terça-feira, 7 de agosto de 2012

“Pronto, um delicioso festival cremoso com caldo extra.” “Mas eu pedi um seco!” “Desculpe, senhor, não é opcional”

    Neste momento estou em Hamburgo, depois de um Wacken no mínimo aventuroso. E foi o festival de metal em que menos ouvi metal. Mas já chegaremos lá, vamos começar de onde parei antes.

    Na terça feira passada, fui para Göttingen, encontrar outra amiga, a Tati, que iria comigo no Wacken. Tínhamos combinado de nos encontrar na estação, mas ela fez uma baita confusão e achou que eu vinha só no dia seguinte. Assim, depois de esperar um tempo e nada, fui direto para a casa dela, que felizmente conhecia já do ano passado. Atendeu uma menina que mora com ela que já me conhecia do ano passado, mas, à primeira vista, deve ter pensado que eu era um mendigo pedindo por abrigo na garagem. Fiquei por lá esperando até a mãe da Tati (que estava também passando um período de férias pela Europa) chegar e, depois de um tempo, a própria. Ficamos a conversar, jantar e tomar umas cervejas até perto da meia noite.

    Na quarta, planejei um bate e volta em Braunschweig, a cidade de onde vieram muitos dos primeiros imigrantes blumenauenses, inclusive os Baumgarten, e onde o fundador Hermann Blumenau viveu e morreu depois de voltar da colônia. Um problema daquele passe de um dia para viagens no mesmo estado sobre o qual falei antes é que ele não permite embarque nos trens rápidos, então o trecho que poderia demorar 55 minutos dobrou de tamanho. Com tudo isso e uma óbvia resistência ao acordar cedo, era meio dia quando cheguei à terra dos ancestrais.

Braunschweig

    Não fui o primeiro e nem serei o último blumenauense a me decepcionar um pouco com esta cidade. Ninguém tem a menor idéia de que daquela região saíram os primeiros colonos a se fixar na terrinha. A lógica indica isso, é claro, pois da Alemanha saíram pencas de colonos que fundaram cidades em tudo quanto é lugar do mundo. Mas, talvez pela alemãozice do Vale do Itajaí ou mesmo pela Oktoberfest, eu pensei que alguém poderia ter uma vaga noção disso.

    Assim, a primeira coisa que fiz foi ir até o centro de informações turísticas ver se tinha algo por lá relacionado a Blumenau (o local ou à pessoa). Ninguém sabia quem era o figura e nem se havia algo de relevante relacionado aos Baumgarten.  De fato, neste caso eu não esperava muito, pois as poucas informações que tenho são de que a família era da região de Braunschweig (que era um ducado no século XIX), não necessariamente da cidade em si, e também não me parece um nome particularmente comum ou importante na Alemanha.

    Sem muita coisa para correr atrás, fiz a volteada básica pela cidade para ver os pontos interessantes, pois, como uma cidade relativamente importante desde a Idade Média, a cidade tem coisas a oferecer. Como ela foi bombardeada fortemente durante a Segunda Guerra e quase tudo foi abaixo, há poucos edifícios históricos (reconstruídos, logicamente) no meio da modernidade predominante, então mesmo no centro antigo não se tem aquela sensação de volta ao passado de outras cidades. O museu local deles, entretanto, me surpreendeu positivamente, por ter uma coleção bem interessante de peças de todas as épocas, sempre fazendo conexão com a cidade, é claro. E sem um pingo de inglês, é claro.

    Depois do museu dei uma andada de algum tempo em um cemitério do século XIX dentro da área central da cidade, para ver se encontrava por acaso algum Baumgarten ou outros nomes blumenauenses conhecidos. Até trombei com alguns dos últimos, mas nenhum dos primeiros. Talvez o grande cemitério principal da cidade tivesse alguma coisa, mas eu teria que ter mais tempo e informação para fazer uma busca por lá. Depois disso, embarquei de volta para Göttingen, onde uma série incrível de decisões erradas me enrolou todo no transporte local e só consegui voltar à casa da Tati lá pelas nove da noite.

