sábado, 11 de agosto de 2012

Do outono ao verão em três horas

    Chega da moleza de andar de trem de um lado para o outro. Agora voltei ao esquema de aeroportos e toda sua correria e tempos de espera. Bora aproveitar o tempo para escrever.

Hamburgo

    A senha do wireless do hotel onde fiquei só podia ser uma piada: “aproveite o clima de Hamburgo no verão de 2012”. Em todos os dias que fiquei pela região foi a mesma coisa: muito vento, ciclos e ciclos de sol, nublado e chuva. Não tenho muita coisa a dizer da cidade, pois efetivamente gastei apenas uma tarde visitando-a. Pois, na segunda feira, depois de acordar da minha hibernação pós-Wacken e procurar uma lavanderia para largar meus trapos enlameados, era quase meio dia quando saí para andar pela cidade.

    Mesmo sendo a segunda maior cidade da Alemanha, é possível alcançar os pontos de interesse turístico de Hamburgo a pé. A cidade é moderna, para os padrões alemães, pois não se pode dizer que a História foi muito benevolente com ela. Foi uma das mais destruídas por bombardeios na Segunda Guerra. Antes disso, sofreu um incêndio de proporções romanas na metade do século XIX. E, um século antes disso, uma enorme enchente.

    Comecei meu passeio descendo até o grande lago que domina o centro da cidade. O entorno é uma atraente área para corridas e caminhadas. Aliás, na Alemanha, praticamente toda poça ou pinguela é cercada por uma área assim. Fui beirando o lago até chegar à bonita prefeitura, onde estava rolando um festival chinês na praça e aproveitei para almoçar lá. Depois, fui visitando algumas igrejas, que são as outras construções antigas de destaque que permanecem no centro (restauradas, é claro).

    Um ponto de destaque são as ruínas do que sobrou da catedral neogótica de São Nicolau. A colossal torre de 146 metros, a mais alta do mundo em sua época, foi a única coisa que sobrou na superfície. Peguei um elevador que sobe no meio da carcaça da torre, mas ele vai só até metade dela e não oferece uma vista tão espetacular assim. Na antiga cripta, tem um pequeno memorial sobre a igreja, o bombardeio de Hamburgo (incluindo uma coleção de fotos tiradas pela cidade logo depois) e os bombardeios da Segunda Guerra de modo geral. Dá para gastar uns minutos por ali tranquilo.

    Continuei andando até a igreja que é o símbolo de Hamburgo, a de São Miguel. O diferencial dela é realmente sua torre encapada com bronze negro, que também possui um elevador e de onde se tem uma vista mais legal, incluindo a região do porto. A cripta possui vários túmulos e outros objetos antigos, como uma bíblia de 400 anos de idade. O interior é bonito, as paredes bem brancas contrastando com os objetos de madeira escura, incluindo um baita órgão.

    Saindo dali, fui até a região do porto, o segundo maior da Europa, por volta das quatro e meia. Lá, gastei o resto do tempo em um barco-museu, o Cap San Diego. É um cargueiro dos anos sessenta que navegou até os oitenta e escapou de virar ferro-velho ao se tornar museu. O fato dele ser dos anos sessenta não é a coisa interessante, mas sim a possibilidade de andar por todos os espaços do barco. A sala de máquinas é a parte mais legal. Com a quantidade de alavancas, botões, fios, canos, painéis, mostradores e o diabo a quatro que cerca as pequenas plataformas metálicas, fico pensando o pesadelo que é ser um engenheiro naval. Perto, talvez, do pesadelo de ser um turista que não entende alemão na Alemanha, pois, novamente, nem os cartazes nem o guia de áudio tinha algo de inglês, apenas um folder meia-boca que dava uma noção superficial das coisas. Em um dos compartimentos de carga também tinha uma mostra sobre emigrantes alemães (com painéis em inglês, aleluia!), só que focado naqueles que foram para os Estados Unidos. De Hamburgo saiu a grande maioria dos emigrantes alemães para o mundo. Até descobri ter um museu só sobre emigrantes, mas infelizmente não tive tempo de ir nele.

    Seis da tarde saí do barco-museu para um barco-restaurante, um pouco caro, mas com ótima comida e um prato generoso. Após comer muito, preferi pegar um trem do que caminhar de volta ao hotel. Comecei a escrever o relato do Wacken, mas não fui muito longe, pois ainda não estava plenamente recuperado, e no dia seguinte faria mais um bate-e-volta em uma cidade próxima.

Lübeck

    Quando falei de gastar um dia para ir a Lübeck, Tati respondeu com um “mas não tem nada lá além do portão”. Felizmente, não concordo com ela, pois o passeio à histórica cidade portuária valeu muito a pena. Para começar, é bem perto de Hamburgo e, mesmo com o trem lento, se chega lá em 45 minutos.

