sábado, 20 de dezembro de 2014

Die ersten Schritte in ein neues Neuesleben

(ok, isso provavelmente não está escrito corretamente, mas é apenas uma referência a uma outra mudança, há muito tempo atrás)

Ao contrário de jogar Hellfire no Mega Drive, não é todo dia que se dá um reset na vida inteira. Que se deixa para trás tudo aquilo que faz parte da sua rotina, todo conforto e perrengue do dia a dia, e se embarca em um mundo completamente novo, onde todas as pessoas são novas, cada dia surge uma novidade, e mesmo coisas aparentemente eternas como colocar requeijão no Miojo se tornam coisa do passado. É o que fiz há três semanas, ao trocar o verão brasileiro pelo inverno alemão, onde ficarei durante algumas voltas ao redor do Sol (só que sem sol).

Ok, logicamente estou sendo dramático (mas qual escritor não é?). Mudar-se para meio mundo de distância é bem diferente quando você sabe que é algo temporário e tem uma vida (e um emprego!) te esperando na volta. Se as coisas estiverem complicadas, é só respirar fundo, focar no objetivo que te levou ali e pensar que uma hora acaba. Se for difícil se aproximar de novas pessoas, é só manter as antigas perto do coração (e da voz e imagem - viva a tecnologia!). Não é também como se a Alemanha fosse uma sociedade completamente diferente e eu já estivesse tendo convulsões por abstinência de Coca Cola. Ainda estou no mundo ocidental, e a globalização já fez sua parte para que ninguém se sinta tão estranho ao mudar de hemisfério. Mas também não tenham dúvida: quatro anos é um tempo longo, e as coisas aqui são diferentes. Já ter passeado pelas redondezas ajuda, mas o mundo asséptico do turismo não é a vida real. O negócio é esquecer os receios e cair de cabeça.

Alguns me perguntaram: por que a Alemanha? Para o sisudo comitê de seleção do Doutorado, é claro que a resposta foi "pois o orientador é muito bom, o grupo de trabalho faz exatamente aquilo que eu quero fazer, e o país fornece ótimas condições materiais e intelectuais para o estudo". Tudo isso é a mais pura verdade, logicamente. Eu não daria um migué tão grande só para me jogar para outro país. Gastar muito tempo de vida apenas para cumprir tabela no trabalho e esperar o relógio tocar para curtir o tempo livre não estava me deixando muito feliz nem no Brasil, quanto mais aqui. Porém, muitos outros lugares do mundo ofereceriam esses benefícios profissionais.

A escolha pela Alemanha é, sem dúvida, por interesse pessoal (foi mal, DAAD!). Já há vários anos, muito antes de fazer minhas primeiras viagens turísticas, eu passei a me reconectar com as raízes culturais da minha família e da cidade onde nasci. Quando criança/adolescente/neoadulto, eu não valorizava isso muito mais do que na hora de ir para uma Oktoberfest meia boca tomar chope da Kaiser. A língua alemã era só um troço de sonoridade muito engraçada que as tiazonas e velhinhos cuspiam nas festas. Mas, do mesmo modo que a Oktoberfest botou para fora o axé e o sertanejo para reencontrar sua veia teutônica (com direito a Eisenbahn!), meu interesse geral por história e por coisas do passado me fez querer conhecer melhor, e sentir mais de perto, a minha origem pós-Adão e Eva. Do mesmo modo, o olhar crítico com o qual eu olhava os conhecidos que desprezavam o Brasil e queriam se achar amigos de Facebook do Otto Von Bismarck me fazia pensar: se não somos alemães (não somos de modo algum, só acha isso o blumenauense tradicionalista que nunca meteu o nariz para além de Pomerode), mas também não somos exatamente brasileiros típicos (afinal, estamos aqui há bem menos tempo do que portugueses e espanhóis)... quem somos? Até onde aquilo que somos hoje tem a ver com o que fomos, e quais as diferenças que 160 anos de evolução cultural dos dois lados levaram? Isso é algo que não se sente de verdade em um passeio apressado por pontos turísticos. Só morando mesmo por algum tempo para saber.

