque que abriga o museu antes de ter um chiquérrimo jantar no McDonald’s (o lugar onde mais comi nessas semanas) e voltar ao hotel.

Terça feira planejei para ser aquele dia onde se fica andando pela cidade visitando várias atrações que não exigem um compromisso tão grande de tempo, como um museu. Só não andei literalmente porque, como falei, o metrô aqui é muito conveniente e metade do preço do de Berlim. Minha primeira parada foram as catacumbas, um sistema de corredores subterrâneos com um ossuário onde foram colocados milhares (milhões?) de ossos dos cemitérios supersaturados de Paris, durante os séculos XVIII e XIX. Ali comecei a provar o gostinho de viajar na temporada.

Não cheguei muito cedo, perto de dez e meia, achando que, por não ser um dos pontos turísticos top, não teria tanto estresse. Sonho meu... A fila não era tão extensa assim, o que só engana. Pois, até você perceber que ela se arrasta lerdamente por uma espera de duas horas e meia, você já está na metade e não vai desistir aí. Pois é, já passava de uma da tarde quando cheguei à entrada da parada. Só querendo muito mesmo para agüentar...

O passeio mesmo é curto, mas extremamente legal. Nada de guias chatos e blábláblá sobre cada pedra no caminho, você compra o ingresso e se manda para os corredores por conta mesmo. Depois de algumas passagens obscuras e pontos com alguma coisa singular, chega por fim ao ossuário. E haja osso, meu amigo. São dezenas e dezenas de corredores cercados dos dois lados por pilhas de ossos até quase o teto. Junto com eles, algumas placas com indicações de origem ou escritos religiosos, que soam muito macabros naquele lugar. Como você se sentiria lendo o trecho do Apocalipse, “E ao toque da trombeta todos os mortos ressuscitaram, cercado por milhares de ossos? Se alguém tocasse uma cornetinha ali, ia ter nego enfartando na hora. No fim, o motivo pelo qual a fila é tão lerda (não mais do que 200 pessoas podem ficar ali dentro ao mesmo tempo) é um bênção, pois você frequentemente se encontra totalmente sozinho e sem ouvir mais que o som dos próprios passos enquanto anda pelos corredores. Isso enriquece demais a experiência.

Demora-se cerca de uma hora para andar por pouco menos de dois quilômetros de corredores. É um lugar muito legal de conhecer, mas é preciso chegar com antecedência. Esperar aquele tempo todo não vale tanto a pena. A demora me fez ter que correr mais rápido para ver as outras atrações do dia e trocar um possível almoço elaborado por... McDonald’s!

Das criptas parti para a Île de La Citê, o nome gay para a ilhota no meio do Sena onde Paris começou. Lá se encontra um dos símbolos máximos da cidade, a Catedral de Notre Dame, além de outros edifícios históricos. Meu objetivo era a Catedral e lá fui eu me deparar com uma nova fila serpenteando pela praça. Decidi primeiro visitar o sítio arqueológico que fica embaixo da praça (e que não tinha fila, milagre!), com vestígios dos tempos de dominação romana e da Idade Média. Depois, voltei para encarar a procissão. Notre Dame é grande e muito bonita, com certeza, mas acho que eu ainda estava meio anestesiado pelo impacto da Catedral de Berlim. A igreja alemã ganha na base da força bruta, pois é muito maior, e também possui um interior mais ricamente decorado. Para realmente sentir a força de Notre Dame é preciso sempre mentalizar que aquilo tem quase mil anos. Daí sim se percebe como é mais um feito impressionante patrocinado pelo poder da igreja católica medieval.

Não fique muito tempo em Notre Dame pois já era quase cinco horas e ainda dava para correr para outro destino programado para o dia, o Cemitério de Pére-Lachaise. Basicamente, um cemitério. Mas famoso pela grande quantidade de sepulcros monumentais e de algumas personalidades enterradas. Cheguei rapidamente e pude andar por cerca de 45 minutos pelas ruazinhas silenciosas cercadas de túmulos elaborados e antigos (os mais velhos sendo dos fins do século XVIII). Mesmo sendo um local bem famoso na alta temporada, ainda reinava lá um ambiente de paz e silêncio... sepulcral, é claro. Pena que tive pouco tempo, pois poderia gastar mais uma hora vagando pó lá. E não encontrei o túmulo de ninguém conhecido, embora não fosse um grande objetivo meu.

Seis da tarde, hora de rumar para o único destino turístico de Paris que fica aberto até de madrugada e mesmo assim sempre tem gente a dar com o rodo: a boa e velha Torre Eiffel, a Mais Famosa Construção Horrível do Mundo. Chegar até seu topo é uma saga por si só. Na parte de baixo, entre os quatro pilares, filas enormes se formam para pegar os elevadores. Não tenho idéia de qual o tempo da espera, mas deve ser cabreiro. O esquema é comprar o ingresso para subir pelas escadas. O primeiro andar é fácil de chegar e ali você paga quatro euros por uma bebida para agüentar o segundo, que cansa um pouco quem já ficou o dia todo andando, mas é tranqüilo. De lá, a vista já é bonita, mas você está a um terço da altura total. Só que ali, do segundo andar, a fila para pegar o elevador é bem mais sossegada. Ainda tem uma espera de meia hora, quarenta minutos, mas pelo menos você gasta esse tempo apreciando a vista. No elevador, o negócio lembra a torre do Beto Carreiro, você vai subindo, subindo, subindo pra cacete. Até fiquei esperando a hora da queda livre, que felizmente não veio. Lá em cima o espaço é bem pequeno, mas a vista é espetacular. Paris não é uma cidade de arranha-céus, então poucos edifícios sequer chegam perto da altura da torre. Algumas pessoas podem questionar se vale a pena o empenho, mas eu digo que, pelo menos uma vez, sim. Nem que seja para cumprir tabela.

Após descer da torre já era nove da noite (com o sol ainda alto, claro) e rumei de volta para o hotel. Foi um dia legal e bem aproveitado, embora tenha sido ruim ter perdido tanto tempo na fila das catacumbas.

No outro dia, fui visitar o Palácio de Versailles, que fica relativamente distante de Paris. Mas ainda assim é simples chegar lá de trem. Como eu tinha comprado o ingresso antecipado na internet, não me preocupei muito em chegar super cedo, já que “comprando antecipadamente no nosso site você evita filas!”. Sim, você evita a fila de 50 metros para comprar o ingresso e pode entrar direto na de meio quilômetro para entrar no palácio. E dá-lhe espera até entrar no Palácio em si, ali pelas onze e meia. Lembram quando falei que imaginava que Charlottenburg fosse uma versão menor de Versailles? É isso mesmo, mas no segundo caso você precisa prestar mais atenção aos cotovelos das outras pessoas do que à decoração em si. Sério, é o lugar mais saturado que conheci em Paris. Acompanhar a maré de pessoas que se arrastava pelos aposentos reais é parecido com andar na Oktoberfest no sábado do feriadão.

Depois de umas cinco salas, vi que aquilo não ia render, pois não estava conseguindo curtir. Tentei voltar, pensando em voltar no fim da tarde quando imaginava que o fluxo fosse menor. Depois de duas salas uma menina se colocou na minha frente, dizendo que era proibido voltar. Isso mesmo, a saída ali, a alguns metros, mas eu era obrigado a seguir o fluxo do tour principal. Tentei argumentar com ela, que mal sabia falar inglês e foi irredutível. Tendo chegado longe demais para ser jogado para fora pelos seguranças, me resignei a passar o mais rápido possível pelo bolo de pessoas. A cada nova sala socada que aparecia, eu ficava com vontade de socar a menina, por mais bonitinha que ela fosse (aliás, meus cumprimentos ao cara que escolhe as gurias que trabalham lá!). Depois de muito aperto, consegui chegar à saída, finalmente. E ninguém apareceu para me dizer que, na verdade, eu era obrigado a ficar andando em círculos na multidão até o fim dos dias.

