sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A vida é um museu

Amanhã é meu último dia em Berlim e na Alemanha. De noite pego um trem para Paris que chega domingo de manhã. É hora de contar como foi esta semanada na capital.


Berlim


Cerca de oito horas da noite de domingo a aventura do Wacken terminou, com minha chegada à estação central de Berlim. É a maior e mais bonita estação das que vi, com vários andares e escadas rolantes por tudo quanto é lugar. Além, claro, do Fantasma da Estação, que grita desesperadamente toda vez que um trem de superfície parte.

Um dos motivos para minha escolha do hotel em Berlim tinha sido o fato de ser próximo da estação. E próximo é um eufemismo: ele é literalmente do lado. Um alívio para um soldado cansado ansiando por repouso. Arrastei minhas malas até lá, fiz o check in, tomei um banho, jantei na base do McDonald’s e morri na cama até o começo da tarde de segunda.

Segunda feira nem quis pensar em fazer nada, mesmo com alguns amigos no MSN aparentemente desesperados com o fato de eu não estar correndo para ver algum prédio velho a cada segundo. Segundo um plano de viagem meticulosamente calculado, eu sabia que este era uma mistura de hotel com albergue. Ou seja, com quartos no estilo de hotel, mas com algumas conveniências dos albergues, como cozinha coletiva e máquina de lavar. Então pude dar jeito em minhas roupas, que voltaram um traste do Wacken. Dica aos viajantes: enquanto você espera para usar a máquina, fique usando o computador na cozinha coletiva. Com um pouco de sorte, você ganha um almoço de graça com a caridade das outras pessoas. Com um pouco mais de sorte, essas pessoas incluem uma ninfeta espanhola por quem você seria preso sem nem hesitar.

Com roupas limpas e bem alimentado, pude me sentir humano novamente. Usei o resto do dia para organizar os vários passeios que gostaria de fazer, incluindo tentar entender o complexo (mas eficiente) sistema de transporte público da cidade. No dia seguinte pude, finalmente, começar o turismo de verdade.

Na terça, rumei para um local mais afastado do centro para encontrar um lugar onde se fazem visitas guiadas aos subterrâneos da cidade, incluindo bunkers e túneis da Segunda Guerra e da Guerra Fria, sistemas de metrô abandonados e outras dungeons urbanas mais. De um modo bem calouro, fui apenas sabendo que o local era do lado da estação de trem. Resultado: Félix correndo de um lado para o outro com poucos minutos para o início da visita, às onze. Com alguns minutos de atraso, encontrei o lugar, junto com mais um grupo de holandesas (ah, as mulheres holandesas...) também atrasadas. Por sorte, o guia, um galês piadista com um inglês carregado de sotaque e uma baita cara de pinguço, deu mais uma passadinha antes do tour para ver se ainda tinham alguns perdidos. Voltou com um metaleiro e três holandesas (ah, as mulheres holandesas...) a tiracolo.

O passeio demorou uma hora e meia e incluiu uma visita a um bunker nazista que posteriormente foi transformado pelos soviéticos em um abrigo em caso de guerra nuclear. Do modo como o troço foi mal-feito e com o ambiente opressivo que ficaria, se fosse usado, eu com certeza preferiria estar embaixo da bomba e evaporar. Depois ainda saímos para uma estação de metrô atual, mas que também tinha sido modificada para virar bunker, em caso de necessidade. Muito legal descobrir que por trás daquelas portinhas que ficam trancadas tinha toda uma estrutura de salas e corredores para abrigar pessoas em um caos nuclear.

Logo depois deste tour guiado era para ter outro, por diferentes estruturas subterrâneas, mas o guia me disse que, por azar, logo naquele dia não haveria a visita. Terça feira não era um bom dia, segundo ele. Decepcionado, só me restou rumar para o segundo destino do dia, do outro lado da cidade, me separando das holandesas (ah, as mulheres holandesas...)

Junto a um grande parque, fica o Palácio de Charlottenburg, construído por um nobre prussiano (que logo se tornou o primeiro rei da Prússia) para ser uma casa de campo para a sua mulher. E bota casa nisso. É um grande palácio do final do século XVII que foi habitado até os anos 40, quando levou umas pipocadas dos bombardeiros britânicos e foi quase todo abaixo. Reconstruído e restaurado, virou atração turística (uma história semelhante à de muitos outros lugares de Berlim). Passei por salas e mais salas absurdamente decoradas, em algo que penso ser uma versão menor de Versalhes. Como este, também possui um imenso jardim desenhado em diversas formas geométricas, com um belo mausoléu encravado no meio das árvores.