E tem as cervejas e os shows de metal, óbvio. Mas isso é apenas um pequeno bônus a mais (mentiiira!).


Tropeço, salto e dança

As últimas semanas no Brasil foram emocionalmente muito intensas. O último suspiro real de tranquilidade e relaxamento foi quando passei dez dias de férias em Blumenau durante outubro, longe o bastante da partida para não ser tão afetado por ansiedades e aflições. Após isso, muita coisa prática para resolver, e também uma grande sequência de despedidas. Conforme novembro minguava, a tensão aumentava. Encaixotar bagulhos e dormir em uma casa vazia. Dar um último abraço em quem você não sabe se ainda verá vivo. Ir para um jantar sabendo que será o último. Do mesmo modo, como bom neurótico, cresciam as dúvidas: como vou me virar lá? Como será morar numa casa nova que eu não escolhi? Será que dou conta? No final, ao mesmo tempo em que eu queria aproveitar ao máximo os minutos, estava também louco para embarcar de vez e tirar o peso da ansiedade dos ombros.

Assim, foi com um sorriso no rosto e uma certa sensação de liberdade que adentrei o portão de embarque, no sábado de manhã. O sorriso começou a morrer ao embarcar no avião intercontinental. Graças ao atraso no processo seletivo, não pude comprar a passagem com muita antecedência, e caí em uma empresa de baixo custo (Air Europa, não recomendo). Bancos apertados, nada de telinhas particulares para ver um filme. Além de nunca conseguir dormir em avião, a coxinha do café da manhã começou a sussurrar para minhas tripas que seria uma longa viagem. É, foi uma viagem de merda, em todos os sentidos.

Durante a conexão, em Madri, veio a temida imigração. Um brasileiro à minha frente conversava com uma menina sobre o seu doutorado sanduíche. Ao ser atendido, já foi mostrando seus documentos e permissões, para evitar problemas. Eu usei a super estratégia de todas as minhas viagens: disse "oi" e entreguei o passaporte. Alguns segundos e uma carimbada depois, segui adiante. Olhei para trás e lá estava o coitado, ainda mostrando folhas e tropeçando no inglês. "Noob", pensou uma pequena e maldosa parte do meu ser (ele passou no fim, não se preocupem).

Ao chegar em Frankfurt, esperei pela chegada da minha mala (completamente destruída), peguei o sobretudo, luvas e touca, e fui direto pegar o trem para Colônia. Na plataforma de embarque, o primeiro contato com o simpático céu cinzento, vento e chuvisco, e a primeira certeza: não tiro a barba de modo algum antes do verão. Aqui não é questão de estética, é de sobrevivência.

Chegando na estação, tudo o que eu não queria era arrastar minha mala quebrada pelo transporte público num domingo para chegar na PQP onde iria morar, então fiz um taxista feliz. Chegando lá, conheci a mulher que me hospedaria, junto com mais meio mundo, e sua casa enorme cheia de quartos e meandros. Chegando junto comigo, duas indonésias, e, já morando ali há alguns meses, um brasileiro e uma facção inteira da Yakuza. Em estado semi-zumbi e com a barriga ainda borbulhando, foi uma tarefa árdua socializar e sorrir durante o café de boas vindas oferecido por ela (muito simpática e receptiva, por sinal). Ela me mostrou o meu quarto, pequeno mas satisfatório para um período de alguns meses. Tomei banho sob um fio de água quente em um banheiro frio. Ao deitar na cama às quatro e meia da tarde, com o céu já escuro, portas batendo, pessoas andando pelo corredor, tive meu momento "o que fiz com minha vida?". Mas as 30 horas acordados chutaram a mente rebelde para longe e logo apaguei.