Durante aquele horário mais movimentado, decidi focar meu tempo nos jardins e estruturas anexas ao palácio. Ali, não importa se todo o universo tenha decidido fazer uma visita ao mesmo tempo, nunca vai faltar espaço. Os jardins são enormes, se estendendo por lagos, fontes, canteiros e alamedas. Passeei sossegadamente até chegar a uns pequenos palácios anexos, legaizinhos, mas nada fora do comum. Atrás deles, daí sim um lugar muito legal. Um dois reis a usar o palácio, Luís XV, construiu um vilarejo rural-modelo a pedido de sua rainha, a marrenta Maria Antonieta, no final do século XVIII. O lugar ficou conservado e é possível andar por lá realmente se sentindo em uma vila de duzentos anos atrás, com suas casinhas, hortas e criações de animais. Um lugar perfeito para relaxar.

Na metade da tarde, era hora de voltar ao Palácio e encarar o tour de verdade. Me senti como a rainha que pediu para construir o vilarejo, tendo que voltar ao barulho da corte. Minha tática até que deu certo, pois ainda tinha muita gente, mas dava para caminhar mais tranquilo. Uma série de quartos absurdamente decorados, é o que tem para ver. É legal, mas gostei mais dos jardins do que do palácio em si.

Fechando esta parte da viagem, não me arrisco a fazer nenhuma inferência sobre os franceses (além do fato de falarem inglês pior do que os alemães), pois fiquei pouco tempo para conhecer as pessoas. A cidade é riquíssima culturalmente e tem muita coisa para descobrir, eu tive tempo de ir apenas nos pontos mais conhecidos. Só que, ao contrário de Berlim (que não é uma cidade turística), Paris fica verdadeiramente cheia na temporada, por isso é recomendável ir em outro período. A não ser que você queira apreciar bastante as famosas “french filas”*.

domingo, 14 de agosto de 2011

De germanos para francos

Acabei de chegar em Paris. Meu último dia em Berlim foi bem sossegado, andei de novo pela região do Reichstag e Portão de Brandenburgo para tirar novamente as fotos perdidas, aproveitando para almoçar um joelho de porco arregado na Unter Den Linden. Estava muito bom, mas a tiazinha francesa da mesa ao lado parecia que ia vomitar a cada garfada que eu dava. Dica etílica é a cerveja de trigo da Paulaner, a melhor que tomei nesses dias por lá.

O dia estava bem bonito e ensolarado, diferente de como tinha sido no resto da semana. Berlim é a cidade com o tempo mais maluco que já vi. Cada dia tinha uns três ou quatro ciclos de sol, vento forte e chuva. Às vezes em menos de meia hora você tinha céu aberto, daí chuva e ventania, e de repente tempo limpo de novo. Nunca saia do hotel de Havaianas e bermuda (com o tempo ensolarado) ou cheio de casacos (com o tempo feio) achando que será daquele jeito até de noite.

De tarde passei no Museu de História Natural. Tinha pouco tempo, mas acabou sendo uma boa deixar ele para a finaleira, pois rodei tudo em pouco mais de uma hora. De cara você entra em uma sala com esqueletos gigantes de dinossauros montados. Depois, fica um pouco menos interessante, pois, depois de ter ido no zoológico, ver bichos empalhados não é aquela coisa toda. E coleções com centenas de tipos de minerais diferentes não são muito minha praia...

Depois voltei para o hotel apenas um curto tempo para esperar o trem, que saía sete da noite. Eu tinha ouvido que os trens rápidos de longa distância são cheios das coisas, com vagão-restaurante, internet wireless e etc. Bem, não os trens-dormitório noturnos. Esses são os trens-favela. Quartinhos bem apertados, nada de internet e micro-cozinhas com sanduíches. De um tipo só. Pelo menos a mulher que cuidava do vagão atendia bem e dividi a cabine com um tiozinho bem simpático, com quem tive uma boa conversa e me ajudou na primeira experiência com o metrô parisiense. Não deu para dormir muita coisa e fiquei pensando se não era melhor ter economizado a cara reserva de quarto e ter ido na poltrona mesmo, mas valeu a experiência.

Então, hora de falar do pouco que pude conhecer da vida dos alemães. De modo geral, qualquer ocidental pode se sentir à vontade na Alemanha, pois ainda estamos dentro da “nossa sociedade”. Você pode olhar para as meninas na rua sem ter seus olhos arrancados e não precisa cagar em um buraco no chão. Aliás, o banheiro é um bom modo de começar. Todo ele tem um sistema eficiente de controle de fluxo e temperatura da água em nas torneiras. Os banheiros e demais aposentos tem calefação e água quente, o que me faz pensar de onde vem toda essa energia. Por outro lado, todas as privadas possuem alguma forma de economizar água, seja podendo parar o fluxo com um novo aperto ou (mais comum) o botão para líquidos e o botão para sólidos, se é que me entendem. Ah, e eles não possuem cestos de papel (só para papel toalha na pia). Limpou o traseiro, manda para a privada. Os canos devem ser bem largos para evitar desgraças... Demorei um pouco para perceber isso, e a tiazinha da limpeza do meu primeiro hotel deve estar até agora horrorizada por ter mexido no cesto de toalhas de papel.

Outra coisa muito interessante é a relação deles com os sinais de trânsito. Imaginem eu, ao chegar na cidade, indo atravessar a primeira rua junto com outras pessoas. Sinal fechado para pedestres, mas nenhum carro por perto, já vou me metendo e, de repente, vejo que estou sozinho no meio da rua. Olho para trás e todo mundo está lá, parado, esperando de boa. Talvez algum olhar acusador me fuzilando também. Com os dias, percebo que todos sofrem de síndrome de Coiote do Papa-léguas: pode não ter carro algum em vista até o horizonte, mas se o sinal está fechado, eles não metem o pé na rua. Eles realmente obedecem a parada, pois, segundo Tati me falou, tem uma multa pesada esperando pelos espertinhos. Claro que é muito raro ter um guarda vendo, e uns 10% ou 20% das pessoas atravessam de qualquer modo, mas passei a obedecer também. Mesmo me sentindo um perfeito idiota.

Falando em coisas que poderiam ser feitas por não ter ninguém olhando, um brasileiro FDP poderia se dar muito bem no sistema de transporte, se quisesse. Em todos os trens e metrôs, você compra sua própria passagem em um guichê automático e, quando o veículo pára na estação, abre as portas e é só entrar. Existe uma multa por andar sem passagem, mas em todos os trens urbanos que peguei, e na maior parte dos interurbanos, não passou ninguém cobrando passagem. É muito interessante ver como as pessoas obedecem. Uma certa dose de consciência misturada com uma vigilância ocasional e punições pesadas, este me parece ser o modo como as coisas funcionam na Alemanha.

E como funcionam. O sistema de transporte é eficiente e rápido, embora caro para os padrões brasileiros. Demora um pouco para pegar a manha com os números de plataforma, a mistureba de linhas de trem, metrô e ônibus, as diferentes direções que eles percorrem... Não espere por um cara saltitante de camisa vermelha qual das 16 plataformas da estação é a de trem subterrâneo, pois essas coisas são marcadas apenas por uma letra nas placas. Porém, logo depois que você se acostuma, vê como é fácil ir de um lado para o outro das cidades.

Tal conveniência nem precisa ser tanta, pois mesmo as duas cidades grandes por onde passei, Frankfurt e Berlim, me pareceram bem compactas. Você pode ir para a maioria dos lugares andando e, sinceramente, na maioria das vezes me pareceu mais fácil pegar apenas uma linha e caminhar até meu destino do que fazer as várias baldeações possível para chegar lá direto.

Com um sistema de transporte público desses, dificilmente eu vi trânsito pesado ou trens lotados. Ajuda o fato deles usarem muito bicicletas e ter ciclovia em todas as ruas. Até bicicleta com carrinho de bebê ou cachorro acoplado eu vi.

Ah, e tem as pessoas também, né? Como sou um sociopata viajando sozinho, tive poucas interações de verdade com os alemães, além do “quanto custa?” e “onde fica?” (encontrar quem fale ou pelo menos entenda o básico do inglês é fácil). Mas as poucas impressões que tive foram corroboradas pela Tati, que já os conhece há mais tempo. Eles são bem educados e prestativos (embora um bom número de vezes eu tivesse a impressão de me tratarem como um turista idiota – o que é pura verdade, claro), mas bem protocolares. Mesmo tomando uma cerveja ou entre amigos, assuntos pessoais não vêm à tona. Tati falou que possui amigos de um ano sobre os quais não sabe quase nada. Ninguém se mete na sua vida, mas também estão pouco se fodendo para você. Eu precisaria de um tempo mais longo de convívio para me decidir se gostaria ou não disso.