    Braunschweig tem coisas interessantes, como muitas cidades alemãs, mas só vale o tempo se você tiver um dia mais ou menos livre na viagem (como era meu caso) ou para fazer uma busca mais consciente e informada sobre os ancestrais (não como o meu caso). Se algum dia eu morar na Alemanha, pode crer que gastarei um tempo para fazer esta busca. Por enquanto, fica apenas no “cumprir tabela”.

Wacken

Obs: esse texto ficou bem longo. Fique à vontade para pular as partes sobre as bandas e shows se você não é da galera de preto.

    Logo no dia seguinte, quinta feira, eu e Tati embarcamos na jornada rumo ao norte germânico, onde, uma vez por ano, abre-se um portal mágico para um mundo paralelo onde é normal usar preto, as pessoas vivem em barracas e o sons pesados e violentos preenchem o ar. É o Wacken, é o maior festival de metal do mundo, e é para onde estávamos indo pelo segundo ano seguido!

    No entanto, se no ano passado tudo foi perfeito, desta vez a empreitada se tornou uma verdadeira aventura, não necessariamente com a adição de boas emoções. Para começar, pegamos um trem rápido que deveria ir direto a Hamburgo e chegar uma da tarde. Entretanto, foi descoberta uma bomba da Segunda Guerra Mundial no meio de Hamburgo e foi evacuada uma área que incluía os trechos que levavam à estação central de trem. Por mais bizarro que pareça, este tipo de coisa não é incomum no país, pois, com todos os bombardeios que o país recebeu, algumas bombas não explodiram e permaneceram lá, ativas, apenas esperando a martelada de algum trator de obra incauto. Enquanto as equipes locais tentavam desarmar a bomba, o trânsito local e o fluxo de trens para a cidade ficou completamente zoado.

Tivemos que mudar para um trem lento, com todas as nossas muitas malas, e parar em uma estação aleatória. De lá, descobrir, no meio da confusão, que precisávamos pegar um ônibus que substituiria o metrô que precisaríamos pegar, mas também não estava funcionando. Depois de viajar um tempo por ele no melhor estilo brasileiro (i.e. socado de gente), todo mundo saltou e descobrimos que o ônibus apenas fazia uma parte do trecho, e que daquele ponto em diante poderíamos (melhor, teríamos) que pegar o dito metrô. Fomos até a estação só para ver o primeiro a chegar encher de gente e ir embora sem mais espaço. Para o segundo, tomamos uma posição estratégica e preparamos os cotovelos. Pulamos para dentro com nossa bagagem e lá fomos no aperto. Finalmente, chegamos à estação central, com duas horas de atraso, e apenas poucos minutos depois de ter saído um trem para a cidade onde iríamos.

    O jeito foi esperar 40 minutos pelo próximo, aproveitando o tempo para almoçar e deixar a minha mala maior em um armário na estação (levei para o Wacken apenas o necessário em uma mochila e algumas sacolas). Dali partimos para Itzehoe, que tem a micro-estação mais próxima da nano-vila de Wacken. Faltava ainda um último translado, o ônibus para o festival. E foi assim que chegamos lá, apenas cinco da tarde, quando a previsão era bem antes.

    Nossa maior preocupação com o atraso era achar um lugar bom para colocar as barracas. A área de camping do Wacken é imensa e a galera já chega em peso um ou dois dias antes. Ter que caminhar meia hora toda vez que quiséssemos ir para a área de shows ou procurar os chuveiros seria bem chato. Entretanto, após caminhar um pouco, conseguimos um lugar que, naquele momento, parecia perfeito: muito próximo dos locais supracitados e, ainda por cima, não era do lado das ruas principais, por onde todo o povo passa caminhando. Era do lado de uma vala de escoamento, mas isso só seria problema se chovesse pesado, não a chuva normal que sempre é esperada para pelo menos um dia de festival. Com o acampamento montado e aliviados pelo fim de uma parte complicada da viagem, pudemos rumar finalmente para o paraíso do metal.

