quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Joe, o Cara

Mais mini-contos do Joe para complementar aquele postado no Duelo de Escritores. Afinal, nem só de bom gosto vive o homem! Um fato curioso com o último conto: a situação foi totalmente baseada em fatos reais. Ao final, explico melhor.

03/10/06

- Não, querida, está uma merda.

Os lábios de Louise tremeram. Seus olhos marejaram e ela nada disse. Correu para o banheiro e bateu a porta com força. O som da chave girando na fechadura era um indício de que ela não sairia de lá tão cedo. Mas ela voltaria. Ela sempre voltava.

Ninguém pediu para ela fazer o que fez com o cabelo. Tampouco que pedisse minha opinião sobre o resultado. Uma pena, para ela.

Fui até o bar e derramei uma dose tripla no copo. Era a quinta, ainda faltavam três para fechar a noite.

Fiquei pensando em Louise com aquele cabelo. Tinha ficado um lixo, aquela coisa moderna e curta. Lembrei das atrizes do estúdio, todas gostosas e com longas e reluzentes cabeleiras. Por que eu perdia tempo com Louise, se podia comer todas aquelas mulheres pelas quais multidões de caras tocavam punhetas?

Acho que eu ainda não estava acostumado com aquela vida. Num momento, um pé-rapado metido a esperto que enganava trouxas. Em outro, Joe, O Cara. Rachel tinha feito um trabalho espetacular mesmo, sobre a descoberta de Richard. Pena que ela me odiava e jamais iria dar para mim. Não seria tão ruim, se ela não me desse tanto tesão. Paciência, um dia eu conseguiria.

Por enquanto, me contentava com outras gatas. E eu poderia ter muitas mais, não fosse o tempo que perdia com Louise. Ok, chega de relações pseudo-estáveis.

Fui até o banheiro e pedi desculpas. Talvez isso tenha sido tão bizarro que ela me perdoou imediatamente. Trepamos feito loucos durante horas, e a partir do outro dia jamais voltei ao apartamento dela.


17/11/06

Uma hora, acho que lá pela sexta dose, caí na real. Eu tinha grana agora. Além de fama, tinha grana, e muita. Pensei então no que fazer com tudo aquilo.

Imóveis, investimentos, tudo isso dava muito trabalho. Família? Nem pensar. Eu estava comendo Louise, uma gata que trabalhava no estúdio, mas era muito cedo para achá-la a mulher da minha vida. Mesmo sendo mais gostosa do que eu jamais sonhara nos dias do busão.

Na sétima, tive uma idéia genial. Ia me tornar agiota. E de velhinhos aposentados. Tinha maneira mais fácil do que manter dinheiro circulando e rendendo?

Liguei para minha secretária e mandei ela botar um classificado no jornal. Era alta noite, mas ela não reclamou e falou que enviaria na manhã do outro dia, pois só as impressoras dos jornais funcionavam de madrugada, não os atendentes. Falei que era uma piada idiota como ela e desliguei.

Depois de alguns dias, Richard me ligou.

- Joe, meu querido, estão te processando.

Eu sempre achei Richard meio viado por causa desse "querido", mas ele também comia uma mulherada.

- Sem teste de DNA eu não assumo nada.

- Não é nada disso, meu velho. É por causa do teu anúncio.

- Porra, eu nem extorqui ninguém ainda, por que tão me processando?

- É por causa do anúncio em si, rapaz. "Empresto grana para velhos aposentados e pensionistas. Sem avalista e burocracia. Dou porrada em quem não pagar". Não é o tipo de coisa que agrada aos velhinhos. Um promotor público assumiu as dores e entrou com um processo.

Parei para pensar.

- Mas desde quando é proibido dar porrada em alguém?

- É a lei da sociedade, Joe. Você não pode bater nos outros sem motivos. É assim desde que o primeiro macaco desceu da árvore.

- Mas eu só bateria se eles não me pagassem! Caloteiro não pode apanhar?

- Sem dúvida eles tem que pagar, meu querido, mas as pessoas não gostam de ver alguém batendo em velhinhos. Não sei como sua secretária realmente enviou o anúncio ao jornal. Talvez ela não tenha percebido por causa do sono, quando anotou...

- Que nada. É porque ela quer que eu coma ela de novo.

- Deve querer mesmo, e muito. Tanto que, para que essa idéia infeliz desse mais certo, ela até colocou teu nome e teu telefone no anúncio. Por que acha que tá dando tanto rolo? Se você ainda fosse um pé-rapado, não ia dar nada, mas um astro da mídia querendo bater em velhinhos...

- Caralho, mas aquela guria é burra mesmo! Um agiota nunca bota o nome no anúncio!