Uma coisa que ainda não peguei direito é a cultura da gorjeta. Segundo as informações que tenho, é de praxe dar uma gorjeta por um serviço prestado, como o atendimento em um restaurante ou uma corrida de taxi. Normalmente isso é feito arredondando para cima os centavos. Até entendo no caso de um almoço em um restaurante, mas quer dizer que toda vez que eu sentar para tomar um café tenho que dar gorjeta? Todos os meus cafés de 2,50 euros custarão três? Não saquei ainda bem o protocolo, mesmo porque quando você não fala nada eles te dão o troco normal direto, sem parecer incomodados (ao menos, fingem bem). Em várias ocasiões dei a gorjeta, mas de modo geral ainda espero meu troco, ainda mais pagando os preços super inflacionados dos locais turísticos (uma Coca 500 ml sai por 2,50 em média, quando no mercado um litro vai custar 1,00 – mas o recorde foi uma Coca 400 ml de três euros no Neues Museum).

Por fim, uma coisa que adorei: eles AMAM cachorros. Os bichos estão por toda a parte, e não falo só de poodles, yorkshires e chiuauas. O tempo todo na rua você vê pessoas andando com cães do tamanho de pôneis, totalmente tranqüilos, sem focinheira, até com a corrente solta. Os cães entram nas lojas com os donos, ficam deitados ao lado da mesa nos cafés, pegam metrôs e trem interurbanos... Parece que eles descobriram que o problema raramente é o cão em si, mas o seu dono, e com algum cuidado e treinamento você pode levar seu lobo para passear no parque sem causar tremores nem na mais rabugenta das velhinhas.

Um país onde as coisas realmente funcionam, as pessoas seguem as regras que fazem a sociedade funcionar, são relativamente impessoais e amam cachorros... É, eu acho que gostaria de morar em um país assim. Mesmo ainda me sentindo um idiota ao esperar o sinal de pedestres abrir.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A vida é um museu

Amanhã é meu último dia em Berlim e na Alemanha. De noite pego um trem para Paris que chega domingo de manhã. É hora de contar como foi esta semanada na capital.


Berlim


Cerca de oito horas da noite de domingo a aventura do Wacken terminou, com minha chegada à estação central de Berlim. É a maior e mais bonita estação das que vi, com vários andares e escadas rolantes por tudo quanto é lugar. Além, claro, do Fantasma da Estação, que grita desesperadamente toda vez que um trem de superfície parte.

Um dos motivos para minha escolha do hotel em Berlim tinha sido o fato de ser próximo da estação. E próximo é um eufemismo: ele é literalmente do lado. Um alívio para um soldado cansado ansiando por repouso. Arrastei minhas malas até lá, fiz o check in, tomei um banho, jantei na base do McDonald’s e morri na cama até o começo da tarde de segunda.

Segunda feira nem quis pensar em fazer nada, mesmo com alguns amigos no MSN aparentemente desesperados com o fato de eu não estar correndo para ver algum prédio velho a cada segundo. Segundo um plano de viagem meticulosamente calculado, eu sabia que este era uma mistura de hotel com albergue. Ou seja, com quartos no estilo de hotel, mas com algumas conveniências dos albergues, como cozinha coletiva e máquina de lavar. Então pude dar jeito em minhas roupas, que voltaram um traste do Wacken. Dica aos viajantes: enquanto você espera para usar a máquina, fique usando o computador na cozinha coletiva. Com um pouco de sorte, você ganha um almoço de graça com a caridade das outras pessoas. Com um pouco mais de sorte, essas pessoas incluem uma ninfeta espanhola por quem você seria preso sem nem hesitar.

Com roupas limpas e bem alimentado, pude me sentir humano novamente. Usei o resto do dia para organizar os vários passeios que gostaria de fazer, incluindo tentar entender o complexo (mas eficiente) sistema de transporte público da cidade. No dia seguinte pude, finalmente, começar o turismo de verdade.

Na terça, rumei para um local mais afastado do centro para encontrar um lugar onde se fazem visitas guiadas aos subterrâneos da cidade, incluindo bunkers e túneis da Segunda Guerra e da Guerra Fria, sistemas de metrô abandonados e outras dungeons urbanas mais. De um modo bem calouro, fui apenas sabendo que o local era do lado da estação de trem. Resultado: Félix correndo de um lado para o outro com poucos minutos para o início da visita, às onze. Com alguns minutos de atraso, encontrei o lugar, junto com mais um grupo de holandesas (ah, as mulheres holandesas...) também atrasadas. Por sorte, o guia, um galês piadista com um inglês carregado de sotaque e uma baita cara de pinguço, deu mais uma passadinha antes do tour para ver se ainda tinham alguns perdidos. Voltou com um metaleiro e três holandesas (ah, as mulheres holandesas...) a tiracolo.

O passeio demorou uma hora e meia e incluiu uma visita a um bunker nazista que posteriormente foi transformado pelos soviéticos em um abrigo em caso de guerra nuclear. Do modo como o troço foi mal-feito e com o ambiente opressivo que ficaria, se fosse usado, eu com certeza preferiria estar embaixo da bomba e evaporar. Depois ainda saímos para uma estação de metrô atual, mas que também tinha sido modificada para virar bunker, em caso de necessidade. Muito legal descobrir que por trás daquelas portinhas que ficam trancadas tinha toda uma estrutura de salas e corredores para abrigar pessoas em um caos nuclear.

Logo depois deste tour guiado era para ter outro, por diferentes estruturas subterrâneas, mas o guia me disse que, por azar, logo naquele dia não haveria a visita. Terça feira não era um bom dia, segundo ele. Decepcionado, só me restou rumar para o segundo destino do dia, do outro lado da cidade, me separando das holandesas (ah, as mulheres holandesas...)

Junto a um grande parque, fica o Palácio de Charlottenburg, construído por um nobre prussiano (que logo se tornou o primeiro rei da Prússia) para ser uma casa de campo para a sua mulher. E bota casa nisso. É um grande palácio do final do século XVII que foi habitado até os anos 40, quando levou umas pipocadas dos bombardeiros britânicos e foi quase todo abaixo. Reconstruído e restaurado, virou atração turística (uma história semelhante à de muitos outros lugares de Berlim). Passei por salas e mais salas absurdamente decoradas, em algo que penso ser uma versão menor de Versalhes. Como este, também possui um imenso jardim desenhado em diversas formas geométricas, com um belo mausoléu encravado no meio das árvores.

Infelizmente, um dos grandes setores também se encontrava fechado, porque... era terça feira, claro. Mesmo que no site oficial da cidade estivesse escrito “aberto diariamente”. É, alemão também faz cagada. Ainda tive que andar um bom pedaço e me perder nas linhas de metrô / trem de superfície antes de voltar ao hotel. Não foi um bom dia, mal aproveitado, mas felizmente o único assim na semana (bem, você pode argumentar que a segunda feira também foi mal aproveitada, mas eu digo que aproveitei pra caralho dormindo!).

Quarta feira foi o dia de recuperar a moral com um dos passeios mais ansiados: o Zoológico de Berlim. É um dos maiores e mais diversos do mundo, com um monte de bichos que eu jamais tinha visto na vida. Acabou sendo bom ter ido no de Frankfurt, pois eles tem muita coisa em comum, e assim poupei um bom tempo. Comecei pelo aquário, que é super badalado e até pode ser visitado separadamente. Por causa disso, achei que fosse maior do que é. É bem parecido com o de Frankfurt, com a exceção dos aquários maiores com os bichos grandes (coisa pouca, tipo um tubarão-tigre de três metros). Fábio, tu ia adorar. Ou se sentir deprimido ao voltar para casa e ver os peixinhos no aquário de casa...

Mandei para o espaço os bichos-balaios que você vê em qualquer Zoo do mundo (leões, girafas, elefantes, etc.), entretanto alguns ainda mereceram uma visita. Isso porque estes zoológicos da Europa são montados para que o público fique o mais próximo possível dos animais. Em alguns casos, é perfeitamente possível estender a mão e, quem sabe, perder uns dedos na boca de um bicho curioso (não sei como aquela criançada ainda tem todos os membros). O vidro também é muito usado, em vez das grades, mesmo em jaulas grandes. Então, por mais que você já tenha visto um hipopótamo, é totalmente diferente ver um nadando a 50 cm de você.

