terça-feira, 31 de julho de 2012

Guerra e chope

    Começo o novo diário de viagem com os primeiros dias um tanto quanto movimentados. A viagem para cá foi sossegada. Depois do voo de Floripa ao Rio de Janeiro, o tempo de espera foi curto até o voo internacional (três horas e meia). Tendo escolhido um lugar mais no fundão, tive a rara sorte de ficar com a fileira de três assentos toda para mim. O avião estava silencioso e tudo absolutamente confortável. Assim, consegui dormir exatos zero minutos, porque sou eu. Até tentei, mas, quando estava mais próximo de conseguir, deitado pelos bancos, a aeromoça gatinha veio acariciar minha perna... para avisar que estava rolando turbulência e eu deveria sentar e colocar o cinto. Daí desisti de vez. Saldo da viagem: um episódio de Simpsons, um de Friends, três de The Big Bang Theory, Jurassic Park pela milésima vez e várias rodadas de Championship Manager.

    No aeroporto de Paris, ainda rolou uma demora na conexão para a Alemanha por causa de uma bagagem suspeita encontrada em algum setor. Risco de bomba, nada fora do normal. Cheguei no aeroporto de Munique ao meio dia (do horário daqui, sete da manhã no Brasil), rapidamente me familiarizei com as conexões de trem da cidade e cheguei no meu hotel (tããão diferente da primeira vez...), ao lado do Sendlinger Tor, o portão oeste do centro da cidade. Só larguei minhas coisas lá e fui almoçar na praça do portão. Salsicha, chucrute e cerveja, é claro. Uma cena memorável durante o almoço foi a de um casal alemão iniciando o seu filho de uns onze anos no caminho da cerveja. Os adultos com seus copos-padrão (500 ml) e o guri com um copinho menor. Rolou até brinde familiar antes de beber. Só que o rapaz pareceu não curtir muito (e quem gosta de cerveja logo de cara?) e o garçom trouxe um copo com gelo e canudo para ele ir misturando e descer melhor. Daí ele bebeu tudo. Sim, aqui cerveja é cultura: ou você bebe, ou vai para o campo de concentração.

De volta ao quarto, acordado há mais de um dia e completamente banzo, percebi que o hotel era uma merda. O dia estava ensolarado e quente, embora nada assustador para os padrões brasileiros, mas o quarto ficava um forno, e não tinha nem um ventilador para amenizar (ar condicionado lá é realmente raro, mas pô, quanto deve custar um ventiladorzinho de mesa na Alemanha?). Só dava para aguentar mais ou menos com a janela aberta, o que significaria barulho e sol na cara. Consegui dormir naquele momento porque estava podre, mas acordei de madrugada (ainda um pouco abafado) e não consegui mais. Passei as horas então procurando no Booking.com por outra opção e tive que pegar um hotel de rede, apenas um pouco mais afastado do centro, e 50% mais caro. Mas, àquela altura, valia a pena. Apenas esperei chegar oito da manhã para a recepção do hotel abrir e disparei.

Felizmente, o novo hotel era animal, bem grande e com tudo novo (e ar condicionado!). Dei sorte de já ter um quarto livre, mesmo sendo nove da manhã e o check in oficialmente sendo apenas três da tarde. Larguei as coisas lá e logo parti para andar pela cidade, porque, mesmo com o sono mega atrasado, tinha que fazer o sábado render.

Munique

    Como todas as cidades antigas da Europa, Munique, mesmo sendo imensa (1,2 milhões de habitantes na região), tem um centro histórico pequeno, herança do tempo em que o mundo era maior e as cidades, menores. Assim, depois de dez minutos de caminhada, eu estava nele, e pude ver tudo a pé. No centro, a coisa mais chamativa são as várias grandes igrejas uma perto da outra. Se considerar que a cidade começou como um conurbado de monastérios (e o próprio nome dela deriva da palavra alemã para “monge”), nada mais compreensível. O que explica também as várias cervejas com nomes de santos (Paulaner, Franziskaner, Augustiner...). O problema é que a cidade levou muita bomba na cabeça durante a Segunda Guerra, e praticamente todas as igrejas foram reconstruídas, o que explica seus interiores bem austeros e, relativamente, pouco impactantes. A mais chamativa é também a mais famosa, a Frauenkirche, que impressiona pela força bruta das torres imensas (cem metros) e grande interior.


