"For everything
there is a season, and a time line for every purpose under heaven"
- Ecclesiastes, 3:1 (adaptado)
Foram
sete longos dias em Londres. Foi o lugar onde fiquei mais tempo em viagens
(também fiquei sete dias em Berlim, mas eles incluíram o pós-Wacken). Ainda
terei um tempo de Inglaterra pela frente, mas agora é hora de contar o que
rolou na maior cidade da Europa.
Londres
Durante
o vôo de Hamburgo para Londres, percebi que os 45 minutos programados estavam
demorando para passar. Daí me toquei que estava mudando de fuso, ficando uma
hora mais perto do Brasil. Ao chegar, enfrentei a temida imigração britânica,
bem menos simpática que os sorridentes e avermelhados alemães. Estando no
"grupo de risco", tive uma agradável conversa de dez minutos com um tiozinho
indiano, na qual tive que mostrar reserva de hotel, dinheiro, cartão de
crédito, etc. Engraçado foi quando respondi à pergunta dele sobre quanto saldo
tinha no cartão. Ele parou um segundo e mandou um "really?"
desconfiado. Acho que sou muito mais rico do que pareço...
Depois
de receber a carimbada (sem sequer um sorrisinho), resolvi as coisas mais
importantes, como sacar libras e entender o sistema de transporte, e parti para
uma longa travessia de uma ponta à outra da Grande Londres, do aeroporto onde
cheguei (Heathrow, no extremo oeste) até a estação de Walthamstow, no lado
leste. O famoso sistema de metrô é muito completo, com uma dúzia de linhas, mas
pode confundir no começo por ter várias linhas que se dividem no meio do
caminho e estações que não abrem alguns dias da semana. Mas tudo é bem
explicado e eficiente, então fiquei na base do metrô todos os dias.
Ao
desembarcar e sair da estação, pensei que tinha ficado tanto tempo sob a terra
que havia saído da Inglaterra. Afinal, onde estavam os ingleses? Walthamstow
fica numa região de imigrantes, e tudo o que via eram orientais, islâmicos e
africanos (ou descendentes, claro). Parece que toda Londres é assim, tem muita
gente de fora em todos os lugares. Fiquei um pouco alerta ao cruzar com um povo
estilo gangsta americano, mas no fim a vizinhança é sossegada. O povo está ali
para viver sua vida, sob a tolerância cada vez menor dos ingleses para com os
imigrantes.
E
claro, nesse translado já rolou o primeiro desafio: pessoas paradas no semáforo
vermelho para pedestres. Esperei para ver. Ao menor sinal de espaço entre dois
carros, o povo se jogou para o outro lado da rua. Iei! De volta ao Brasil!
Como
cheguei na metade da tarde, tudo o que fiz nesse primeiro dia foi comprar
comida e pensar nos próximos dias. Fiquei numa guesthouse, então tinha uma
cozinha à disposição, o que foi providencial para economizar as libras dos
jantares e cafés da manhã de cada dia. O lugar era afastado do centro (25
minutos de metrô), mas hospedagem lá não é para qualquer um (ou para quem quer um
quarto individual com banheiro!). Evitei pensar em reais nesses dias, para não
ter pesadelos. Libra valendo R$3,50 é fogo!
Na
manhã seguinte, acordei oito e meia para fazer o dia de sightseeing. Nem
adiantava acordar muito mais cedo, pois quase todos os pontos turísticos da
cidade abrem apenas às 10:00. Menos, logicamente, a Torre de Londres, aquele
que escolhi para começar, que abria às nove, portanto já tinha uma generosa
fila quando cheguei. É um dos vários castelos construídos pelos normandos no
século XI, após a conquista britânica. Aliás, tudo na Inglaterra parece ser ou
ter sido iniciado nessa época, séculos XI e XII. O país tem uma história complexa
de invasões. Os bretões, povo céltico que já se encontrava há bastante tempo
nas ilhas, foram os que enfrentaram a conquista romana no século I. Alguns
séculos depois dos romanos se mandarem, vieram os germânicos anglo-saxões, dos
quais o termo "inglês" surgiu. Seu domínio sobre o país durou até a
chegada dos normandos, que nada mais eram do que vikings estabelecidos na costa
francesa há dois séculos. É desse caldeirão de influências germânicas, celtas e
latinas que emergiu a Inglaterra atual. Mas é raro encontrar remanescentes do
período pré-normando.