Mas o que importava eram os bichos novos, e destaco o bizarro aardvark (uma mistura de porco com tamanduá da África, que deve dar um bom assado), os ursos (o polar é grande, mas o pardo me pareceu tão pequeno... ok, não gostaria de entrar num ringue com ele mesmo assim) e, claro, os animais que são total e absolutamente os mais lindos e legais de todo o universo: os lobos. Entre várias passadas ao longo do dia, fiquei quase uma hora e meia de olho nos bichos e filmei / fotografei o suficiente para um documentário. Fora o momento do bode no meio do dia, eles não param de interagir entre si e inventar novas coisas. Uma hora, estão todos correndo uns atrás dos outros. Em outra, decidem escavar um novo buraco. Depois, brigam por um pedaço de osso. Daí interagem com as pessoas do outro lado do vidro. Então, o Alfa decide levantar e encher todo mundo de porrada. E assim vai, o dia todo. Juro que morri de vontade de pular o parapeito e ir lá abraçar e rolar com todos. Com certeza ia ser lindo e todos ficariam felizes: um com um pedaço de perna, outro com um braço, outro com umas costelas... Até uma orelha ou duas sobrariam para o filhotinho.

Fui embora perto da hora de fechar. De noite, desci para o saguão do hotel tomar umas cervejas e ver o jogo, interagindo com a brasileirada que também se encontrava lá. Eram sete brasileiros e uma alemã assistindo. Duas horas depois, tinha uma pessoa feliz e sete tristes. Tente adivinhar quais são.

Quinta feira foi o dia de ir para a Ilha dos Museus, um setor da cidade que aglomera meia dúzia de museus de história e arte. Fui a pé, pois o caminho passa pelas vistas obrigatórias de Berlim,o Reichstag e o Portão de Brandenburgo. As duas construções me surpreenderam, sendo maiores e mais bonitas do que eu esperava. Desci uma das ruas mais conhecidas da cidade, a Unter Den Linden, passando por vários edifícios históricos e comendo um almoço genuinamente alemão. Nos almoços, todo dia é uma nova descoberta quando se pede pratos aleatórios. Neste dia descobri que “liver sausages” nada mais são do que murcilhas e que “sauerkraut” percorreu um longo caminho até virar o nosso chucrute.

Chegando na Ilha, minha primeira parada foi na Catedral de Berlim, e à primeira vista dela meu queixo já caiu. Ao entrar, ele descolou da cabeça e saiu rolando pelo chão. Aquilo é FODA! É a maior e mais bonita igreja que já vi. Mesmo sendo uma igreja protestante, a decoração e ostentação interna não deixam nada a dever a qualquer catedral católica. E na parte principal um domo colossal se estende até 116 metros de altura (!!!), dando a impressão de que o céu é ali mesmo, onde tem os anjos do topo desenhados. Se impressiona mesmo as pessoas da era dos arranha-céus, imagina as pessoas do século XVIII. Se eu fosse um camponês desta época, de certeza acreditaria em Deus. Notre Dame e a Basílica de São Pedro ainda estão na minha agenda e, se forem mais imponentes que essa, eu me converto. Juro.

Uma dica: suba os vários degraus até a passarela no início do domo, assim terá uma visão espetacular de Berlim. Outra dica: não esqueça sua câmera no banco da igreja, assim não terá que descer tudo correndo para procurá-la. Pelo menos quem a achou, devolveu-a aos guardas, como um bom cristão. Não antes de roubar o cartão de memória, como um bom cristão. Felizmente não tinha nenhuma foto minha pelado diante do espelho, mas perdi todas as fotos tiradas até o momento no dia.

Todas essas coisas significaram que cheguei para ver os museus mesmo só às quatro da tarde. Sem problemas, pois tinha planejado a quinta feira porque é o dia em que os museus ficam abertos até dez da noite. Uma idéia tão boa que todo o planeta também a teve. Na frente do que eu mais gostaria de visitar, o Pergamonmuseum, havia uma fila de proporções mitológicas. Decidi desviar de rota e deixá-lo para o dia seguinte, indo para a fila do Neues Museus, que era mais curta. Ali, comprei um ticket muito interessante que dá acesso livre à grande maioria dos museus da cidade por três dias. Se você pretende visitar mais que dois, vale muito a pena, ainda mais que você não precisa se preocupar se conseguirá ou não ver tudo, pois se faltar tempo é só voltar em outro momento.

Comecei pelo Neues Museu (“museu novo”, significando com isso que tem só 150 anos de idade), que possui um acervo focado em antiguidades históricas gregas, romanas e egípcias. Também possui as descobertas originais do sítio que se imagina ser Tróia e algumas coisas de Pré-História e História Beeem Antiga. Não é preciso dizer que me perdi ali dentro, né? A sua peça mais famosa é o Busto de Nefertiti, com uma sala inteira dedicada só a ela. Você olha para a peça, em um estado quase perfeito de conservação, e fica realmente admirado por aquilo ter três mil anos de idade, em vez de produzido no ateliê da escola de artes na semana passada. É proibido de tirar foto e não tem jeito, mesmo ficando lá longe na sala adjacente e tentando usar o zoom aparece uma tiazinha engoda metendo a mão na lente. Saí apenas na hora de fechar, às oito (mais uma das pegadinhas onde o alemão diz um horário mas fecha em outro), e ainda tinha tempo para percorrer o Altes Museum (“museu antigo”, significando com isso que é vinte anos mais velho que o outro), com foco em arte grega e romana. Gastei um bom tempo em uma coleção de moedas antigas que eles possuem, indo desde as primeiras a serem cunhadas (lá pelos séculos VII–VI a.C.) até o final da Antiguidade.

Quase dez horas, rumei de volta ao hotel. De trem desta vez, pois estava com os pés em frangalhos e com bolhas. Efeitos colaterais de andar o dia todo por dias seguidos. Fui logo dormir, pois queria ir cedo no outro dia para o Pergamonmuseum e evitar a aglomeração. Como meu “cedo” nunca é realmente cedo, cheguei passando das dez e já havia uma bela fila. Felizmente, logo descobri que era para comprar os tickets, e quem possui o super-ticket-combado como eu podia entrar direto. Os outros que percam seu tempo na fila. Trouxas. Há!

Enquanto os outros museus são “muito legais”, mas não mais que isso, o Pergamonmuseus é “muito legal mesmo”. De cara você já entra em uma sala enorme com a atração mais famosa, o Altar de Pérgamo, uma reconstrução de um templo grego do século II a.C. com um friso gigante mostrando uma grande batalha entre deuses olímpicos e gigantes. O guia de áudio é muito informativo nesta hora, dando informações detalhadas de cada trecho do friso e indicando o deus que está ali representado.

Há mais três salões no estilo “colossal” no museu, que logicamente são os que mais impressionam. Uma delas possui reconstruções de colunas e fachadas de templos gregos dos dois primeiros séculos a.C., algumas com quase vinte metros de altura. A outra tem a fachada original do mercado de Mileto na época romana, uma visão massiva e imponente. E, por fim, a que mais me impressionou, pelo tamanho e pelos sentimentos de antiguidade e glória ancestal que evoca: o Portão de Ishtar na Babilônia, do século VII a.C. Quando você vê aquele negócio todo decorado e com uma cor azul profunda, pode pensar algo como: “bah, isso deve ser uma réplica recente”. Mas é a parada original, só com algumas restaurações inevitáveis, claro. O imenso portão, assim como as paredes da avenida que são reproduzidas no museu, são de pedra azul, não de tijolos normais, por isso mantém a mesma cor que inúmeros povos devem ter visto ao entrar naquela cidade legendária.

Depois de começar com essas visões assombrosas, até me exigiu um pouco de esforço olhar com atenção para o restante do acervo, quase humilde em relação às massacrantes atrações iniciais. Mas logo começou a fluir novamente aquele sentimento de escapismo e ancestralidade ao ver peças tão antigas quanto o tempo, esculturas, ornamentos, armas de mais de cinco mil anos atrás. O museu possui uma grande coleção de artefatos de algumas culturas do Oriente Próximo, onde podemos dizer que começou a civilização humana (como o nerd interior nunca morre, me deu uma vontade de jogar Age Of Empires I...). Como complemento, ainda, tem uma exposição de arte islâmica que, embora com algumas peças legais, não conseguiu prender tanto minha atenção depois de quatro horas ali dentro. Ainda passei no quarto museu da Ilha, o Bodesmuseum, que possui um acervo de arte do final da antiguidade até o Renascimento / Barroco europeu. Como meu negócio é mais história do que arte em si, apenas olhei com mais atenção o acervo bizantino e a coleção de moedas (que é bem maior que a do Altes Museum e vai até as moedas recentes).