    Após almoçar em um biergarten dentro de um parque, subi até a Könnig Platz (“praça do rei”), onde tem um interessante complexo de construções neoclássicas: um pórtico inspirado no Propillion de Atenas, a Galeria de Antiguidades e a Gliptoteca (galeria de esculturas antigas). Cada prédio foi feito em um estilo grego: dórico, jônio e coríntio. Este fato é mais legal do que as galerias em si. É o mesmo problema que a maioria dos museus alemães: não tem nada escrito em inglês. Nem o título das peças. Tá certo que um escudo de bronze é um escudo de bronze e pronto, mas tem coisa que você não sabe se é a ponta de um estandarte, de uma lança ou um espeto de churrasco. Curiosamente, o único texto bilíngue era em uma caixa para doações na Gliptoteca. Bem que poderiam investir as moedinhas lá em traduções...

    Dali fui para um terceiro museu que, no papel, tinha me interessado, o da pré-história (que, na verdade, é um museu de antiguidades também). Só que o museu estava em obras e apenas três salas com umas coisas romanas podiam ser vistas. Em resumo, nenhum deles é particularmente chamativo, sequer chegando perto daqueles de Berlim, e perdendo feio até para os da Grécia.

    Fim do expediente turístico, voltei ao hotel para descansar um pouco melhor desta vez. Não sem antes de pegar uma comida típica de Hamburgo em um restaurante tradicional alemão. Sabe, aquele com o grande M amarelo...

    No domingo, meu plano era de ir ao zoológico, porque, onde tiver um, lá estarei. Mas, de manhã, caiu uma chuva fenomenal. Fiquei na dúvida entre ir ou não, porque tinha lugares interessantes (e cobertos) que eu ainda não tinha visitado. Entre uma dúvida e outra, fui me enrolando até que a chuva parou. Decidi arriscar e me mandei para o zoo, o que acabou sendo uma boa escolha. Porque o dia ficou entre sol alto e chuva forte, o que espantou um pouco a galera, e estava tranquilo de passear lá. Foi só questão de ver os espaços abertos no sol e os fechados na chuva.

    Foi o terceiro zoo que visitei na Alemanha e ele compartilha da mesma lógica de Berlim e Frankfurt. Você vê os bichos bem de perto e há mais vidro que grades na sua frente. No caso das focas e leões/lobos marinhos, realmente a única separação era um vidro na altura da cintura, e era perfeitamente possível tocar nos animais, se alguém tivesse interesse em perder uns dedos. Embora não tenha a imensa riqueza de espécies de Berlim, o diferencial de Munique está em alguns espaços abertos em que não há nenhuma separação entre público e animais. Estes eram o aviário (que não tinha só pombos e pardais, obviamente), uma estufa tropical e a sala dos morcegos (que ficavam dando belos sustos ao voar em torno das pessoas). Não sei o quanto isso contribui para o estresse dos animais, mas, como o povo não ficava perseguindo e tentando pegar os bichos, não deve ser um grande problema. E aí, funcionaria no Brasil? Claro, com a diferença que todo mundo tentaria sair do lugar com um morcego no bolso.

    Quando o zoo fechou, voltei ao centro para encontrar uma amiga que fez o começo da universidade comigo, a Juliana, e agora estava casada com um alemão e morando em Munique. O primeiro fato engraçado é que ela, já há três anos lá, tropeçava algumas vezes no português ou, sem pensar, falava em alemão comigo, e tinha que falar de novo ao ver minha cara de paisagem. Já que eu era o turista, fomos para a Hofbräuhaus, o biergarten mais famoso de Munique, onde as famosas canecas de litrão correm soltas e, inclusive, não existem opções de canecas menores (só para tipos específicos de cerveja, como a de trigo). Então, basicamente, é um grande espaço onde todos estão bêbados. Dividimos a mesa com um casal de alemães que moravam em Paris, com quem conversamos bastante. Minha amiga não é muito boa no inglês, o que gerou uma situação interessante: de quatro línguas em potencial, não tinha nenhuma que era compartilhada por todos na mesa. Então sempre alguém ficava viajando um pouco, mas, mesmo assim, foi bem divertido. Outra coisa bizarra era a estrita divisão espacial em relação ao atendimento das mesas, algo até compreensível em um sistema que incorpora a gorjeta. Infelizmente, ficamos em uma tríplice fronteira, fazendo contato direto com a área de atendimento de uma morena bonita e de uma loira fenomenal, mas dentro do território de um tiozinho meio surdo. E os outros garçons não te atendem mesmo, até quando o seu está demorando.

    Alguns litros depois, nos despedimos e fomos embora, umas dez e pouco, porque segunda eu teria um passeio mais demorado pela frente. Mesmo assim, foi só bem depois da meia noite que consegui deitar na cama e apaguei na hora.