    Como o atraso nos fez perder o primeiro show que eu queria ver, o do Sepultura, rumamos para a Wackinger Village, a vila viking/medieval que novamente deu as caras no festival, para pegar nossas primeiras cervejas e começar a curtir. No Wackinger Stage, adequadamente dedicado a bandas com som medieval e/ou folclórico, estava tocando a Saor Patrol, banda composta por um barbudo de gaita de foles, três tiozinhos na percussão e um gurizão com uma guitarra para dar substância. O som é totalmente folk instrumental celta e, com aquele batuque infernal e melodias características, não tinha como a galera não agitar. É interessante ver como no ambiente do metal há esse interesse, ou ânsia, de resgatar sonoridades tradicionais, folclóricas, como uma tentativa de se ligar novamente ao passado (pelo menos ao passado europeu). Por isso músicos que tenham pouco, ou nada, a ver com o metal são bem recebidos em festivais do estilo. E, é claro, bandas que misturam o folk com o metal surgiram aos montes no último ano. Para mim, que entrei de cabeça nessa já há alguns anos, foi excelente ter essas várias bandas por lá.

Logo depois subiu uma banda um pouco mais “séria”, se descontar a teatralidade fora de contexto do vocalista (que também não estava com a voz boa), a Vogelfrey. O som deles é mais power metal, com vocais agressivos, um violino e um violoncelo para dar cor. Só que de nada adianta ter instrumentos diferentes em uma banda se você coloca o som da guitarra lá no alto e abafa todo o resto, certo? Saímos logo, pois estava para começar o primeiro grande show da noite.

    Eu comecei a ouvir Saxon nas últimas semanas por causa do Wacken, já que é uma banda muito clássica que teria oportunidade de ver, mas pouco conhecia. Curti bastante as músicas que ouvi e, por isso, estava na expectativa para o show. Que foi, da parte da banda, excelente. O público que me pareceu um pouco frio, mas pode ser porque estávamos um pouco mais atrás. Curiosamente, antes de tocar “Crusader”, minha música absolutamente preferida e que imaginava ser um dos maiores clássicos deles, o vocalista falou que ela tinha voltado ao set list fazia apenas algumas semanas. De qualquer modo, valeu assistir e com certeza eu iria fácil em um show dos velhinhos de novo.

    Dali fomos para a grande tenda que abriga dois palcos menores, o Wet Stage e o Headbanger Stage, para pegar uma banda que a Tati queria ver, o Mono Inc. Mas, por algum motivo (e não, não era por causa da cerveja), não consigo lembrar de nada do show. Assim fechou a primeira noite de shows, que sempre é mais curta. Aproveitamos para tomar de madrugada e evitar as filas colossais da manhã. Então fomos para as barracas. O clima neste primeiro dia foi sossegado, com alguns momentos de chuva, mas nada grave. Se permanecesse assim, seria uma maravilha.

    Na sexta, logicamente dormirmos pouco porque o sol veio com força e as barracas viraram fornos (quem inventar uma barraca que permanece fresca sob o sol vai ganhar um Nobel). Aproveitamos o fato para meio dia já estar no Biergarten Stage (que é em um biergarten mesmo) para almoçar e ver uma das bandas que mais gostei no festival: o Santiano. A trupe de tiozinhos (novamente!) tem como proposta fazer “som de pirata”, que vai desde algo mais épico estilo “Piratas do Caribe” até as típicas canções de marinheiro para cantar junto. Eles não têm quase nada de metal ou rock, mas isso não os impediu de atrair um ótimo público, que se animou e agitou o tempo todo. Coloquei no topo da lista para depois colocar o tapa-olho e ir atrás de suas músicas nos mares da internet (e como eles poderão reclamar?).