Infelizmente, um dos grandes setores também se encontrava fechado, porque... era terça feira, claro. Mesmo que no site oficial da cidade estivesse escrito “aberto diariamente”. É, alemão também faz cagada. Ainda tive que andar um bom pedaço e me perder nas linhas de metrô / trem de superfície antes de voltar ao hotel. Não foi um bom dia, mal aproveitado, mas felizmente o único assim na semana (bem, você pode argumentar que a segunda feira também foi mal aproveitada, mas eu digo que aproveitei pra caralho dormindo!).

Quarta feira foi o dia de recuperar a moral com um dos passeios mais ansiados: o Zoológico de Berlim. É um dos maiores e mais diversos do mundo, com um monte de bichos que eu jamais tinha visto na vida. Acabou sendo bom ter ido no de Frankfurt, pois eles tem muita coisa em comum, e assim poupei um bom tempo. Comecei pelo aquário, que é super badalado e até pode ser visitado separadamente. Por causa disso, achei que fosse maior do que é. É bem parecido com o de Frankfurt, com a exceção dos aquários maiores com os bichos grandes (coisa pouca, tipo um tubarão-tigre de três metros). Fábio, tu ia adorar. Ou se sentir deprimido ao voltar para casa e ver os peixinhos no aquário de casa...

Mandei para o espaço os bichos-balaios que você vê em qualquer Zoo do mundo (leões, girafas, elefantes, etc.), entretanto alguns ainda mereceram uma visita. Isso porque estes zoológicos da Europa são montados para que o público fique o mais próximo possível dos animais. Em alguns casos, é perfeitamente possível estender a mão e, quem sabe, perder uns dedos na boca de um bicho curioso (não sei como aquela criançada ainda tem todos os membros). O vidro também é muito usado, em vez das grades, mesmo em jaulas grandes. Então, por mais que você já tenha visto um hipopótamo, é totalmente diferente ver um nadando a 50 cm de você.

Mas o que importava eram os bichos novos, e destaco o bizarro aardvark (uma mistura de porco com tamanduá da África, que deve dar um bom assado), os ursos (o polar é grande, mas o pardo me pareceu tão pequeno... ok, não gostaria de entrar num ringue com ele mesmo assim) e, claro, os animais que são total e absolutamente os mais lindos e legais de todo o universo: os lobos. Entre várias passadas ao longo do dia, fiquei quase uma hora e meia de olho nos bichos e filmei / fotografei o suficiente para um documentário. Fora o momento do bode no meio do dia, eles não param de interagir entre si e inventar novas coisas. Uma hora, estão todos correndo uns atrás dos outros. Em outra, decidem escavar um novo buraco. Depois, brigam por um pedaço de osso. Daí interagem com as pessoas do outro lado do vidro. Então, o Alfa decide levantar e encher todo mundo de porrada. E assim vai, o dia todo. Juro que morri de vontade de pular o parapeito e ir lá abraçar e rolar com todos. Com certeza ia ser lindo e todos ficariam felizes: um com um pedaço de perna, outro com um braço, outro com umas costelas... Até uma orelha ou duas sobrariam para o filhotinho.

Fui embora perto da hora de fechar. De noite, desci para o saguão do hotel tomar umas cervejas e ver o jogo, interagindo com a brasileirada que também se encontrava lá. Eram sete brasileiros e uma alemã assistindo. Duas horas depois, tinha uma pessoa feliz e sete tristes. Tente adivinhar quais são.

Quinta feira foi o dia de ir para a Ilha dos Museus, um setor da cidade que aglomera meia dúzia de museus de história e arte. Fui a pé, pois o caminho passa pelas vistas obrigatórias de Berlim,o Reichstag e o Portão de Brandenburgo. As duas construções me surpreenderam, sendo maiores e mais bonitas do que eu esperava. Desci uma das ruas mais conhecidas da cidade, a Unter Den Linden, passando por vários edifícios históricos e comendo um almoço genuinamente alemão. Nos almoços, todo dia é uma nova descoberta quando se pede pratos aleatórios. Neste dia descobri que “liver sausages” nada mais são do que murcilhas e que “sauerkraut” percorreu um longo caminho até virar o nosso chucrute.

Chegando na Ilha, minha primeira parada foi na Catedral de Berlim, e à primeira vista dela meu queixo já caiu. Ao entrar, ele descolou da cabeça e saiu rolando pelo chão. Aquilo é FODA! É a maior e mais bonita igreja que já vi. Mesmo sendo uma igreja protestante, a decoração e ostentação interna não deixam nada a dever a qualquer catedral católica. E na parte principal um domo colossal se estende até 116 metros de altura (!!!), dando a impressão de que o céu é ali mesmo, onde tem os anjos do topo desenhados. Se impressiona mesmo as pessoas da era dos arranha-céus, imagina as pessoas do século XVIII. Se eu fosse um camponês desta época, de certeza acreditaria em Deus. Notre Dame e a Basílica de São Pedro ainda estão na minha agenda e, se forem mais imponentes que essa, eu me converto. Juro.