    Levantar sete e pouco foi uma briga na segunda, mas o dia estava bonito e eu tinha duas horas de trem até os Alpes Bávaros (a pontinha da cordilheira que se encontra em território alemão). A atração principal da área são dois castelos de reis da Bavária durante seus cerca de cem anos como reino independente (durante o século XIX e começo do XX), o pequeno de Hohenschwangau e o super-famoso Neuschwanstein. Uma coisa importante que tinha aprendido na viagem anterior é que, em viagens de um dia dentro de um mesmo estado/província/o raio que o parta, é possível comprar um passe que é geralmente metade do preço de comprar os trechos de ida e volta. Sempre deve-se ter isso em mente ao fazer um bate-e-volta em uma cidade do interior a partir de uma base em uma cidade maior.

    A outra coisa muito importante que eu tinha aprendido na viagem anterior, esqueci: comprar as entradas antecipadamente pela internet. Pois quando cheguei na região dos castelos às onze horas, encarei uma puta fila lerda de uma hora e meia até conseguir os bilhetes. Além da demora, como ali as visitas ao interior dos castelos são todas guiadas e com hora marcada, só tinha horários para algumas horas depois. Felizmente, a área é muito bonita e tem muita coisa para fazer enquanto se espera pelos horários. Além de um lago, há toda sorte de trilhas e estradinhas cortando as matas do lugar. Gastei uma hora andando pelas trilhas antes de ir no Hohenschwangau, cerca de uma e meia da tarde. É um castelo pequeno e relativamente simples e novo, habitado pelo rei Maximiliano II durante a metade do século XIX. Ao terminar a visita de meia hora, ainda tive duas horas para caminhar por lá antes de ir ao castelo maior.

    Neuschwanstein (a simpática Nova Pedra do Cisne, ou algo assim) merece sua reputação e status de ícone, muito além de ter servido como inspiração para o castelo da Disney. Não é um castelo medieval, mas foi construído neste estilo, pois Ludovico II, filho de Maximiliano, era um entusiasta da Idade Média e quis reproduzir aquele sentimento em sua nova casinha. Tá certo que, por causa dessas coisas, ele foi considerado louco, deposto e morreu logo depois, o que impediu o castelo de ser terminado, mas o que restou foi uma obra grandiosa e recheada de referências a lendas medievais/clássicas. Tanto por fora quanto por dentro, é exatamente aquilo que vêm à cabeça quando se pensa em “castelo”. Infelizmente (muito mesmo!) só é possível andar pelo interior dos dois castelos na visita guiada, que é rápida e apressada. Eu gastaria fácil horas me perdendo pelos corredores, salas e cantos escondidos dos dois. Mas creio que, por não serem tão enormes e receberem muitos turistas (era segunda feira e tinha uma galera), deve ser o único jeito de organizar a visitação por lá.

    Ao sair do castelo, só deu para dar uma passada atropelada no Museu dos Reis da Bavária antes de pegar um trem que chegasse em Munique antes das onze da noite. No fim, faltou tempo na região dos castelos, pois teria sido muito legal, por exemplo, pegar um barquinho e sair pelo grande lago que domina a área. Se alguém for para lá um dia, compre a entrada pela internet, ou acorde muito cedo. No meu caso, nem preciso dizer qual a melhor opção...

    Cansado pelas caminhadas e morto de sono (e, como o usual, me enrolando para dormir), abortei qualquer tentativa de passeio na terça de manhã, assim, alguns lugares legais de visitar ficaram pelo caminho (o palácio dos reis bávaros na cidade e o museu de ciência e tecnologia). Acordei onze e meia, só a tempos de pegar um trem, que é onde escrevo, a caminho de Göttingen encontrar outra amiga para logo irmos ao Wacken. Munique é legal, embora, se descontar o zoo, a ida aos Alpes e a tarde vendo os museus meia-boca, dá para conhecer a parte turística principal em um dia. A não ser que você gaste um inteiro tomando cervejas de litrão, o que nunca deixa de ser uma má ideia...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Felix's Gate II: Shadows of Asia

E uma nova jornada começa! E traz muito mais emoção do que um trocadilho nerd medíocre no título...