    Em seguida, voltamos aos palcos grandes para ver o show do Oomph!, uma daquelas bandas electro-industrial-metal/rock que proliferam na Alemanha. Só que o som deles é menos pesado. É como um Rammstein com uma bola a menos. Eu gosto do estilo, mas estes caras não fizeram minha cabeça, e em nada ajudava o vocalista fazer longos discursos aleatórios entre as músicas.

    Ao fim do show, era 14:30 e tínhamos uma janela de quase três horas em nossa lista de interesses. Aproveitamos para tomar banho, pois, naquela hora, também não havia fila nos chuveiros. E foi aí que a coisa desandou de vez.

    Pois, enquanto estávamos nos chuveiros, todo o calor do dia até então se condensou em uma cacetada de chuva e vento que veio com toda a força. Até tivemos que esperar um bom tempo na tenta dos chuveiros, que tremia toda, antes de conseguir sair. A paisagem do Wacken passou de idílica para desoladora a partir daí. Poças de água se formaram por todos os lados e, nos caminhos principais, onde só tem barro, o andar de milhares de pessoas começou a formar uma camada cada vez mais espessa de lama.

Nosso acampamento não ficou em melhor situação: embora a vala não tenha transbordado, muita água correu para onde estavam nossas barracas. Ficamos literalmente flutuando na água. Enquanto minha barraca segurou a onda, a da Tati foi mesmo por água abaixo. De um modo absurdo que até agora não consigo entender, o chão da barraca dela, que em toda barraca deve ser impermeável, estava literalmente uma peneira. Mesmo secando, era só apertar um pouco que a água entrava novamente. O jeito foi tirar tudo e tentar isolar por baixo do melhor modo possível com sacos de lixo. Não ficou grande coisa, mas, de modo otimista, pensei que, com a tempestade, ao menos o sol deveria sair e secar as coisas, quem sabe no próximo dia de manhã.

    Mas o metal não podia parar, então perto das cinco horas partimos para a área de shows. Já estava complicado andar, com toda a lama formada, mas, ao menos, o céu ficou realmente limpo. Fomos ver o The Boss Hoss, uma banda de alemães que faz um rock country totalmente no velho estilo estadunidense. Embora eu fique me perguntando o que eles estavam fazendo no maior palco do festival (o True Metal Stage, onde ocorre apenas um show por vez, alternando com shows nos dois outros palcos grandes, o Black Stage e o Party Stage, que ocorrem simultaneamente), não há como negar que o show é muito bom e o som divertido, e a metaleirada agitou de boa. Até solo de tábua de lavar rolou!

    Em seguida, veio uma sequência de três shows que eu queria muito ver, todos no Black Stage. O primeiro acabou sendo o melhor show que assisti neste Wacken, o do Opeth. É uma banda que curto muito e que merece mais do que qualquer uma o rótulo de “metal progressivo”. Isto porque, junto com o Death Metal que fazem desde o início da carreira, eles incorporam muita coisa do rock progressivo setentista, nos arranjos, modo de cantar e até timbres de guitarra utilizados. Nos discos mais recentes, inclusive, o som pesado tem sido cada vez mais deixado de lado em favor do puro rock progressivo. Isto me deixou um pouco cabreiro, pois será que fariam um show puramente calmo com voz limpa? Mas não tive nada com o que me preocupar: depois de começarem com algumas músicas realmente mais sossegadas do disco novo, a pancadaria surgiu forte e o vocalista Mikael Akerfeldt não economizou no seu gutural, que é um dos mais violentos do metal. No geral, foi um show bem equilibrado entre as duas facetas da banda, tudo temperado pelo carisma e sarcasmo do vocalista, que dá um show à parte. Voltou a chover durante o show deles, mas, como diria o próprio Akerfeldt, “combina com o nosso som”.