Entre algumas acordadas, dormi razoavelmente bem, estando funcional às sete e meia da manhã, hora de ir para o Carl Duisberg Center, o lugar onde faço o curso de alemão. Foi a primeira de várias longas viagens de uma hora ou mais, dentre ônibus, trens e trechos de caminhada no escuro (começa a amanhecer só depois das oito).

Se até o momento a história parece um desastre,não se preocupem: agora ela fica mais feliz, pois a vida logo entrou nos eixos. O curso de alemão começou bem: apesar de ser uma língua muito difícil e sem lógica, aprendê-la está sendo muito interessante (mais sobre isso no futuro). Minha turma de losers (isso é, pessoas sem conhecimento prévio de alemão) tinha apenas mais três pessoas, sendo que uma já não está mais, o que torna o aprendizado mais dinâmico. A carga horária é tranquila, com aulas entre 8:45 até 13:00, com mais um tempo flexível na tarde e noite para fazer tarefas e praticar.  O CDC está infestado de brasileiros (algo como dois terços dos alunos), um monte de graduandos vindos via Ciência Sem Fronteiras. Já no grupo de bolsistas de doutorado do DAAD que chegou comigo, só mais um brasileiro. Tivemos um tratamento diferenciado, no qual eles nos ajudam a fazer uma série de procedimentos burocráticos, como abrir conta no banco, fazer o registro de moradia na cidade, solicitar visto de permanência, etc. Em meio a tantas reuniões e atividades extra-aula, mal tivemos tempo para respirar na primeira semana, e os pequenos demônios mentais não tiveram muita oportunidade para pentelhar. Em pouco tempo eles passaram a ser soterrados pela nova rotina, e não mais tive dúvida de que tinha acertado ao vir aqui, mesmo com saudades do que tinha lá.

A parte mais difícil tem sido a adaptação à nova casa, de doze anos morando sozinho e próximo do trabalho/local de estudo, para uma moradia compartilhada longe pra cacete de tudo. Felizmente, parte disso vai se resolver, pois em Janeiro mudarei para um lugar bem mais próximo. É só torcer para não cair em uma casa de família cheia de regras, pois, convenhamos, não sou mais um gurizão de 19-20 anos recém-saído da casa dos pais. "Mas e o clima, Félix? Não é a pior parte?". Sim, amiguinhos o clima é uma bosta. Ou é muito frio, ou chove, e ver o azul do céu é uma bênção rara. Mas, até o momento, tem sido mais fácil de lidar do que eu imaginava.

Apesar de Colônia ser uma metrópole essencialmente econômica, ainda tem muita coisa legal para ver, desde resquícios do passado romano até obras modernas. Já tive oportunidade de passear por algumas cidades da redondeza também, sair com galera, etc., mas vou deixar para falar mais sobre a cidade e a vida na Alemanha em um momento posterior. Este texto era mais para descrever o momento de transição, enquanto as coisas ainda estavam frescas na minha cabeça. Também quis postá-lo agora para abrir caminho para mais alguns tradicionais textos de viagem felixianos, pois amanhã embarcarei em uma viagem de duas semanas pela Itália. Lá também é inverno, mas depois de três semanas com temperatura sempre abaixo de 10 graus, acho que nos 17 de Nápoles até vai rolar umas Havaianas...

2 comentários:

Ademar disse...

É isso aí, Filhote. Toca para a frente. Você deixa pais e irmãos saudosos mas,completamente conformados e com a certeza de que o caminho que Você escolheu é o certo. Abração!

sara disse...

O que mais admiro nos teus textos é a verdade que eles transmitem, de como as coisas acontecem no exterior mas também no teu interior.
Caminhamos ao teu lado e acompanhamos teus movimentos aonde estiveres.
Como diz um mestre:- aonde tens que ir é só em direção a ti mesmo...
Vai com fé - estamos juntos todos os que te amamos e torcemos por ti.