Embora seja uma viagem no mesmo estilo, planejar a deste ano foi bem mais complicado do que ano passado, quando passei por poucas cidades, ficando vários dias em cada uma. Desta vez, eu sabia que começaria pela Alemanha de novo, por causa do Wacken. Minha dúvida era entre fazer um roteiro nórdico (que sai da Alemanha via Holanda, passa pela Bélgica e chega no Reino Unido) ou sulista (voltando para o país pelo qual me apaixonei, a Grécia). Felizmente, apareceram as Olimpíadas para resolver a questão. Não que eu não goste do evento, muito pelo contrário, mas para quem quer fazer turismo em um lugar, isso só significaria preços muito mais altos e atrações muito mais lotadas que o usual.

Então, bora para o Mediterrâneo! A idéia de ir quicando pelas ilhas gregas até a Turquia surgiu naturalmente, pois é um caminho bem lógico (e seria sentir um gostinho de leve da Ásia... Tipo uma sombra dela... Entenderam agora? Ahn? Ahn?). Então, tendo mais ou menos definido os países, comecei a ler sobre os locais em guias e internet.

Daí veio o Mal do Turista: comecei a querer desesperadamente ver cada pedaço de templo antigo, construção medieval e museu de velharias que existisse em cada cidade de cada ilha e/ou país. Como deixar de lado a oportunidade de ver Delos, uma micro-ilha ao lado de Mikonos que é um sítio arqueológico por inteiro? E de passear por Santorini, uma gigantesca cratera vulcânica em forma de ilha, ainda ativa e que já destruiu civilizações inteirar com os efeitos de suas erupções? Passar por um lugar realmente lendário como Tróia? Ver as paisagens quase alienígenas da Capadócia? E o remanescente da capital de um império mais antigo do que toda a Antiguidade que a maioria das pessoas conhece, em Hattusa (com satisfação-bônus para quem leu a série "Ramsés")? Sentir o clima de uma das cidades mais importantes de toda a história ocidental/médio-oriental, Bizâncio/Constantinopla/Istambul?

Enfim, para quem é apaixonado por velharias, viajar por aquela região é ver a história viva (ou morta, quebrada e espalhada em pedaços pelo chão, mas vocês entenderam o espírito...). Mas, como a Dilma só me dá um mês de férias, tive que encarar uma dolorosa tarefa de seleção de prioridades e viabilidades.

Isto singificou horas e horas de internet pesquisando meios de transporte e horários, busca esta que, na realidade, se encerrou apenas hoje. Pois tive que descartar um plano inicial, de alugar um carro em dois trechos da parte turca da viagem e sair por aí dirigindo, porque nenhuma empresa de aluguel de carros topa dar um brinquedo na mão de uma criança com menos de um ano de habilitação. Imagino que migués e jeitinhos sejam sempre possíveis, mas não daria para programar os dias de hotel, por exemplo, correndo o risco de depois mudar tudo em cima da hora. Felizes daqueles que acham legal só se mandar e pensar em tudo apenas na hora, não os neuróticos que preferem diminuir ao máximo o número de escolhas necessárias antes de viajar (ainda mais durante a alta temporada!). Mas, como a parte turca será, no fim, quase toda de busão, posso evitar a paranóia estrita dos horários de avião, e os preços astronômicos do aluguel de carro.

Um ponto importante foi tentar equilibrar um pouco mais as coisas, porque, por mais que eu ame pedras velhas, um mês de pedras velhas cansa. Ano passado passei muito tempo em museus e um pouco mais de variedade cairia bem. Assim, embora cada lugar pelo que eu vá passar tenha algo no mínimo medieval para ver (o que na Europa não tem, não é?), vários outros tipos de curtição estão previstos, desde reencontrar amigos e tomar chopes de litrão em Munique até pegar uns dias de praia nas ilhas.

Depois de idas e vindas, eis que o roteiro final foi reduzido a: Munique (turismo histórico/etílico) - Göttingen (apenas caminho) - Wacken (roquenrou!) - Hamburgo (já que é pertinho do Wacken...) - Atenas (umas horinhas, só para matar a saudade da Acrópole) - Santorini (turismo histórico/praiano/paisagístico) - Rodes (histórico/praiano) - Selçuk (histórico) - Pamukkale (histórico/paisagístico) - Capadócia (histórico/paisagístico) - Ancara (histórico) - Istambul (histórico/cultural).

E lá vamos nós, então. Não sei se terei tanto tempo quanto antes para escrever sobre os locais que passarei, mas farei um esforço, porque, antes de tudo, é um diário de viagem para relembrar das coisas depois. Ainda hoje leio o que escrevi do ano passado. Portanto, mais do que falar para as paredes, escrever em um blog morto-vivo é um registro histórico! Claro, complementado com a usual série de fotos sublinhadas por gracinhas bestas no Facebook, mas daí é só para fazer marra mesmo...