    Tendo me enrolado um pouco de manhã, cheguei por volta das onze e quinze. A estação de trem é bem próxima da cidade antiga, que ocupa uma ilha cercada pelos canais do rio que corta a região. Em cinco minutos, estava diante do famoso portão principal de entrada, o Holstentor. Além de o portão em si ser uma construção interessante, há um pequeno museu sobre a cidade nas saletas e corredores estreitos do seu interior, falando sobre as defesas militares e o comércio na região (que foi aquilo que tornou a cidade uma potência e líder da Liga Hanseática em parte da Idade Média).

    Depois de passear por lá e conversar um tempo com um brasileiro que também tinha pegado chuva no Wacken, parti para andar pela cidade, que tem como maiores atrações suas sete grandes igrejas e o estilo de construção gótico com tijolos à vista que, uma época, já dominou a cidade inteira. Para variar, ela foi bombardeada na Segunda Guerra, mas muita coisa foi reconstruída no estilo original, o que mantém o clima de cidade medieval em muitos cantos e ruelas.

    A primeira igreja que visitei foi a Mariekirche, a maior da cidade. E foi daquelas que, ao entrar, me fez soltar aquelas palavras cristãs adequadas a um ambiente sacro: “puta que pariu, que igreja do caralho!” (ainda bem que não tinha brasileiros por perto neste momento). Sério, é a igreja que jogou meu queixo mais embaixo até agora na viagem, e uma das mais bonitas que já vi. O tamanho é potencializado pela arquitetura toda de tijolos, até nas abóbodas, e pela riqueza de cores da decoração, muito diferente das igrejas branquinhas que eu estava vendo até o momento: verde e branco contrastavam com o vermelho vivo dos tijolos não-pintados. Fico pensando no espetáculo que deveria ser no estado original, pois agora muitos afrescos são apresentados apenas como pobres reproduções em painéis. Um deles, particularmente interessante, é o da Dança da Morte, que mostra uma morte safada dançando ciranda com pessoas de diversas classes sociais e profissões medievais. O afresco foi para o espaço, mas parte da obra sobreviveu em dois vitrais.

    Depois de babar por um tempo, saí dali para almoçar na praça da antiga prefeitura (um belo prédio de tijolos negros). Estava ventando muito, então procurei um restaurante mais protegido. Foi uma decisão acertada, pois caiu uma tempestade daquelas de foder com Wacken e tudo mais. Fiquei no restaurante bebericando uma deliciosa cerveja bock depois de comer, só conseguindo sair quase três da tarde, o que me tirou tempo para conhecer algumas coisas.

    Depois de levar aquela voadora com os dois pés da Dona Maria, as outras igrejas não foram tão impactantes, mas também valeram uma passada. A igreja dos marinheiros foi pouco atingida durante a guerra e manteve o interior original, com um órgão impressionantemente decorado. A catedral, a mais antiga de todas (do século XII), tem uma disposição atípica (a nave era dividida em três setores, em vez de um grande aposento único), tumbas bem antigas dos párocos e da galerinha rica da cidade e um enorme altar esculpido em madeira com 17 metros de altura. A de São Pedro tem o clássico elevador que oferece uma vista legal. O problema é que os horários de fechamento das igrejas é bem aleatório e no folder/mapa sobre a cidade, que você compra por dois euros, não aparecem eles. Então algumas delas já estavam fechadas e fiquei só na vontade.

    Saí para pegar o trem seis da tarde, tendo deixado para trás alguns museus e interiores de edifícios que poderia ter visto (se não tivesse dado a tempestade...ok, ou se eu tivesse chego mais cedo). Lübeck vale muito uma visita para quem passar pelo norte da Alemanha. Inclusive, se eu tivesse apenas um dia disponível, preferiria ela a Hamburgo.

Atenas II – A missão

    Quarta acordei de madrugada (leia-se: sete da manhã) para ir até o aeroporto pegar o avião para Atenas. Rolou uma conexão muito ninja em Munique, na qual literalmente saí de um avião para entrar em outro. Ao chegar, estranhei que o voo tinha chegado uma hora antes do previsto, mas logo lembrei que na Grécia o fuso horário muda de novo. Eram duas e meia da tarde mesmo, então. Somando o horário de verão, a diferença agora era de seis horas em relação ao Brasil.

    Peguei o trem que leva até o centro e, uma conexão e dez minutos de caminhada depois, estava no meu hotel, a 100 m do complexo da Acrópole. Era o hotel onde eu teria ficado ano passado, se não tivesse tido que mudar a reserva apenas alguns dias antes. Simples, mas confortável. E melhor localização, só mesmo dormindo dentro do Parthenon.