Uma dica: suba os vários degraus até a passarela no início do domo, assim terá uma visão espetacular de Berlim. Outra dica: não esqueça sua câmera no banco da igreja, assim não terá que descer tudo correndo para procurá-la. Pelo menos quem a achou, devolveu-a aos guardas, como um bom cristão. Não antes de roubar o cartão de memória, como um bom cristão. Felizmente não tinha nenhuma foto minha pelado diante do espelho, mas perdi todas as fotos tiradas até o momento no dia.

Todas essas coisas significaram que cheguei para ver os museus mesmo só às quatro da tarde. Sem problemas, pois tinha planejado a quinta feira porque é o dia em que os museus ficam abertos até dez da noite. Uma idéia tão boa que todo o planeta também a teve. Na frente do que eu mais gostaria de visitar, o Pergamonmuseum, havia uma fila de proporções mitológicas. Decidi desviar de rota e deixá-lo para o dia seguinte, indo para a fila do Neues Museus, que era mais curta. Ali, comprei um ticket muito interessante que dá acesso livre à grande maioria dos museus da cidade por três dias. Se você pretende visitar mais que dois, vale muito a pena, ainda mais que você não precisa se preocupar se conseguirá ou não ver tudo, pois se faltar tempo é só voltar em outro momento.

Comecei pelo Neues Museu (“museu novo”, significando com isso que tem só 150 anos de idade), que possui um acervo focado em antiguidades históricas gregas, romanas e egípcias. Também possui as descobertas originais do sítio que se imagina ser Tróia e algumas coisas de Pré-História e História Beeem Antiga. Não é preciso dizer que me perdi ali dentro, né? A sua peça mais famosa é o Busto de Nefertiti, com uma sala inteira dedicada só a ela. Você olha para a peça, em um estado quase perfeito de conservação, e fica realmente admirado por aquilo ter três mil anos de idade, em vez de produzido no ateliê da escola de artes na semana passada. É proibido de tirar foto e não tem jeito, mesmo ficando lá longe na sala adjacente e tentando usar o zoom aparece uma tiazinha engoda metendo a mão na lente. Saí apenas na hora de fechar, às oito (mais uma das pegadinhas onde o alemão diz um horário mas fecha em outro), e ainda tinha tempo para percorrer o Altes Museum (“museu antigo”, significando com isso que é vinte anos mais velho que o outro), com foco em arte grega e romana. Gastei um bom tempo em uma coleção de moedas antigas que eles possuem, indo desde as primeiras a serem cunhadas (lá pelos séculos VII–VI a.C.) até o final da Antiguidade.

Quase dez horas, rumei de volta ao hotel. De trem desta vez, pois estava com os pés em frangalhos e com bolhas. Efeitos colaterais de andar o dia todo por dias seguidos. Fui logo dormir, pois queria ir cedo no outro dia para o Pergamonmuseum e evitar a aglomeração. Como meu “cedo” nunca é realmente cedo, cheguei passando das dez e já havia uma bela fila. Felizmente, logo descobri que era para comprar os tickets, e quem possui o super-ticket-combado como eu podia entrar direto. Os outros que percam seu tempo na fila. Trouxas. Há!

Enquanto os outros museus são “muito legais”, mas não mais que isso, o Pergamonmuseus é “muito legal mesmo”. De cara você já entra em uma sala enorme com a atração mais famosa, o Altar de Pérgamo, uma reconstrução de um templo grego do século II a.C. com um friso gigante mostrando uma grande batalha entre deuses olímpicos e gigantes. O guia de áudio é muito informativo nesta hora, dando informações detalhadas de cada trecho do friso e indicando o deus que está ali representado.

Há mais três salões no estilo “colossal” no museu, que logicamente são os que mais impressionam. Uma delas possui reconstruções de colunas e fachadas de templos gregos dos dois primeiros séculos a.C., algumas com quase vinte metros de altura. A outra tem a fachada original do mercado de Mileto na época romana, uma visão massiva e imponente. E, por fim, a que mais me impressionou, pelo tamanho e pelos sentimentos de antiguidade e glória ancestal que evoca: o Portão de Ishtar na Babilônia, do século VII a.C. Quando você vê aquele negócio todo decorado e com uma cor azul profunda, pode pensar algo como: “bah, isso deve ser uma réplica recente”. Mas é a parada original, só com algumas restaurações inevitáveis, claro. O imenso portão, assim como as paredes da avenida que são reproduzidas no museu, são de pedra azul, não de tijolos normais, por isso mantém a mesma cor que inúmeros povos devem ter visto ao entrar naquela cidade legendária.

