terça-feira, 11 de agosto de 2009

Resenhas do dia- filmes

Filhos da esperança (2006)

Eu vou começar isso aqui de um modo bem direto: assistam esse filme. Se já o fizeram, assistam de novo. Sério.

Estava eu aproveitando alguns momentos de folga e o sinal liberado do Telecine para os portadores do Pacote-Pobre da NET. Deu dez horas, quando começa sessão em todos os cinco canais. Na programação, o que mais me atraiu foi o "Homem de Ferro LEG" no Telecine Pipoca. Como eu lia história em quadrinhos da Marvel e ainda não tinha visto, lá vou eu. Basta os primeiros minutos dos créditos para vir aquela vozona dublada falando o título do filme. WTF??? O que diabos significava o LEG então?

Como prefiro não assistir a asssitir dublado, zapeei nos outros canais para ver se algum aresentaria algo interessante. No Telecine Action, bastou uma pequena legenda ("London - 2027") para chamar minha atenção. Eu curto ficção futurista, mas sabia que tinha 90% de chance de cair em uma tosqueira. Por sorte, acabei me salvando de uma provável ação genérica para cair em um dos melhores filmes que assisti nos últimos tempos.

Parte da minha surpresa positiva foi o fato de que eu não acompanhar tão de perto discussões cinematográficas. Não tinha a menor idéia de que o filme havia sido um dos maiores sucessos de 2006, que teve gente chamando de obra-prima, que a sua não-indicação ao Oscar gerou uma polêmica enorme... Enfim, assisti à obra sem nenhuma opinião pré-concebida a respeito, e garanto: o filme não é só "hype". É foda mesmo.

Começando pelo mais importante, a história e o enredo. O filme se passa em um 2027 totalmente caótico. A premissa básica é que, por algum motivo (que não é e nem precisa ser explicitado), todas as mulheres deixaram de ser férteis e não nasce um bebê há duas décadas. Isso faz as pessoas viverem sem esperança em um mundo onde as tensões sociais, étnicas e ambientais, que vinham se acumulando ao longo do século XX, estouraram por todas as partes. A Inglaterra, onde se passa a ação, é um dos poucos lugares onde existe alguma ordem. Mais para o "alguma" do que para a "ordem", por certo. O autoritarismo e o elitismo passam a ser os carros chefe daquela sociedade. A ambientação é criativa, densa, complexa, daquelas que mesmo sem saber você adivinha que é baseada em uma obra literária (dito e feito, lá apareceu nos créditos "baseado na novela de..."). Não é 100% original, claro, mas o que o é? Você encontra elementos que remetem a obras importantes de ficção "mezzo-futurística", como "1984" e "O fim da infância". Normal. Se não fossem influentes, não seriam clássicos.

O roteiro segue um membro daquela "elite" que leva uma vida desesperançada e vazia, mas que acaba sendo jogado em uma tempestade de acontecimentos de grande relevância. O roteiro não é dos mais acessíveis: embora seja fácil de seguir, as reviravoltas vêm de modo inesperado, personagens aparentemente importantes morrem como moscas e não há tempo para muito chororô e momentos pseudo-emotivos. Ou seja, nada de palavras emotivas ditas com dificuldade antes da morte em uma pausa artifical no meio de um tiroteio. Morreu, morreu e vamos embora. Me agradou muito, dando uma verossimilhança rara ao que acontece. Claro, há coisas que acontecem de forma previsível e alguns chavões ainda estão lá. Porém, está muito acima da média.

Os personagens e o mundo vão se desenvolvendo ao longo da trama, em uma mistura de "momentos-explicação" com pistas mais sutis. Aliás, há muitas sutilezas escondidas, que aparecem apenas em recortes de jornais, fotos ou de maneira subentendida. Veja o filme com atenção, por favor. Afinal, você percebeu que animais de estimação são vistos o tempo? Não é curioso, em um mundo desprovido de crianças?

Mesmo considerando o poder desta parte de conteúdo, que é aquela com o qual mais me importo, tenho que admitir que a maior parte do poder do filme está concentrada na parte técnica. Eu nunca tinha ouvido falar de Alfonso Cuarón (afinal, não vi e nem quero ver nenhum dos Harry Potter), mas tiro o chapéu para seu trabalho aqui. Tudo aqui é feito com exímia habilidade. O recurso das longas tomadas sem cortes, que vem se tornando cada vez mais comum, é utilizado bastante. Aliado a ângulos de câmera mirabolantes e às vezes até esquisitos, funciona bem demais.

A filmagem geralmente é tremida, como se fosse feita com câmera de mão, e acompanha os personagens bem de perto, o que dá ao espectador a nítida impressão de estar inserido na história. O exemplo máximo é a cena climáxica, onde somos literalmente jogados em uma batalha urbana. Até o sangue jorra e mancha a tela da câmera! A boa sacada é que essa imersão na ação ocorre sem que exista um verdadeiro "personagem-câmera". Alguns filmes da nova geração que apelam para o recurso de câmera de mão forçam a barra, e ficamos nos perguntando porque os personagens acham tão mais interessante ficar filmando do que salvarem suas vidas ("Cloverfield", estou olhando para você).

A fotografia também é muito adequada, fria e pesada, adequada ao clima. A sonoplastia idem. Por algum motivo, eu sou muito atraído por filmes que são minimalistas na questão sonora, como é o caso. Adoro quando as cenas tensas são totalmente desprovidas de música de fundo. Daí você percebe o que é uma cena que efetivamente cria esse efeito de tensão, e o que é uma cena tosca que apela para o estouro de ouvuidos para mascarar sua mediocriade. Por fim, as atuações são competentes e, se não dignas de prêmios, fazem muito bem seu papel. Clive Owen, como o protagonista, pode ser acusado de uma atuação fria e indiferente, mas que possivelmente é proposital, pois combina perfeitamente com a proposta do personagem. Quanto ao outro "grande nome", Julian Moore... Bem, só posso dizer que a trajetória de sua personagem é das mais interessantes. Ponto positivo.

Paguei pau demais? Bastante, não é? Mas, se depois de tudo isso, não convenci você a assistir, só posso recomendar que vá ver "Homem de Ferro". E dublado, óbvio. Hollywood produz todo o seu lixo acéfalo especialmente para você. Divirta-se!

3 comentários:

Thiago Duwe disse...

já tinha visto e não tinha dado bola para tantos detalhes...melhorou no meu conceito com tua visão crítica.

tu já víu Ensaio Sobre a Cegueira?? desse gênero, o "mundo tá perdido", é um dos melhores. Pra ver sozinho ou com gente que não entende Homem de Ferro. é tenso o bagulho. uheueuhehueh

Félix disse...

O Ensaio tá na lista dos "ainda tenho que ver". Humm, boa idéia... Hora de colocar o tapa-olho!

Fábio Ricardo disse...

O Ensaio sobre a Cegueira passa sexta no telecine premium às 22h. Depois repete no domingo às 17h55min.

Eu acho um filmão. Mas filhos da esperança tbm eh mto foda. E a diferença básica entre os dois é que enqto no Ensaio o tempo parece se arrastar, muito tempo sem ação significativa, no Filhos, tudo acontece tão rápido que vc mal tem tempo para raciocinar sobre o que está acontecendo na sua frente.

um filmão.