    Agora sim eu estava no verão, não naquela brincadeirinha de esconde-esconde atrás das nuvens que o Sol faz na Alemanha. Estava um dia muito quente e com pouco vento, então gastei um curto tempo termorregulando no ar condicionado do quarto. Cinco e pouco saí para dar uma volta pela Acrópole novamente. Mesmo tendo ido lá ano passado, seria um desperdício não aproveitar, estando ali do lado. Eles mudaram o esquema de entrada, porém. Antes você pagava dois ou três euros separadamente por cada sítio arqueológico na cidade. Agora, é necessário pagar 12 euros por um ingresso conjunto válido por quatro dias para todos os sítios. Não sei se pode pagar separadamente nos outros, mas, na Acrópole, só com esse. Capitalizaram legal a maior atração da cidade. É a crise, meu amigo!

    Deu para ficar um bom tempo ali, pois o complexo da Acrópole fecha apenas oito da noite (no papel; na prática, sete e meia já estavam mandando a galera embora). Por algum motivo, mesmo sendo o pico da alta temporada, o lugar estava bem tranquilo. Nada de filas e aglomerações, era perfeitamente possível caminhar em paz pela colina. Efeito da hora e/ou do dia quente? Ou uma temporada especialmente fraca? Também reparei uma quantidade maior de obras de restauração dos monumentos em relação ao ano passado, o que, se por um lado atrapalha os turistas, por outro (e mais importante) mostra uma contínua preocupação em não deixar as ruínas arruinadas (!). Mas me pergunto se algum dia conseguirei ver o Parthenon sem andaimes e guindastes na frente.

    Saindo dali, jantei em um calçadão ao lado do complexo e caminhei todos os sofridos 500 m até o hotel. Sim, a localização foi muito providencial...

    Tirei o outro dia para visitar dois museus que não tinha conseguido ver ano passado. O primeiro é o Museu da Guerra, que faz parte daquela categoria de atrações que já fecha no começo da tarde (duas horas, neste caso). É preciso ficar bem atento a esses horários na Grécia, porque, segundo os próprios gregos me falaram, a galera é preguiçosa e fecha as paradas cedo mesmo. Malditos funcionários públicos!

    O Museu da Guerra é bem interessante para quem gosta destas coisas, com cartazes e infográficos falando com mais detalhes sobre as batalhas históricas em que a Grécia esteve envolvida, desde a Antiguidade até a Atualidade (vários apenas em grego, infelizmente). A maioria dos armamentos antigos expostos são réplicas, mas exatamente por isso dá para perceber melhor seus detalhes e ver a diferença entre as armas de cada cultura (tem armamentos gregos, romanos, persas, europeus medievais, bizantinos, etc.). Os armamentos de fogo e modernos são originais, mas uma metralhadora não tem o mesmo charme de um machado de guerra de duas mãos. Em uma sala separada há uma coleção particularmente espetacular, que parece originalmente particular, com armas brancas e de fogo originais de todas as categorias citadas acima, além de indianas, japonesas e de outras culturas orientais. Para finalizar, algumas artilharias pesadas e até aviões e mísseis do lado de fora.

    Perto das duas, caminhei um pouco para um museu próximo que é um dos mais famosos de Atenas, o de Arte Cicládica. Efetivamente, é um dos melhores que já visitei, em relação à estrutura e planejamento. O acervo contém peças arqueológicas da cultura cicládica e da Grécia continental. Não há uma infinidade de itens, mas cada um deles é explicado com alguns ou muitos detalhes, o que faz o visitante prestar mais atenção em cada uma. Também há muito material informativo e algumas mídias interativas bem interessantes. E tudo em grego e inglês! Para finalizar, possui um horário de abertura mais “europeu”, fechando seis horas, ou oito nas quintas feiras. É um exemplo de museu que deveria ser seguido na Grécia (porém, até onde sei ele é privado, o que possivelmente explica a melhor organização).

    Porém, eu não poderia ficar ali o tempo que gostaria, pois naquele dia mesmo pegaria o avião para Santorini, seis e meia. Assim, quatro e uns quebrados peguei o metrô para voltar ao hotel onde tinha deixado a bagagem.

    E daí, em questão de uma hora, tudo deu errado.

    Para começar, meu dinheiro estava no fim, então passei em um caixa eletrônico no caminho do hotel. Mas ele não aceitou meu cartão, dizendo que estava com problema. Estranhei, pois algumas horas antes tinha usado ele para pagar o hotel. Pensando ser problema da máquina, tentei em outra no caminho. Mesma coisa. Do lado do hotel havia uma terceira e fiz uma última tentativa. Acho que os caixas eletrônicos se comunicaram e não gostaram da minha insistência, porque este daí simplesmente não devolveu o cartão.