Depois de começar com essas visões assombrosas, até me exigiu um pouco de esforço olhar com atenção para o restante do acervo, quase humilde em relação às massacrantes atrações iniciais. Mas logo começou a fluir novamente aquele sentimento de escapismo e ancestralidade ao ver peças tão antigas quanto o tempo, esculturas, ornamentos, armas de mais de cinco mil anos atrás. O museu possui uma grande coleção de artefatos de algumas culturas do Oriente Próximo, onde podemos dizer que começou a civilização humana (como o nerd interior nunca morre, me deu uma vontade de jogar Age Of Empires I...). Como complemento, ainda, tem uma exposição de arte islâmica que, embora com algumas peças legais, não conseguiu prender tanto minha atenção depois de quatro horas ali dentro. Ainda passei no quarto museu da Ilha, o Bodesmuseum, que possui um acervo de arte do final da antiguidade até o Renascimento / Barroco europeu. Como meu negócio é mais história do que arte em si, apenas olhei com mais atenção o acervo bizantino e a coleção de moedas (que é bem maior que a do Altes Museum e vai até as moedas recentes).

Uma coisa que me causou surpresa nestes museus por onde passei é... a desorganização deles. Isso mesmo. Se você imagina que os museus seriam bonitinhos e perfeitamente organizados, segundo a eficiência que os alemães demonstram em quase tudo, pode tirar o chucrute da chuva. Vi com freqüência peças expostas sem nenhuma explicação, ou peças de contextos completamente desconexos dividindo a mesma sala. A ordem das salas não faz muito sentido e você não consegue ter uma sensação de coerência ao percorrê-las. Quem não sabe ler alemão (ou seja, o mundo inteiro, fora os alemães) fica meio perdido, pois a grande maioria das peças não possui explicação em inglês, ou apenas na forma de uma frase curta (mesma coisa no Zoo). Tá, é fácil ver um machado e saber que é um machado, mas e uma bola de pedra qualquer na seção pré-histórica? Os guias de áudio, presentes em todos os museus, não ajudam muito, pois falam apenas de poucas peças, enumeradas de forma aparentemente aleatória (e se alongam em discursos chatos pra cacete). Percebi coisas assim em todos eles, mas no Neues elas chegam ao ponto de atrapalhar bastante a experiência.

Depois dessa overdose de velharias, aproveitei o fim da tarde para ir até um ponto menos chique do centro de Berlim, em busca de objetivos mais prosaicos: comprar camisas de banda. Na minha cabeça, estar em uma grande capital européia, a terra do metal, seria uma boa oportunidade de encontrar camisas das bandas mais obscuras que eu escuto e jamais encontraria no Brasil. Ledo engano. A loja onde fui, mesmo grande, tinha um acervo miado baseado em bandas comuns. Segundo o atendente, nem conseguiria achar aquilo na cidade, pois, quando o pessoal quer uma camisa diferente, simplesmente compra pela internet. Aproveitei a viagem então para comprar um novo cartão de memória para a câmera (calma, eu tinha um de reserva para tirar fotos nos museus), comer uma salsicha assada nas movimentadas barraquinhas de uma praça e voltar ao hotel. Amanhã o plano é fazer o check out do hotel, deixando as malas na sala de bagagem que eles possuem, e andar por alguns trechos ainda não vistos da cidade, incluindo a visita ao Museu de História Natural (afinal, eu sou biólogo, e não arqueólogo, né? Ai, ai...).

Eu tenho que falar das diferenças culturais ainda, que vão além de não ter cesta de lixo nos banheiros, mas este post já está longo demais. Quem sabe eu escreva no trem e poste logo ao chegar em Paris. Ate lá, então!

4 comentários:

Gisele disse...

meh

Sara disse...

Adorei saber daquela igreja e estou curiosa de saber se ela vai te impressionar mais que a Notre...
Bom passeio e... voilá...Paris!!!

Ademar disse...

E aí, não visitou os restos do "Muro de Berlim"? Em Paris, não deixe de subir na torre Eifel. Vá de elevador, mas somente até o segundo andar. Para ir até o topo, você terá que enfrentar uma fila quilométrica para pegar outro elevador. Contando o tempo perdido,que pode ser horas, acho que não vale a pena. Abração, Pai.

Fábio Ricardo disse...

O Aquário de Berlim e o Oceanário de Lisboa tão na minha lista de visitas a serem feitas antes de morrer.