    No próximo show da sequência, Tati foi para outro palco, pois não era muito a praia dela. Pois finalmente o Black Stage recebeu Black Metal, com o Dimmu Borgir. Tenho alguns discos da banda e gosto muito do som, Black Metal Sinfônico em sua essência, embora não seja daquelas bandas super-favoritas. Este show, em especial, poderia interessar até quem não gosta da banda, pois, para fazer o a parte sinfônica da música, a banda efetivamente colocou uma orquestra no palco. E não era um quartetinho de cordas ou uma orquestra de câmara, mas uma orquestra sinfônica e coral completos. Sem dúvida ficou muito interessante de assitir, mesmo quando os instrumentos clássicos eram esmagados pela massa de instrumentos metálicos. Ajuda que o vocalista da banda é interativo, em vez de ser daqueles Black-metal-truezão que tem que se passar de fodão malvado o tempo todo.

    No intervalo entre os shows, voltávamos à Wackinger, onde gastamos bastante tempo desta vez e, por ser um lugar mais alto, tinha mais espaços com chão relativamente firme. Pegamos mais um pedaço de show da Vogelfrey (as bandas do Wackinger Stage se repetem ao longo dos dias), que estava mais bem equalizado e redondo, embora tenha incluído um momento deprimente com o vocalista arrancando com os dentes a cabeça de uma Barbie e depois ficar tristinho porque um pouco de sangue falso escorreu para o olho. Em outro momento, pegamos o show da Russkaja, que talvez tenha sido a banda mais fora de contexto do festival. Eles são russos e falam de coisas russas e tal, mas o som é puro e simples ska, com alguns poucos momentos com algum peso. Mas, novamente, impossível não se divertir com as músicas e as brincadeiras do muito carismático vocalista gordinho, e a metaleirada agitou à vontade, mostrando que intolerância sonora não é coisa do metal (pelo menos do povo que ia naquele palco...).

    Para fechar a noite, finalmente rolou uma banda de folk metal “de verdade” em um dos palcos grandes, o In Extremo. Conheço eles mais do começo da carreira, quando tinham uma proposta mais voltada ao folk, mas depois eles partiram para um som cada vez mais metal tradicional. Na verdade, as coisas mais novas parecem mais heavy metal com gaitas, com quase nada de folk, e foi neste tipo de som que a apresentação foi centrada. Independente disso, foi um grande show, com muita pirotecnia e boa performance do vocalista com voz de camponês, e tocaram a minha favorita e super-folk “Herr Mannelig” (uma balada medieval sueca), então está tudo em casa.

    O show terminou duas da manhã e era hora de ir chafurdando na lama até a barraca, torcendo para que o sol aparecesse com força no dia seguinte. Tati ainda passou na tenda onde rolava um suposto caraoquê metal, mas logo apareceu nas barracas também.

    E o que o dia seguinte trouxe foi chuva a manhã toda. Não muito pesada, mas o bastante para piorar a situação. O movimento constante de pessoas tornou todos os caminhos sofríveis e, mesmo onde antes tinha grama, agora só havia lama. Tornou-se impossível caminhar sem afundar os pés quase totalmente nela. Assim, tivemos que reduzir todos os deslocamentos ao mínimo necessário, o que tirou do caminho coisas supérfluas como chuveiros e banheiros limpos, em favor dos shows, barracas de comida e, logicamente, pegar cerveja.

    Saímos das barracas apenas perto das duas da tarde, para pegar o show da Paradise Lost no Party Stage. Uma banda que já transitou por tudo desde o Doom Metal só com guturais até o Gothic Rock dançante e, por mais que tenha recebido as pedradas que bandas que mudam o som sempre recebe, sempre se deu relativamente bem em cada abordagem. Foi um bom show, mas muito curto (só 45 minutos), estranho para uma banda com tanta história e que tocava pela primeira vez no Wacken. Poucas velharias foram tocadas, então, que é a parte que melhor conheço.