Uma coisa que me causou surpresa nestes museus por onde passei é... a desorganização deles. Isso mesmo. Se você imagina que os museus seriam bonitinhos e perfeitamente organizados, segundo a eficiência que os alemães demonstram em quase tudo, pode tirar o chucrute da chuva. Vi com freqüência peças expostas sem nenhuma explicação, ou peças de contextos completamente desconexos dividindo a mesma sala. A ordem das salas não faz muito sentido e você não consegue ter uma sensação de coerência ao percorrê-las. Quem não sabe ler alemão (ou seja, o mundo inteiro, fora os alemães) fica meio perdido, pois a grande maioria das peças não possui explicação em inglês, ou apenas na forma de uma frase curta (mesma coisa no Zoo). Tá, é fácil ver um machado e saber que é um machado, mas e uma bola de pedra qualquer na seção pré-histórica? Os guias de áudio, presentes em todos os museus, não ajudam muito, pois falam apenas de poucas peças, enumeradas de forma aparentemente aleatória (e se alongam em discursos chatos pra cacete). Percebi coisas assim em todos eles, mas no Neues elas chegam ao ponto de atrapalhar bastante a experiência.

Depois dessa overdose de velharias, aproveitei o fim da tarde para ir até um ponto menos chique do centro de Berlim, em busca de objetivos mais prosaicos: comprar camisas de banda. Na minha cabeça, estar em uma grande capital européia, a terra do metal, seria uma boa oportunidade de encontrar camisas das bandas mais obscuras que eu escuto e jamais encontraria no Brasil. Ledo engano. A loja onde fui, mesmo grande, tinha um acervo miado baseado em bandas comuns. Segundo o atendente, nem conseguiria achar aquilo na cidade, pois, quando o pessoal quer uma camisa diferente, simplesmente compra pela internet. Aproveitei a viagem então para comprar um novo cartão de memória para a câmera (calma, eu tinha um de reserva para tirar fotos nos museus), comer uma salsicha assada nas movimentadas barraquinhas de uma praça e voltar ao hotel. Amanhã o plano é fazer o check out do hotel, deixando as malas na sala de bagagem que eles possuem, e andar por alguns trechos ainda não vistos da cidade, incluindo a visita ao Museu de História Natural (afinal, eu sou biólogo, e não arqueólogo, né? Ai, ai...).

Eu tenho que falar das diferenças culturais ainda, que vão além de não ter cesta de lixo nos banheiros, mas este post já está longo demais. Quem sabe eu escreva no trem e poste logo ao chegar em Paris. Ate lá, então!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

"WACKEEEEEEENNNNNNN!!!!"

Escrevi isso aí logo após sair do universo paralelo onde as pessoas de preto são normais. Como verão em breve, eu tinha tempo de sobra, por isso ficou “grandinho”. Agora estou em Berlim usando a segunda feira para recuperação. Vamos lá.

Goslar

Na quarta feira anterior ao Wacken, aproveitei para dar um bate e volta em outra dessas cidadezinhas históricas do interior alemão que possuem alguma coisa legal para ver, dica da Tati e de um canadense que mora com ela. A bola da vez foi a pequena Goslar, uma espécie de Heidelberg menos pop. E, na verdade, se descontar o fator “castelo fodaço”, é até mais legal que a parente mais conhecida. Talvez também por eu ter ido durante a semana, a cidade estava menos lotada e era mais fácil ter aquela sensação de imersão medieval. Infelizmente, também por isso, vários pontos turísticos estavam fechados nos horários em que tentei ir. A cidade também possui mais construções antigas. Enquanto Heidelberg me pareceu praticamente toda renascentista ou mais nova, em Goslar existem muitas construções anteriores a 1500 para ver.

Dentre estas, está a atração principal da cidade: as minas. Trata-se de um complexo de túneis de mineração escavados desde o ano 900 e alguma coisa. Isso mesmo, minas com mais de mil anos ainda conservadas. Tem algo que grita mais DUNGEON do que isso? Não vi os anões e os goblins, mas eles com certeza estão por lá.

Não é à toa que o troço foi tombado patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. Isto permitiu a criação de um complexo turístico muito rico, onde dá para perder um baita tempo. Tem inclusive visitas guiadas no interior das minas, alguns de várias horas e que vão em profundidades sinistras. Infelizmente eu fui em cima da hora e sem saber que estes mais longos só rolam com reservas antecipadas. Mas ainda deu para pegar uma voltinha de uma hora e meia por uma parte mais recente das minas. Duzentos anos de idade, só isso.

Curti para caramba esse passeio, feliz como pinto no lixo (ou como nerd na dungeon?). Mesmo com o guia só falando alemão (e como falava o tiozinho!) e sem entender os detalhes, deu para acompanhar a lógica e tirar muitas imagens dos túneis e dos trecos de mineração ainda conservados no seu interior. Existem visitas em inglês, mas logicamente não numa quarta feira aleatória.

Depois de sair do túnel, ainda dei uma volta rápida numa parte que é museu, muito interessante. Mas vi só correndo porque meu tempo era curto e precisava voltar para a cidade para passar de nív... quero dizer, andar pelo centro histórico. Devia ter ficado mais pelas minas, pois, como falei, dei de cara com quase tudo fechado. Ficou só na fotografia exterior.

Goslar foi uma agradável parada não-planejada na minha viagem, e ficou até a vontade de voltar em um dia melhor. Vale a pena a visita, mas é preciso um certo planejamento para aproveitar tudo.

Wacken

... mas chega de turismo histórico por enquanto, pois logo depois o negócio foi METAAAAAAALLLLLLL!!!!!!!!!!!!!!!

No dia seguinte, quinta feira, eu e Tati nos mandamos para a “Terra Sagrada de Wacken” (segundo cartaz do próprio evento). Conseguimos uma carona arregada em um site alemão (você busca o lugar onde quer ir e encontra anúncios de quem estiver indo para lá no dia desejado. Funciona legal e fica bem em conta viajar). Meio dia o gurizão passou para nos pegar em casa, já com mais um caroneiro a bordo, Iron Maiden à toda e carro devidamente identificado com as letras “W:O:A”.

Lá fomos nós subindo trezentos e tantos quilômetros para o norte, passando por Hamburgo, enfrentando trânsito (sim, eles também têm disso nas rodovias, porém bem mais sossegado que no Brasil) e chegando no vilarejo de Wacken. Basicamente, é um cu de mundo. A cidadezinha possui 700 habitantes, 2000 vacas e, em determinada época mágica do ano, abre-se um portal por onde jorram 75 mil urubus negros em direção ao reino do metal.

Eu sabia que o Wacken era grande. É o maior festival do gênero no mundo. As bandas que tocam lá são as maiores e mais conhecidas, uma atrás da outra. Mas não estava preparado para o real tamanho da coisa. Não é apenas uns palcos com uma área de acampamento. É literalmente uma cidade de quatro dias. Lá é possível encontrar de tudo e tem toda a estrutura para sobreviver ao festival tranqüilo. Existem três palcos enormes e quatro menores onde rolam o tempo todo atrações intercaladas ou simultâneas. Tem mercado, dezenas de barracas com tudo quanto é comida, Biergarten... Até uma vila medieval inteira eles colocam lá, com tudo o que um guerreiro do metal precisa: comidas de aventureiros, bebidas variadas, armas e armaduras (de metal mesmo!), espaço para treinar as habilidades bélicas (arremesar uma lança ou um machete é mais difícil do que parece!), combates entre guerreiros totalmente caracterizados, e mesmo umas sessões de tortura ocasionais para disciplinar aqueles que se desviam do caminho do Deus Metal. Obviamente também temos outras atividades voltadas ao interesse dos valorosos metaleiros, como concursos de Garota Camisa Molhada e moças de boa família oferecendo fotos de topless por preços módicos.