- Principalmente se o país todo conhecê-lo... Já fiz com que ela fosse demitida e contratei uma bem gostosa no lugar. Quanto ao anúncio, tem sorte de que Rachel é muito boa no que faz e já está dando um jeito, dizendo que foi armação.

Rachel também poderia dar para mim, em vez de apenas cuidar da minha imagem para ganhar grana. Ela era a guria mais tesuda que eu já tinha visto.

- Você vai escapar dessa ileso, Joe, mas tem que aprender a se comportar se quiser manter uma imagem, a fama e a grana, ok? Um abraço, meu querido, te cuida.

Os próximos dias mostraram que algumas idéias são muito mais geniais do que aparentam. Não emprestei grana nem espanquei nenhum velho, mas várias menininhas ligaram para o telefone do anúncio. Tinham esperança que não fosse armação, e que aquele seria mesmo o telefone do astro Joe.

Comi várias, é claro.


19/11/06

O ônibus estava parado em meio ao caos do terminal. O motorista e o cobrador, do lado de fora, contavam os minutos para poder partir. Era tempo suficiente. Bastava eles não me verem tão cedo e tudo daria certo.

Subi e encarei o pessoal. Ainda bem que o ônibus não estava lotado, senão o pessoal do fundo não me veria. Só os bancos estavam ocupados. Ótimo, era disso que eu precisava.

Chamei a atenção com uma voz suplicante e educada. Assim que os primeiros olharam para mim, comecei a expor minha situação. Tinha vindo de uma distante cidadezinha do interior há algum tempo, em busca de emprego e uma vida melhor. As coisas não deram muito certo, e agora eu estava sozinho e sem dinheiro, implorando pela ajuda dos outros. Tudo o que eu precisava era conseguir juntar os trocados necessários para a cara passagem de volta para minha terra natal.

Muitos se mantiveram indiferentes. Das expressões que me fitavam, várias eram de incredulidade. Um ou outro parecia condoído.

Diante da situação, não pude me conter. Minha voz ficou embargada e as lágrimas brotaram de meus olhos, enquanto eu pedia por favor, dizia que não era um vagabundo, que não gostaria de estar ali mendigando, era apenas alguém que não tivera sorte. E eu precisava voltar, pois aqui não tinha nada. Era jovem, merecia uma segunda chance. Só queria rever minha família e meu lar. Só a passagem de volta. Só isso...

Agora todos me olhavam. Muitas expressões de dúvida se tornaram de pena. Fungando e soluçando, passei pelos bancos, recolhendo as moedas e notas que as pessoas me ofereciam, tocadas pela minha situação deplorável.

No fundo, um homem sentado sozinho esticou um cartão e uma nota de alto valor. Emocionado, agradeci-lhe demais por toda aquela generosidade. Ele chegou mais perto e sussurrou para mim:

- Eu quase acreditei na tua história, seu filho da puta. Tu pode ir longe com esse teatro. Se quiser sair dessa vida e ganhar uma grana fudida, liga pra esse telefone.

Saí do ônibus e do terminal, enxugando as lágrimas. Contei o dinheiro. Uma boa colheita. Depois olhei o cartão: "Rachel & Richard: agentes artísticos".

Olhei meu reflexo numa vitrine. Lindo, claro. É, talvez fosse a hora de fazer algo mais do que enganar idiotas. Quem sabe até eu comesse alguém na história...



*** Explicando: o fato ocorreu quando eu ia pegava um ônibus de Floripa para Blumenau. Subiu um cara com jeitão de sou-do-interior-preciso-voltar-pra-casa-coitadinho-de-mim enquanto o ônibus estava parado com algumas pessoas colocando as malas. Falou aquela história toda que ninguém mais engole, mas no final começou a chorar desesperadamente, dizendo que precisava mesmo e blábláblá. Daí um monte de gente foi na dele (confesso que eu cheguei a ter um pouco de dúvida). Alguns meses depois, estou no terminal urbano do centro em Floripa, já dentro do ônibus esperando ele partir, e quem me aparece? Nosso amigo chorão, começando seu discurso. Mas dessa vez levou um esporro do cobrador logo de cara, mandando ele cair fora. E ele ainda falou com aquela voz de coitadinho: "desculpa gente, mas o cobrador não me deixa falar"... E eu morrendo de vontade de gargalhar, claro! ;)

2 comentários:

Anônimo disse...

velho, tirando ese último ,os outros foram desumanos!
O Joe é O cara!!
mas ela apanhava feio do Fred, disso eu tenho certeza.

Rodrigo Oliveira disse...

salve, Joe. massa. esses minicontos parecem q funcionam ainda melhor pro personagem. Pro Joe, nao precisa ser grande, basta ser grosso.

*porra, o blogger tá de sacanagem. nunca q eu vou entender o q tá escrito nessas letras coloridas ali embaixo!