    Paramos em seguida para assistir no Wackinger uma batalha entre os Guerreiros do Metal e os Soldados
do Hip-hop. Os dois lados equipados com suas armas e armaduras medievais, se enfrentando em batalhas campais e duelos individuais. Logo a coisa virou uma aula de técnicas de combate medieval para o pessoal da platéia. Muito nerd, eu sei, mas, por isso mesmo, muito legal.

    Cinco e pouco da tarde começamos a ver no Wet Stage uma outra banda de metal industrial alemã, o Megaherz. Inevitável comparar sempre com Rammstein (que é/já foi o ícone do estilo), ainda mais que os vocalistas sempre teimam em cantar exatamente do mesmo modo, mas pelo menos desta vez a banda tinha as duas bolas e uma terceira brotando, pois faziam um som bem pesado, industrial mesmo (no sentido dançante, não no sentido original estilo Fear Factory). Saí antes do final porque queria chegar cedo para um dos shows pelo qual estava mais ansioso. Tati ficou para ver o Moonspell, que eu também queria ver, mas infelizmente era no mesmo horário.

    O Cradle Of Filth é, sem dúvida, uma das minhas bandas favoritas. Eu não estava ouvindo muito nos últimos anos, mas antes do Wacken do ano passado voltei a pegar os discos e ouvir muito. Daí o diabo do vocalista resolveu apanhar em uma briga alguns dias antes e a banda cancelou a apresentação naquele ano. Agora, era para ser o show de compensação. Como cheguei uns 20 minutos antes do show começar, e este não estava particularmente socado, consegui ficar muito perto do palco (foi o show em que fiquei mais colado de todos os Wackens, tipo na sexta fileira mais próxima). O Cradle começou como uma banda de Black Metal Sinfônico e foi crescendo cada vez mais com o passar do tempo. Foi fácil constatar que músicas mais novas eram as mais conhecidas do pessoal. Assim, não muita gente se mexeu com o começo do show, que achei do caralho, pois entraram com a introdução sinfônica do meu disco favorito, “Dusk and her embrace” e depois com a primeira faixa deste, “Heaven torn asunder” (uma música que tem uma dinâmica fenomenal). Mas a galera teve tempo o bastante para agitar com as músicas mais conhecidas (que eu também gosto muito, claro). Não foi um dos shows quem mais empolgaram o povo no festival, mas eu, ao menos, curti demais, embora não tenha tirado do Opeth o Troféu Fefeleco de Melhor Show do Wacken.

    Em seguida, pelo nosso programa (que custou um euro!), viria o show do Scorpions no True Metal stage. Entretanto, enquanto ficava de longe esperando a Tati, que me encontraria lá, percebi algo estranho no cartaz estendido ao fundo. Eu já tinha visto aquilo em algum lugar e, sem dúvida, um imenso viking brandindo sua espada em meio às chamas não tinha muito a cara do Scorpions... Corri para uma barraca de informações, onde me deram um programa (gratuito) que mostrava que quem iria tocar naquele palco agora era nada menos que o Amon Amarth, a última das bandas que eu mais queria ver no festival. O show começou e tive que ficar só ouvindo de longe duas das minhas músicas favoritas serem tocadas enquanto esperava a Tati. Quando Lea chegou, arrastei-a para o show, que ela não fazia a menor questão de ver. Mas, no fim, até ela gostou, porque talvez tenha sido o melhor show do Wacken. Eu não tinha idéia de que a banda fosse tão grande, imaginava que eles eram uma banda média-grande no máximo, mas tinha realmente muita gente no show. E o mais chamativo: todos agitando muito, desde o gargarejo até o fundão, coisa que raramente acontece nos shows enormes. Estava na cara de que a banda também estava curtindo muito aquele clima e o vocalista mostrou que você não precisa ser um carrancudo para fazer metal extremo. Na hora de cantar, era um ogro furioso. Nos intervalos, era apenas um viking feliz, sorridente e piadista de dois metros de altura brandindo um martelo de batalha. Fiquei realmente muito triste por ter rolado a confusão com o horário e ter que ver a apresentação de muito longe, pois era um show que merecia ser visto e ouvido mais de perto.