O
diferencial da Torre de Londres é ficar bem no coração da cidade atual e nunca ter
caído no esquecimento, estando bem conservada até hoje. O meu passeio pelas
muralhas e torres externas ficou prejudicado pela grande quantidade de pessoas
apertadas nos espaços pequenos, mas logo fugi para a fortaleza central e mais
antiga do complexo, a White Tower, onde há uma fabulosa coleção de armamentos
medievais e renascentistas. Não é preciso mais que uma maça ou alabarda para
deixar o Félix feliz, mas ali tem muito mais que isso, incluindo a Linha dos
Reis, uma coleção de armaduras que pertenceram aos reis ingleses dos últimos
seis séculos.
Depois
de me divertir na White Tower, olhei para a multidão fazendo fila para entrar
em outro prédio, que guardava as jóias da coroa britânica, e dei as costas.
Quem precisa de uma coroa e um cetro quando se tem um elmo e uma espada? As
filas, no entanto, me desanimaram para ver outras torres mais disputadas, como
a Bloody Tower e sua história de prisões e torturas dos inimigos dos reis.
Parei
para comer ao lado do castelo, onde provei o grandioso prato tradicional dos
ingleses: peixe empanado com batata frita! É, esse é o famoso "fish &
chips", que vem com um potinho de molho tártaro e uma bolinha de ervilhas
amassadas para complementar. Não é à toa que 95% dos restaurantes da cidade são
de comidas internacionais...
Logo
do lado da Torre e do restaurante, fica a Tower Bridge, aquela ponte basculante
vitoriana que todo mundo já viu em mil filmes. Apenas passei caminhando por ela,
pegando depois o calçadão que corre ao lado do Tâmisa, até chegar em uma interessante
igreja gótica com paredes externas de pedras pretas, a Southwark Cathedral.
Dali atravessei novamente o rio e fui até a maior igreja de Londres, a St. Pauls
Cathedral. Curiosamente, foi construída no estilo da Basílica de São Pedro, em
uma época que o catolicismo romano era banido e perseguido na Inglaterra.
Porém, o interior é bem mais austero que o da irmã mais velha. Pena que eram
quatro horas e a catedral tinha acabado de fechar a entrada para novos
visitantes, mesmo com bastante gente ainda querendo entrar. Bem, perderam
várias libras!
Aproveitei
o cartão ilimitado do metrô para economizar alguns passos e minutos e ir até
Westminster, onde ficam vários ícones da cidade. O prédio do Parlamento é um
troço gigante e tremendamente decorado do lado de fora, com a torre do Big Ben
anexada. Um prédio muito bonito, mas não me preocupei em entrar. Preferi gasta
o tempo do outro lado da rua, na espetacular Abadia de Westminster (é bom ficar
ligado que as admissões também fecham às quatro, mas vão até as seis nas
quartas feiras). Como toda igreja gótica, é espetacular por fora. Mas, nesse
caso, o interior é mais interessante, pois você vê a história inteira de um
país acontecendo. Lá estão sepultados figurões da história britânica, como
alguns dos primeiros reis, escritores, filósofos e personagens da nobreza. E
qual não foi minha surpresa ao dar os primeiros passos e ler, numa das
sepulturas, "Charles Robert Darwin, 1809-1882"? O messias da biologia
foi enterrado lá, mesmo sendo ateu/agnóstico, pois mesmo em vida sua obra e
importância já eram reconhecidos.
Graças
ao útil guia de áudio, pude ficar cerca de uma hora e meia ali dentro, o que é
bastante para uma igreja. Na volta, ainda parei para ver o Temple, que é o
bairro que pertenceu aos Templários entre os séculos XII e XIV. Mas não tem
nada de muito interessante por lá, fora uma igreja dos velhos cavaleiros, que
infelizmente estava fechada. Voltei para a periferia então, encerrando já na
noite um dia agitado e produtivo.
No
dia seguinte, decidi ir no zoológico. Teria que ir neste dia ou no sábado,
então me pareceu uma boa idéia evitar o fim de semana, quando normalmente os
nativos enchem o ambiente com suas proles barulhentas. Não adiantou muito: além
de chegar meio tarde, ainda havia uma fila enorme, e uma plenitude de
criaturinhas barulhentas, empurradoras e remelentas. God bless the Queen, rock'n'roll and earphones!
Não
é um zoológico muito grande. A ZSL (Zoological society of London) possui um zoo
em outra cidade, em uma área enorme onde rolam até mini-safaris, então muitos
dos mamíferos de grande porte foram alocados lá. Mas sem problema, quem visita
bastante zoológicos já está cansado de leões e rinocerontes. O legal deste zoo
foi ter um reptilário bem rico, incluindo uma paixão adolescente minha, e que
ainda não tinha visto ao vivo: dragões de Komodo! Tinha dois bichões que,
embora longe do tamanho máximo da espécie, ainda eram enormes. Desta vez fui eu
a atrapalhar as crianças que queriam ver um dos bichos que estava bem próximo
do vidro. Vingança, molecada!