Basicamente, dá para se divertir o tempo todo sem sequer ver uma banda. Mas, como era minha primeira vez e meu currículo de shows não é dos maiores, decidi focar na música mesmo. Tati fez o mesmo, e não nos arrependemos (bem, talvez de um ou outro...).

O festival começa para valer na quinta, mas na quarta feira a área do festival já está aberta e existem eventos de aquecimento. Então, quando chegamos, por volta das quatro da tarde, a pequena Wacken já estava totalmente transformada em território headbanger. É até engraçado, você vai passando pela ruas e tudo o que vê é gente de preto, gente de preto, gente de preto... Ao contrário de como as coisas ocorrem no Brasil (cof, River, cof, Rock, cof...), a organização trabalha junto com os wackeanos (wackenses?) e estes vêem no festival uma exclenete oportunidade de lucro. Então dá-lhe tiozinhos usando camisas de bandas que nunca devem ter ouvido na vida, vendendo qualquer coisa “... do metal”.

Passando pela cidade em si, logo chegamos à área do acampamento, que ocupa uma grande extensão ao redor da área do festival em si. Quinta feira de tarde, já era tudo um mar de barracas, camisas negras e bêbados capotados (é, a galera já se passa logo de cara, vai entender...). Como éramos só dois, conseguimos depois de algum tempo achar um bom lugar muito próximo da área do festival (se você chegar tarde e precisar de muito espaço, é capaz de ficar a meia hora ou mais de lá). Armamos as barracas no sentido inocente do termo e logo estávamos prontos para começar as andanças. Se tem uma coisa que foto ou vídeo nenhum captura, e é preciso estar lá mesmo para sentir, é a profusão de figuras bizarras com as quais se cruza durante o evento, seja nos shows ou no acampamento. Desde os vikings saídos da Idade Média às glam-hard-bichas-loucas, passando por toda sorte de chapéus engraçados, placas com dizeres filosóficos (“Golfinhos são tubarões gays”, veja quanta sabedoria), pessoas (ou, quem sabe, ninfas da floresta) pouco, muito ou totalmente nuas andando como se estivessem na praia de nudismo. E não despertando mais do que um breve olhar dos outros, antes destes voltarem sua atenção aos seus canecos de um litro de cerveja.

Logo chegou a hora do show de abertura, sete da noite (que na real é dia até quase dez horas). Nada melhor que uma clássica banda alemã para o posto, e lá estava o Helloween para ocupá-lo. Tensão no começo, multidão já reunida, e os veteranos entram quebrando tudo... por 10 segundos. Daí o som falha, as luzes apagam e ficam todos com cara de tacho no palco. Até que tiraram de letra o problema inicial, rindo da situação, até recomeçarem a música e... isso mesmo, tudo desliga de novo. Não dá para saber se a culpa é do pessoal da banda ou da organização, mas digamos que não foi um bom começo. Entretanto, até que gostei, porque daí, por causa da perda de tempo, eles decidiram pular a primeira faixa (de divulgação do disco novo que não conheço) e partir logo para um setlist recheado de clássicos. Gostei muito do show dos caras, pois tocaram muitas músicas dos clássicos “Keepers”, que são os que melhor conheço. E o vocalista Andi Deris é um piadista. Pena que só falava em alemão. Mas o que eu deveria esperar, vendo uma banda alemã num festival alemão cheio de alemães? (tem gente de todos os lugares e tropeçamos em vários brasileiros, mas a grande maioria é da terrinha mesmo)

O Helloween foi a melhor banda de abertura possível para um dos shows que eu mais esperava. Afinal, é uma banda que figura no meu Top 5 e veria pela primeira vez no próprio país deles, onde são gigantes. Porém, o show do Blind Guardian acabou sendo uma decepção. Não por eles, pois as três músicas que consegui curtir foram animais. Mas por algum motivo sinistro ocorreu uma quantidade absurda de “crowd surfing”, aquela brincadeira de shows onde se levanta um sujeito e se vai passando ele por cima da galera de mão em mão. É algo divertido, por certo. Mas não quando a cada 30 segundos tem um mané voando para cima de você e é preciso parar de curtir para empurrar o maldito. Sério, foi ridículo. Ao mesmo tempo em que incomodou muita gente (fiz minha parte ao arremessar uns dois direto no chão, nas horas de mais raiva), a maioria continuava empurrando, e isso durou o show inteiro. Só não fiquei mais puto porque logo no mês que vem verei um show deles no Brasil, mas foi bem chato. Felizmente, o crowd surfing pareceu diminuir dali em diante, mas também começamos a ver os shows mais de trás para não nos incomodarmos tanto (a Tati levou uns belos socos também em rodas de poga – já mencionei que era um festival de ogros metaleiros?).

Depois disso, pausa para o rango. Achei a comida lá muito boa, desde os simples espetos de carne à moda bárbara e lingüiças assadas até rangos mais elaborados. Passaria o dia todo comendo e bebendo, se não fosse tudo tão caro também. Se eu pensasse em termos de preço convertido, estaria chorando a cada espeto de 11 reais e cerveja 400 ml de 8. O negócio é deixar a mente no Modo Euro (“só cinco contos, está em conta!”) e ser feliz, com alguma prudência. Outra coisa que me mostrou como esquemas simples podem funcionar para resolver problemas comuns foi o uso de um sistema de caução para copos e canecos de plástico grosso, que são devolvidos depois, evitando a orgia de copos descartáveis que com certeza ocorreria no Brasil.

Barriga cheia e logo às dez já tínhamos o primeiro headliner do festival. Ninguém menos que o vovô caquético mais amado do Metal, Mr. Ozzy Osbourne . Daí juntou multidão mesmo e logo estava lá o bom velhinho, tocando seus metais clássicos, dando corajosos pulinhos de vinte centímetros e agitando a galera como um animador de festas do asilo. Uma coisa não se pode negar, mesmo com todas as desafinadas e gagazices que apareciam pelo caminho: Ozzy é foda. Com toda aquela idade e os galões de drogas que já correram pelo sangue, eles sabe como empolgar uma multidão e não para de agitar um minuto. É talvez o melhor frontman vivo (?) do metal. Quando veio a primeira do Sabbath, “War Pigs”, meu coração de metal virou melado e os olhos lacrimejaram, ao ver o próprio cara, tocando aquelas músicas, para aquela multidão ensandecida. Foi um show verdadeiramente marcante e fechou uma noite curta de shows com a vibe lá em cima. Antes de dormir, mais um litrão de boa cerveja vendo vídeos antes de fugir para a barraca.

Noite mal dormida, como o esperado para um lugar onde amanhece às cinco horas e em uma barraca baleada que deixava entrar a chuva da manhã. Ao desistir de tentar dormir mais, foi hora de fazer algo nada metal: tomar banho. Primeiros contatos com algumas realidades do evento: como os organizadores estão aumentado a quantidade de ingressos cada vez mais, existe muita gente em todo lugar. Para tudo, uma fila e uma taxa. Para usar o banheiro relativamente limpo, fila de meia hora e 50 centavos de euro (consegue imaginar uma fila longa e demorada de homens agoniados, esperando para fazer a única coisa para a qual homens procuram banheiros limpos? Ah, pois é...). Depois, para tomar banho em estilo militar/presidiário, mais fila de meia hora e 2,50 euros. A manhã ia praticamente toda nisso.

Meio dia rumei para o primeiro horário de shows, pois ia tocar uma das bandas que eu mais queria ver, o Ensiferum. É uma daquelas um pouco menos conhecidas que vêm mais dificilmente ao Brasil, por isso a expectativa. E o viking-power-sei-lá-o-que metal deles é um dos sons que mais escutei nos últimos meses. Não me decepcionei. Com menos pessoas, deu para ficar mais perto, agitar bastante e já mandar para o espaço todo o serviço feito no banho. Tocaram a maioria das minhas favoritas, inclusive a “country” “Stone Cold Metal”, que possui uma paradinha com assobios e piano de faroeste no meio que ficou genial no show.