    Depois dos vikings, finalmente era a ver dos escorpiões. Eu não conheço muito de Scorpions, mas acho que deve-se aproveitar a chance de ver estas bandas clássicas no fim da vida. Neste caso, a turnê é, supostamente, a última (mas sabe como é essa história de “turnê de de$pedida”...). Então eu quis ver os velhinhos. Infelizmente, não foi grande coisa, não necessariamente por culpa deles. Logo no começo do show, veio novamente uma tempestade que espantou muita gente e fez o resto se aninhar em suas capas de chuva.  Daí a vibe deu aquela diminuída. A banda também não me pareceu tão enérgica. O vocalista Klaus Meine não tem mais voz para nada e talvez seja o maior motivo pelo qual está mesmo na hora da banda parar. Em alguns momentos o show se perdeu em solos demasiadamente longos, dava para pegar uma cerveja, voltar e o cara ainda estar lá fazendo acrobacias. O de bateria foi particularmente ruim. Enfim, só consegui me animar precisamente na última música, mas, também, é uma das melhores e mais empolgantes do rock: “Rock you like a hurricane”. Curiosamente, não tocaram o super-hit mela-cueca “Winds of change”. Será que acharam que o público do Wacken não seria muito receptivo para ela? Olha, até que não erraram muito...

    Finalizado o show, onze da noite, novamente sob chuva e com a lama agora atingindo profundidades perigosas, o povo começou a dispersar, mesmo ainda tendo alguns shows grandes pela frente. Para variar, como eu nunca fui em um festival com a Tati no qual ela não perdesse alguma coisa importante, ela reparou nesta hora que tinha perdido a carteira e saiu pelo mar de lama a procurá-la (e, incrivelmente, achou, caída no meio do lixo ao lado de uma barraca onde tinha comprado cerveja antes). Eu fiquei um tempo vendo o show do Machine Head em um telão à frente de uma das poucas ilhas de grama que ainda sobravam.

Para finalizar a noite, fugimos para a tenda coberta onde algumas últimas bandas tocavam para um público diminuto no Wet e Headbanger Stage. À uma e meia tocou uma banda esquisita, o Winterfylleth. Nada errado nem com o som nem com a aparência, mas minha mente não conseguia encaixar as duas coisas. O som era o mais extremo que eu tinha ouvido no Wacken até o momento, poderia fácil chamar de Black Metal e dos bem pesados. Mas os caras pareciam o Offspring ou outra banda de hardcore qualquer. Pode ser preconceito meu, mas realmente som extremo e bonés não parecem combinar direito...

A última banda que vimos, duas da manhã, acabou conseguindo a proeza que era animar todos o povo que ainda se encontrava lá. E, novamente, nada tinham de metal. Era o Leningrad Cowboys, que faziam uma mistureba de hard rock, country e música russa que, por incrível que pareça, funciona muito bem. Para auxiliar, uma performance digna de estadunidenses (mas eles são finlandeses ), com fantasias, trajes bizarros, dançarinas gostosas e muito humor. Quando eles meteram “Those were the days” nem mesmo o mais bodeado dos bêbados conseguiu ficar parado. E todos vocês conhecem essa música, eu tenho certeza! Foi um desfecho surpreendentemente animado para uma noite que achei que não teria mais nada para oferecer.

Depois disso, fim da alegria. Tivemos nosso último arrastar pela lama até as barracas, apenas um breve momento de bode antes de, seis da manhã, levantar acampamento. Não tinha porque ficarmos mais lá, o melhor era chegar o mais cedo possível em um lugar civilizado, quente e seco. Tivemos uma última sorte que foi não chover durante a arrumação das coisas, como no ano passado. Quando fomos em direção ao ônibus, os tratores já tinham começado a trabalhar. Pois, imaginem: tinha muita gente no acampamento com carros. Muita gente mesmo. Milhares de carros lá. E nenhum com a menor condição de sair do atoleiro. A organização conseguiu arranjar sete tratores para ajudar na retirada dos carros, mas acho que até agora deve ter neguinho lá esperando...