Após
sair, a única coisa que fiz foi atravessar o Regent's park, um dos maiores de
Londres, onde fica o zoo. Tem uns jardins bonitos, gramadões a perder de vista,
fontes, lago e etc. Logo peguei o metrô de volta à pousada, pois no dia
seguinte queria levantar mais cedo, pois era o dia do British Museum.
Minha
preocupação era chegar na hora da abertura, às dez, para evitar as multidões.
Quase consegui! Cheguei dez e meia e me surpreendi por não ter fila. Por um
motivo muito simples: a entrada é gratuita! Depois de gastar vinte libras para
entrar em cada lugar antes disso, foi uma agradável surpresa. Só gastei cinco
para pegar um guia de áudio, mas as peças são tão bem explicadas nos cartazes
que nem era necessário, para quem prefere ler a ouvir (como eu).
Tinha
escolhido a sexta feira por ser o dia em que o museu fica aberto até mais
tarde, e até tinha cogitado fazer algo antes, já que achava que teria tempo de
sobra. Felizmente não o fiz, pois no fim só saí do museu com seu fechamento,
dez horas depois. As coleções são excelentes, principalmente as do meu período
histórico favorito, a Antiguidade no Oriente Próximo. Mas tem peças antigas de
tudo quanto é cultura, incluindo Mesoamérica, África, Idade Média européia,
Índia, China, Japão... Mesmo com muita gente, a amplitude e variedade do museu
não faz as salas ficarem socadas. Foi só evitar alguns espaços e peças nos
horários de pico, como a Pedra de Roseta (a peça mais pop do museu), diante da
qual o tempo todo tinha gente se empilhando para tirar fotos. No final, ainda
faltou tempo para ver com calma a fantástica galeria de culturas orientais,
então tive que correr e atuar como aquele tipo de serzinho desprezível que
infesta museus, que anda com a câmera na frente da cara só para tirar fotos e
dizer que viu, mal olhando para as peças em si.
O
British Museu talvez seja o melhor museu de história e arqueologia que já
visitei, pela riqueza de peças, informações e por estar tudo em inglês
(óbvio!). É meio difícil de entender a arquitetura do negócio no início, e
decifrar o mapa, com seus andares e níveis, é como se aventurar numa dungeon
complexa, onde você está no meio dos gregos e de repente faz uma curva e cai no
Egito. Mas depois de gastar alguns minutos raciocinando, é possível criar
roteiros coesos e se divertir. Comparável a ele, até agora, só o Pergamonmuseum
(pelas suas mostras monumentais) e, talvez, o Louvre (pelas peças icônicas).
Como
cheguei tarde na pousada, decidi matar a manhã seguinte e ir só de tarde para o
Natural History Museum. Novamente, entrada na faixa, mas desta vez com fila.
Com pouco tempo, tentei ir direto ao ponto (dinossauros!), mas havia uma nova
fila, e das grandes, para entrar na galeria mais disputada do lugar. Assim,
aproveitei para andar pelo resto do museu antes, onde os fósseis estavam
espalhados no meio dos animais empalhados (não me empolga ver bichos atuais em
museu, pois prefiro vê-los vivos no zoo). A parte mais legal foi um paredão
cheio de fósseis de antigos répteis marinhos, como ictiossauros, pliossauros e
mosassauros. Depois, encarei a fila para a galeria dos dinos, e me decepcionei
um pouco. Acho que esperava algo como o museu de Paris, uma sala enorme com
toneladas de fósseis. Mas, como a maior parte deste museu, era uma mostra mais
interativa e explicativa, cheia de maquetes e firulas, e com poucos bichos em
si. Não tenho dúvida de que é bem mais legal para 99% das pessoas, mas eu
preferiria aquele estilo "Pronto, aqui estão fósseis e nomes, lide com
isso! Veja essa metade de costela de Opisthocoelicaudia
e ache legal!" da contraparte francesa.
A
tarde acabou sendo o bastante para o museu. O tempo curto me impediu de visitar
o vizinho Science Museum, mas imagino que, no fim, ia ser uma coisa parecida,
cheia de "diversões para toda família". Meu estilo é um pouco
diferente: peças, cartazes e imaginação bastam (claro, de vez em quando também
é divertido vestir um armamento viking completo, como em Copenhague). Mas é
legal que existam esses espaços onde as pessoas (e crianças) possam explorar de
modo mais lúdico coisas que não são usuais a elas.