Feito isso, um tempo para um rango e uma cerveja de trigo no Biergarten antes de encontrar Tati, que tinha ido andar pela cidade, para o show das duas e meia. Algo no mínimo bizarro. Já imaginou metal feito quase totalmente com... a voz? É o que faz o Van Canto. A bateria é o único instrumento “real”. Os riffs e solos de “guitarra”, a base de “baixo” e, bem, os vocais, são feitos apenas com as vozes de três (ou quatro, não lembro) caras e uma mulher. O estilo é Power metal melódico sem grandes novidades. Enquanto camadas e mais camadas de canto se sobrepõe, um deles faz um “dugudum, dugudum, dugudum...” imitando a base cavalgada típica do gênero. Prepare-se para rir quando outro vier fazer o “solo”, algo parecido com o som do Lyu Kang ao dar aquele golpe “pedalada” em que ele sai voando e dá vários chutes no oponente, lembram? Talvez um peru sendo estrangulado soe parecido também. As músicas até que são interessantes e eles fazem alguns covers (Nightwish, Blind Guardian, Metallica), mas eu classificaria mais como curioso do que como legal.

Findo isso, mais um tempinho sentados no Biergarten (eu estava meio quebrado, por causa da falta de sono acumulada há dias e dos shows de quinta) e fomos ver o Rhapsody Of Fire. Eu gosto da banda em estúdio, tenho os quatro primeiros discos e ouço mais o “Power Of The Dragonflame”, onde Fabio Lione passou a cantar de um modo mais variado e agressivo. Mas no show, por algum motivo, não deu liga. Eles estavam lá fazendo exatamente o que se espera deles, com velocidade e teatralidade. Mas não empolgaram, e pela reação do público como um todo eu diria que o show foi morno realmente. Tocaram umas músicas que eu conhecia e tal, mas pelo jeito as que eu mais gosto não são as mais clássicas. Pelo menos serviu para me decidir sobre se “Lamento Eroico” é uma balada épica legal ou pomposa brega. A segunda opção ganhou, desculpe.

Tati agüentou pouco e foi checar o outro show que ocorria simultaneamente no palco grande próximo (sempre era intercalado um horário com um show no palco grande central com outro em que duas bandas tocavam ao mesmo tempo nos dois palcos das extremidades). Como estava meia boca o show, também saí um pouco antes esperado que naquele horário, com dois shows rolando, teria menos briga no estande de merchandising. Doce ilusão. O aglomerado humano nem era tão grande, mas a ineficiência dos atendentes compensava com méritos. Só agüentei ali por uns 40 minutos porque sabia que ia ser assim o tempo todo, e a demora só faria diminuir o número de produtos. Tudo para comprar uma camisa oficial do festival a um preço superfaturado. Mas quando que eu poderia comprar uma lembrança dessas de novo?

Após isso encontrei Tati na fila dos caixas eletrônicos e não me senti mais tão indignado com a demora. Isso porque as filas dos caixas eletrônicos davam um banho em matéria de lerdeza. Tive tempo de ir até a barraca, comprar comida, ir ao banheiro, voltar, e ela ainda estava na metade do caminho. Haja saco. Embora eu creia que ela não tenha um.

Então, estávamos próximos do headliner do dia. Com o show mais longo de todos no festival, o Judas Priest juntou uma multidão em frente ao palco central. Era um mar de gente, aparentemente maior que no Ozzy. Eu nem conheço muito Judas, apenas três discos (Sad Wings Of Destiny, Screaming For Vegeance, Painkiller – e mais uma música, lógico), mas era uma oportunidade única de ver esses velhinhos, já que, segundo os próprios, é a última turnê mundial da banda. Rob Halford perde muito para o Ozzy em matéria de presença de palco, eu diria, pois se limita a cantar e andar pelo palco, apenas ocasionalmente evocando os “crazy metalheads”, “fucking metalheads”, “[insira um adjetivo aqui] metalheads”. Mas em matéria de desempenho ele manda muito bem, com a garganta ainda capaz de dar os característicos gritos estridentes com força total. O show me pareceu morno na primeira metade, não só porque eram músicas que eu pouco conhecia, mas o público não aparentava tanta empolgação. Tudo mudou na metade, quando entrou a absolutamente simplória e clássica Breaking The Law, em que Halford não cantou uma síliaba. Deixou tudo para o público, que fez seu serviço com louvor. Daí a coisa começou a pegar fogo. Ameaçou amornar no inevitável solo de bateria, mas quando o batera emendou a introdução de “Painkiller” (a música mais violenta do Judas, minha favorita) a temperatura estourou de novo. O show seguiu em alto nível até o final, totalizado duas horas e quinze.

Tendo cumprido a missão do dia, eu tinha duas escolhas: esperar três horas até duas da manhã para ver o Apocalyptica (a banda que mais me interessava das que sobraram no dia), ou ir dormir para estar inteiro no dia seguinte, que ia ser mais recheado de bandas. Ainda tomamos uma cerveja e vimos um show com fogo de deixar os hippies da Bio com inveja, mas a segunda alternativa predominou e deixei Tati sozinha esperando pelo quarteto de violoncelos. Foi altos show, segundo sua opinião, mas valeu a pena recuperar uns pontos de vida extras.

Acordei com o sol e pensei que era perto das nove. “Legal, devo ter dormido bem!”. Olhei o relógio: 5:50. Maldito eixo torto da terra e seu ciclo de estações. Daí voltei ao dorme-acorda até dez. Mas estava mais inteiro que na sexta. Novamente, filas da limpeza interna e externa. Voltei à barraca e comi coisas de mercado que tinha trazido, para economizar um pouco. Era um pouco mais que meio dia quando Tati voltou do banho e fomos para um show que ela gostaria de ver, do Visions Of Altantis. Típico metal melódico / pomposo com vocal masculino limpo e feminino. Tem muitas bandas neste estilo, mas eu gosto de escutar, e os 20 minutos que conseguimos ver do show foram legais.

Aí teria um espaço longo na agenda que usamos para passear pela vila medieval, tentando a sorte com as armas medievais e vendo as coisas divertidas que aquele bando de nerds criava. Trombamos com um brasileiro que nos acompanhou durante o próximo show, do Mayhem. É a banda que provavelmente simboliza melhor aquele Black Metal norueguês reto e sem concessões do início dos anos 90. Musicalmente falando, é isso mesmo. Pancadaria extrema, músicas repetitivas e um vocal totalmente insano (que eu gostei bastante). Mas os caras decidiram fugir do estereótipo ao aparecer de cara limpa, sem a característica corpse paint. Acho que isso prejudicou a teatralidade do negócio e só dava para dar risada das caras e bocas do vocalista tentando parecer MegaPowerEvil (lembre-se: JAMAIS SORRIA em um show de Black Metal). Eu gostei do som, mesmo achando a performance tosca, mas Tati logo sentou e ficou com cara de quem poderia vomitar a qualquer grito histérico ou música exatamente igual à anterior. Quem realmente chegou nesse ponto foi um norueguês que estava logo à nossa frente e virou atração com suas gorfadas. Logo outro bêbado tropeçou nele e ficou no chão também. Parecia que ia virar uma pilha de chapados, mas a galera do “genteeee, isso é sério!” acabou com as risadas gerais chamando os paramédicos. Coisas do roquenrôu!

Tendo acabado Mayhem com pelo menos 20% a menos de audição, demos uma olhadinha no Iced Earth, mas como nenhum de nós curtia muito, logo fomos passear de novo. O próximo show foi quinze para as sete, e era nada menos que nossos amigos do Sepultura. Também não é uma banda que eu acompanhe tanto assim, embora goste do estilo. Prestarei mais atenção, porque o show foi realmente forte. Eu queria ter uma idéia do quão grande a banda é na Europa, já que aqui no Brasil a única coisa que o pessoal sabe dizer é que a banda acabou depois que o Max Cavaleira saiu. E olha que isso faz quinze anos. Eu sempre achei o Derrick mais vocalista e o público europeu não parece partidário do chororô, pois a galera que tinha para assistir era comparável à de qualquer uma das bandas locais conhecidas.

Do Sepultura, foi hora de ir direto para o Avantasia, projeto-propriedade do vocalista do Edguy, Tobias Sammet. Aparentemente este era o último show deles, então o grande público estava altamente empolgado. Além de Tobias ser um bom frontman, metade da Alemanha foi chamada para dividir o palco, ficando a banda com seis vocalistas convidados de diversas bandas conhecidas. Gostei bastante, embora seja um pouco melódico demais para meu gosto. Um pouco de pancadaria a mais sempre ajuda.