    Maravilha, um cartão preso na máquina apenas uma hora antes de ter que estar no aeroporto. Depois de xingar a máquina adoidado, fui ao hotel tentar realizar o procedimento de bloquear aquele cartão e ficar só com o reserva (que, felizmente, já vem junto quando você adquire o cartão de viagem do Banco do Brasil). Mas o bloqueio é só por telefone e, da Grécia, o procedimento é bem complicado. Não dá para fazer a ligação direta e é preciso usar um serviço especial das companhias telefônicas que só pode ser consultado na internet.

Quando ia para o computador do hotel tentar descobrir este número, pedi também para o atendente chamar o táxi de 12 euros até o aeroporto sobre o qual o atendente do dia anterior tinha me falando. O cara deu uma risada e disse que 12 euros até o aeroporto só em sonhos, a taxa fixa era de 55 euros! Bem que eu tinha estranhado antes, porque o aeroporto é bem longe, mas talvez aquele atendente tivesse me oferecido um táxi informal que precisaria de hora marcada.

Qualquer que fosse a verdade, eu tinha que estar no aeroporto em menos de uma hora e teria que usar o metrô. E já estava mais do que atrasado, por causa do tempo perdido com o cartão. Deixei isso para lá e saí correndo desembestadamente com a mala super pesada para a estação. No meio do caminho, senti uma diferença o peso e olhei para trás: as rodinhas tinham simplesmente estourado, sobrando só as de um lado, e a alça de ferro para carregar, soltado em um dos lados. Xingando todos os deuses gregos que deveriam estar rindo da minha cara, fui arrastando, carregando e fazendo malabarismo com as rodinhas de um lado para vencer os agora sim muito sofridos 500 metros até a estação.

Só que, como o aeroporto é bem longe, não é a todo momento que tem o metrô direto para lá. Não havia sinal de nenhum na próxima meia hora, então tive que fazer uma conexão com os trens suburbanos, vendo os minutos voarem e já pensando se a empresa seria caridosa em trocar minha passagem para o horário seguinte, que, pelo que eu me lembrava, era apenas na alta noite.

Mas, como o destino gosta de nos dar um gostinho de esperança, em vez de estar categoricamente e irreversivelmente atrasado, cheguei ao aeroporto 18:05. O despache de bagagens tinha encerrado há 35 minutos. E faltava só 25 minutos para a decolagem. Respirei fundo, abaixei a cabeça e saí atropelado com a mala e os braços em frangalhos pelos salões do aeroporto, chegando no guichê da empresa cinco minutos depois. Consegui despachar a mala, só que assinado um termo dizendo que talvez ela fosse enviada apenas no próximo vôo. Voltei a correr, agora para o portão de embarque. Na entrada, ainda me pararam para ser revistado no detector de metais e fizeram minha mochila passar duas vezes por causa do notebook. Finalmente, consegui chegar no portão e embarcar no vôo que, felizmente desta vez, estava atrasado.

Foi um fim de tarde do capeta em Atenas. Mas, no fim, tudo proverbialmente acabou dando certo. Consegui embarcar e quase chorei de emoção ao ver a mala estropiada avançando na esteira do miniaeroporto de Santorini. Sem saber se conseguiria dar jeito no negócio do cartão, fui pelo caminho mais simples e saquei a maioria do dinheiro com o bendito cartão reserva que funcionou, e dando um foda-se para o que ficou preso na máquina (como na Grécia toda máquina pede senha, diferente da Alemanha, não seria tão problema se alguém o encontrasse). Perderei uma fatia considerável no câmbio, pois terei que trocar a grana na Turquia em vez de sacar direto, e gastei 70 contos (europeus) a mais em uma mala nova.

Mas, pelo menos, aquele momento de grande estresse foi mais que compensado depois em Santorini. Aguardem cenas dos próximos capítulos!

3 comentários:

Ademar disse...

Puxa vida, filho. Já pensou de fosse eu? O coração pifaria e, como presente do dia dos pais, teria o meu enterro. Há, há, há. Fica feliz, depois do susto, deu tudo certo. Que Deus de proteja e nada de errado em relação ao cartão que ficou na máquina aconteça. Lembre-se que o cartão tem um seguro de extravio de 48 horas, mas Você só terá direito se comunicar o acontecido para a operadora. Portanto, não deixe de fazê-lo. Abração. Pai.

sara disse...

Estou me oferecendo para ser sua intérprete na Alemanha. Que tal uma troca? Eu te acompanho na Alemanha e tu me acompanhas na Grécia? Depois de tantas peripécias gregas você já está craque! Me interessou o relato sobre Lubeck e suas igrejas, fiquei curiosa. Quanto a vontade de conhecer a Grécia, nem se fala!
Boa viagem - fique em paz! mãe

Rodrigo Oliveira disse...

ô perrengue! Mas tâmo aí. quero ver a mala rolar escosta a baixo em Santorini. :P
Até!