Para
o último dia, tinha planejado ir ao famoso castelo de Windsor, o mais antigo
castelo continuamente habitado do mundo. Porém, depois de todas as filas e
multidões, cada vez mais aquilo me pareceu uma armadilha para turistas.
Lembranças da complicada visita a Versalhes vieram à tona. Assim, explorei
algumas opções na internet, encontrando um site muito útil de castelos na
Grã-Bretanha e Irlanda (http://www.britainirelandcastles.com/). Ali encontrei o
Rochester Castle, um castelo normando em ruínas, mas um dos mais bem
preservados do seu tipo. Como bônus, uma catedral antiga do lado e o fato de ser
a apenas 40 minutos de trem de Londres. Então, Windsor para as massas, ruínas
para o Félix!
Cheguei
às onze em Rochester, uma simpática cidadezinha das antigas. Depois da loucura
londrina, foi bom poder caminhar pela tranquila rua central até o castelo. Era
bem o que eu esperava: uma antiga fortaleza de 35 metros ainda de pé. O
interior está praticamente todo colapsado, mas ainda é possível caminhar pelos
corredores das paredes externas até o topo. Como bônus, poucos visitantes e um
guia de áudio que ajuda a imaginar a vida medieval do castelo. Paredes caídas,
escadas de pedra, ameias e corredores estreitos, esse é o tipo de coisa que me
atinge mais do que a pompa e frescura dos palácios ainda habitados. Pena que
lugares deste tipo também costumam ser pequenos (até hoje não vi nada que se
comparasse ao castelo de Heidelberg), então tentei aproveitar ao máximo cada
canto acessível, esticando por uma hora e meia a visita.
Fora
isso e a catedral (não muito diferente das outras), não há muita coisa para ser
vista em Rochester. Aproveitei para almoçar a um preço mais suave que Londres e
voltar, chegando às quatro. Como ainda tinha tempo, passei no palácio de
Buckingham para cumprir tabela e tirar umas fotos do lado de fora. Dali, foi só
retornar ao hotel e arrumar as malas para a ida à York, no dia seguinte.
Assim
terminou minha semanada em Londres. Ainda havia outras coisas que poderiam ser
feitas, como ver por dentro a Tower Bridge, o Parlamento e etc. E ainda quero
visitar Windsor numa época mais calma. Mas tudo fica cheio na temporada, chega
próximo de Paris, e não sei se as visitas compensam as filas e cotovelos. A
cidade em si é enorme e não tem um centro histórico definido, daqueles no qual
você sai caminhando e vendo uma coisa atrás da outra. O turismo é mais baseado
em metrô, lugar X, metrô, lugar Y e assim vai. De qualquer modo, pude
aproveitar bastante as coisas que mais me interessavam, com tempo de sobra e
sem pressa. As entradas gratuitas nos museus e a cozinha da pousada fizeram com
que eu gastasse menos do que temia, pois Londres pesa nos bolsos brasileiros
(porém, sem chegar perto da insanidade dinamarquesa). Concluindo, uma cidade
rica e fundamental para qualquer viajante conhecer. Mas, dependendo dos seu
pique e gosto, pode ser vista em bem menos dias.
3 comentários:
Viajei com você neste relato e matei saudades de Londres. Ainda quero voltar lá. Não fui ver a torre de Londres(que pena!), nem o British Museum.É verdade que esta não deve ser a melhor época para ir aos lugares turísticos...
Você ficou devendo conhecer Oxford - é muito a tua cara!
Adoro ler do jeito que eascreves. É divertido! Beijos mãe
Curti o ctrl J :)
Eu simplesmente adoro a Inglaterra e adoro Londres, mesmo sem conhecer outras partes da Europa.
E sim, museus gratuitos são realmente o máximo, e são comuns por todo território inglês.
O Museu de História Natural durante a semana é tranquilo, no fim de semana que eu peguei fila (por causa dos dinos também).
Minha única frustração foi não ver a baleia azul.
Concordo sobre o British Museum ser um dos melhores. E gosto bastante do Victoria and Albert por ser um museu extremamente diverso (tem de tudo).
Fiquei aqui babando e morrendo de inveja (cuidado, algo de ruim pode te acontecer).
Devo acrescentar apenas uma coisa que faltou na tua postagem. Fish and chips são acompanhados do MUITA gordura.
Laise
Postar um comentário