Última volta pela área do festival antes de engatar uma sequência de shows que detonou, absolutamente. Primeiro, a banda que, na minha opinião, simboliza o rock sujo, rápido, pesado e descompromissiado. Yeah, they are fucking Motörhead, and they are rock’n’roll!. Neste momento, eu acredito que o Wacken inteiro estava lá para assistir. Melódicos, extremos, roqueiros das antigas, não importa, todos estavam lá para curtir com a lenda viva sexagenária Lemmy e seus companheiros. De um jeito bem direto, o trio foi jogando uma cacetada atrás da hora, sem piedade. Para mim, um dos grandes shows do festival, que encerrou com a mais que clássica dobradinha “Ace Of Spades” e “Overkill”.

Já dava para ir embora e me dar como satisfeito, ter visto pela primeira vez três lendas do metal/rock em três noites seguidas. Mas era a última noite, era preciso aproveitar tudo até o final. Os planos eram de ir longe, até o festival literalmente fechar. Várias surpresas ainda viriam pelo caminho, nem todas elas boas.

A primeira foi das mais excelentes, e um dos pontos altos do festival para mim. Logo quinze minutos após o Motörhead começaria outra banda, sobre a qual eu pouco sabia além de que tinha alguma coisa a ver com folk. Como folk metal tem sido minha pira principal nos últimos quatro anos, poderia ser interessante. Tati foi comigo, mas sem muitas expectativas, pois para ela folk metal nada mais é do que um black metal escroto com algum acordeão ou gaita de foles para fazer firula. Qual não foi nossa surpresa ao descobrir que o Eläkeläiset (saúde!) não era metal coisa alguma, mas uma banda da mais pura Humppa! Este é um tipo de música popular finlandesa que se caracteriza pela velocidade extremamente rápida e ritmo contagiante, convidando à batida de pernas e dancinhas divertidas. Só que, além de músicas “true Humppa”, o Eläkeläiset faz versões humppicas de músicas de metal e rock, incluindo Iron Maiden, Metallica, Motörhead, Beatles, Nightwish e por aí vai. Então basicamente tínhamos quatro caras sentados com acordeões, violinos, teclados e contrabaixos, mais um gordinho na bateria, botando para quebrar e não deixando nenhum metaleiro ficar parado (tá, isso pareceu propaganda de Sessão da Tarde, mas era isso mesmo). Além da música em si, a performance era ótima, com danças e piadas (pelo menos esses falavam em inglês!). Ganharam direito a um tempo de 1:15h, longo se comparado ao de muitas bandas conhecidas no festival, minutos que passaram voando na velocidade da Humppa. Nem a chuva, que depois de ameaçar durante três dias resolveu cair com força, impediu os True Warriors Of Metal de dançarem felizes na lama.

O Eläkeläiset foi a surpresa do festival, mas ainda teríamos um excelente fechamento pela frente. O Subway To Sally (não, não me pergunte por que diabos este nome) foi o encarregado e, sendo um banda grande na Alemanha, contou com um bom público que resistiu à chuva pesada (o suficiente para conseguirmos ficar no local mais próximo do palco de todos em que ficamos, sem estresse ou aperto). Até onde sei, o estilo deles era mais voltado ao folk no início da carreira, tendo se deslocado para algo meio industrial com batidas pulsantes (e até dançantes, mas não tão parecido ao Rammstein quanto soa). Felizmente o disco de transição e que parece ser o clássico deles é justamente o único que tenho, então teve várias músicas que eu conhecia. Não posso deixar de salientar a parte pirotécnica, que foi realmente show de bola. Fogo saindo do chão do palco, de cima do palco, das estruturas logo sobre nossas cabeças, cuspido pelos músicos... Um excelente modo de encerrar, às três da manhã, uma dose cavalar de metais pesados injetada diretamente no cérebro ao longo desses dias.

E então tudo acabou.

Literalmente. No momento em que encerrou o último show, o Wacken pareceu balada fechando. Ainda estávamos super animados, pois no programa mostrava que rolaria uma festa metálica com caraoquê e tudo até seis da manhã. Mas no local indicado não aconteceu nada e logo eles trataram de tirar o pessoal do local dos shows. Correndo na chuva entre as barraquinhas que fechavam uma atrás da outra, não era mais possível encontrar uma gota de cerveja, e apenas algumas sobras de comida. Todo mundo fugiu para as barracas, para casa, ou para algum buraco misterioso escondido no meio dos campos. Foi o “acabou a cerveja, acabou a amizade” na maior escala que já vi na vida! Isso deu uma desanimada em nós e só nos restou voltar amuados às barracas.

Mas ainda havia uma longa aventura a ser enfrentada, da volta. Tati tinha planejado festar até amanhecer e disparar direto, pegando os ônibus do festival que levavam até a estação de trem mais próxima, para chegar em casa pelo meio dia e dormir para trabalhar segunda. Meu plano era também festar até tarde, mas daí dar uma bojada e voltar perto do meio dia, por isso comprei a passagem para final da tarde. Tudo poderia dar certo se não fosse pelo detalhe de que não teve festa. O jeito foi ficar nas barracas dando uma bodeada esperando a hora de voltar.

A chuva engrossou e o vento começou a bater com força, de um modo que fazia minha barraquinha já sofrida parecer que ia desabar a cada minuto. Sem o telhadinho que cobre as telas que ficam na parte superior, tive que me virar com umas capas de chuva amarradas, mas com o vento não adiantava muito. Decidi que, se era para ficar na barrada daquele jeito, o melhor seria disparar de uma vez, às seis da manhã também. Não ia conseguir dormir de qualquer maneira. Desmontamos as barracas e caminhamos com as malas por um bom pedaço sob chuva e vento, o que é uma experiência inglória. Chegamos e lá estava um dos ônibus atulhado de metaleiros e malas. Juntamos nossos pacotes e ossos molhados aos deles, e lá fomos sacolejando até Itzehoe, a cidade mais próxima que possui uma estação de trem (eu já mencionei que Wacken é um cu de mundo? Deixa eu falar de novo: Wacken é um cu de mundo!).

“Ter uma estação de trem” não significa “ter uma estação de trem onde caiba todo mundo” e lá foram os metaleiros se amontoar pelo chão da microestação. Aproveitamos para trocar as roupas encharcadas. Ainda faltava uma hora para o trem da Tati e a bagatela de dez horas para o meu. Fui perguntar para o vendedor de passagens se tinha jeito de trocar de horário, mas tudo o que ele me disse foi que poderíamos já ir até Hamburgo a qualquer momento, sem ter que esperar o horário certo. Isso soou melhor que ficar naquele pulgueirinho, e lá fomos nós. Era até engraçado, aquele monte de gente de preto dominando o pequeno local, e lotando o trem que logo chegou. Em Hamburgo, finalmente descemos em uma estação decente e esperamos tomando um café. À essa altura, com a adrenalina já baixa, me sentia como um zumbi. Tati não parecia diferente. Uma hora depois, chegou o horário dela e nos separamos.

Ainda tive que esperar um pouco para abrir o guichê de vendas, onde pude perguntar se dava para trocar o diabo da passagem. Não rolou pois, como eu comprei com preço promocional, teria que pagar uma diferença grande para pegar um trem que sairia apenas três horas antes. Para quem ia esperar por dez, três a menos não fazia tanta diferença. Juro que, se estivesse em condições, aproveitaria para andar pela cidade. Com essa possibilidade totalmente fora de cogitação, me sentei num bando da estação e comecei a escrever este relato, que continuou nas horas em que passei sentado em um McDonalds comendo porcarias. O tempo todo ainda vejo pessoas de preto com cara de sono andando de um lado para o outro ou caídas nos bancos.

Se você conseguiu chegar até o final e achou isto insuportavelmente longo, pode ter uma idéia do quão grande está meu saco de ficar esperando. E ainda tenho uma hora e meia pela frente, mas com certeza não usarei para continuar escrevendo. O plano agora é pegar este trem, em duas horas estar em Berlim, ir direto para o hotel (abençoadamente é do lado da estação) e morrer na cama. Amanhã o dia é de descanso e, quem sabe, lavar as roupas e outros bagulhos que voltaram num estado deplorável. Berlim mesmo, só terça feira. Tudo dentro do planejado. Um dia a menos de turismo por três dias que foram muito, mas MUITO legais. Só me pergunto agora... Quando venho para o próximo??