De nossa parte, foi pegar o busão para chegar na estação de Itzehoe, tomada por metaleiros sujos de lama até os ossos. Tive que usar minha calça de moletom com o qual dormia e Havaianas, jogando todo o resto dos trastes em um sacolão de lixo. Estava um mendigo perfeito, sorte que não fui preso ao andar pelas ruas. Uma hora de trem depois, chegamos numa estação secundária de Hamburgo e Tati seguiu em frente para sua cidade, enquanto eu rumei para a estação central pegar minha bagagem no armário. Ainda tive a última lição do fim de semana, a de ler com cuidado as coisas antes de fazê-las, pois tinha enfiado minha mala em um cofre automático de curta duração que custava quatro euros por hora. Uma dívida de 44 euros se encontrava entre eu e minha mala e tive que ir até a administração central trocar 50 euros em moedinhas de dois para alimentar a maldita fechadura esfomeada (e, de quebra, descobrir que lá eles tem armários de longa duração que custam cinco euros por dia).

Tão cansado estava que nem liguei muito para isso, na real. Tudo o que me importava é que meu hotel ficava a cinco minutos de caminhada da estação central, e não a dez horas de distância como no ano passado. Pude chegar logo lá, perto das onze da manhã, e ainda ter pique para arrumar umas tralhas e gastar uma hora devolvendo meu tênis, a esta altura nada mais que uma bola de lama, a um estado utilizável. Eram duas da tarde quando finalmente morri na cama, todo o cansaço do festival e da falta de sono desde o começo da viagem batendo de uma vez. Levantei 20 horas depois, tendo dormido por 17 seguidas e ainda enrolado na cama mais um tempo. Embora pudesse dormir ainda mais, estava bem o bastante para aproveitar o dia e explorar Hamburgo. Mas isso é outra história...

O Wacken deste ano foi bem mais complicado que no passado, quando tudo foi praticamente perfeito. Chuva leve não atrapalha, mas chuva pesada fode a vida, pois torna complicado fazer tudo. Até sair andando para curtir as coisas que estão acontecendo se torna um estorvo. Porém, não dá para ficar amuado, se render e se entocar na barraca até tudo acabar. O evento é legal demais e tem que ser aproveitado, faça chuva ou faça sol. E, como a própria Tati disse depois, não sei o que o Wacken tem, mas, mesmo depois de todo o perrengue, logo depois de voltar já dá vontade de ir de novo. Em breve, quem sabe. Em não-tão-breve, com certeza.

Mas, sério, os deuses do metal tem que fazer as pazes com os deuses do clima. Mesmo.

2 comentários:

Ademar disse...

Olá, Filhote!

Pois é. Se tivesses levado o coturno, teria sido uma boa. Mas... quem pode adivinhar as coisas? Tome alguma vitamina C pois, falta de sono, stress e muita bebida alcoólica diminuem a resistência física. Tente evitar uma gripe. Aproveite a viagem à Grécia. Ao que me parece ficará bem evidente a diferença, entre gregos e troianos.

Pai.

sara disse...

Meu Deus! Fiquei cansada só de viajar virtualmente pelas tuas aventuras!Os shows e o ambiente devem valer muito mesmo para compensar. O troféu "Fefeleco" foi o que mais curti!
Agradeço teres ido a Braunscheig -apesar de nada em especial, é special para mim e teu avô.
Quanto às bandas, nada tenho a declarar pois não manjo nada,senti que não assististe o Sepultura, pois sabes que eu curti o show deles ano passado.
Continua bem tua viagem-aventura, agora com mais sol espero.