quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A vida é uma fila

Cheguei hoje em Roma e já pude provar um pouco do gosto (não exatamente saboroso) desta cidade. Mas isso fica para depois, agora falarei como foram as aventuras de Félix, O Ogro, na Terra da Frescura.

Paris

Mais quatro dias se passaram, com mais uma enxurrada de informações na cabeça. Ela já está transbordando, e olha que ainda faltam duas semanas. Ainda bem que tenho as fotos e os vídeos para refrescar a memória. Contagem em 1409 até o momento. Fico pensando se algum dia terei saco para rever tudo...

Meu primeiro dia em Paris foi bem inútil. Banzo de sono da viagem de trem, cheguei cedo ao hotel e fiquei enrolando na net até o quarto ser liberado. Perto do meio dia a porteira abriu e deixei minhas malas lá. A barriga reclamava e perguntei para a atendente se tinha um restaurante aberto por perto. Ela me indicou um que, ao sentar, descobri que era de comida tradicional. Ou seja, com altos pratos e altos preços. Abracei o capeta e decidi ter uma baita refeição tipicamente parisiense. Entrada com escargot (são bons, mas não tem nenhum gosto marcante como camarão, por exemplo), prato principal à base de pato assado com mel (altamente bom) e sobremesa com um queijo especial (sobremesa salgada, claro) acompanhados de uma cerveja parisiense (desculpem, vinho não é comigo). Duas horas de refeição depois, saí do restaurante bem mais pobre e bem mais feliz.

No resto do dia, fiquei no hotel planejando mudanças para o resto da viagem. Percebi que, por mais que seja uma experiência diferente, para cada noite que eu passasse dividindo cabine em trem ou ferryboat eu perderia uma dia ficando podre depois. Então bora comprar passagens de avião, que felizmente não são caras aqui na Europa (na verdade, consegui passagens até mais baratas que os trens). Passando horas para achar e entender as regras de cada companhia, fazendo mais umas mudanças de roteiro e em reservas de hotel, acabei ficando até de noite nisso.

Não tive muito tempo de recuperar o sono, pois na segunda feira era dia de visitar o Louvre, e tinha ouvido histórias horríveis sobre filas quilométricas, pessoas morrendo de fome na espera e etc. Dá para comprar o ingresso antecipado online, mas como eu não teria acesso à impressora, não queria arriscar. Então acordei cedo e rumei para o museu, usando o sistema de metrô de Paris que é bem simples de entender e eficiente. Mas aqui não tem arrego, tem que passar o ticket na catraca senão não entra. Deve ser porque aqui as pessoas furam o sinal vermelho de pedestres o tempo todo...

Cheguei quinze minutos antes de abrir e já tinha uma fila considerável. Iniciei o Movimento Pelo Direito de Sentar, fazendo a fila virar uma curva para todos sentarem na beirada da fonte, mas logo a iniciativa foi abortada pelas autoridades repressoras, que parecem achar que uma fila curvada funciona diferente de uma fila reta. Felizmente, a demora quando abriu o portão foi curta e demorou só uns quinze minutos para entrar.

O Louvre é grande, muito grande. Em teoria é um museu de arte, mas possui um acervo
fantástico de antiguidades egípcias, gregas, romanas e do oriente próximo. Foi para essas que parti inicialmente, demorando a me achar nos confusos corredores, mas logo podendo curtir a exposição. Existem algumas peças “pop” no meio, facilmente reconhecíveis pela multidão que se aglomera ao redor delas, como o primeiro Código de Hammurabi a ser achado e a Vênus de Milo, também conhecida afetuosamente por Miss Talidomida. Também há um setor arqueológico onde pode-se andar por dentro das fundações da antiga fortaleza medieval que era o Louvre. Gastei a maior parte do dia nestas seções, e só passei atropelado pela seção de pinturas para dar uma espiada na Mona Lisa. Bem meia boca. A Vênus de Milo é mais gostosa.

Era meio da tarde e ainda dava tempo de passar no Museu de História Natural, que é bem mais complexo que o pequenininho de Berlim. O problema é que ele não é um edifício único, mas um conjunto de prédios temáticos, cada um com seu ingresso e seu horário de funcionamento. Tive tempo de ver bem só a galeria de paleontologia e anatomia comparada, o que já é mais do que suficiente para quem foi um viciado em dinossauros a infância inteira (ainda adoro, mas não acompanho mais de perto). Ainda gastei um tempo dando voltas no parque que abriga o museu antes de ter um chiquérrimo jantar no McDonald’s (o lugar onde mais comi nessas semanas) e voltar ao hotel.

Terça feira planejei para ser aquele dia onde se fica andando pela cidade visitando várias atrações que não exigem um compromisso tão grande de tempo, como um museu. Só não andei literalmente porque, como falei, o metrô aqui é muito conveniente e metade do preço do de Berlim. Minha primeira parada foram as catacumbas, um sistema de corredores subterrâneos com um ossuário onde foram colocados milhares (milhões?) de ossos dos cemitérios supersaturados de Paris, durante os séculos XVIII e XIX. Ali comecei a provar o gostinho de viajar na temporada.

Não cheguei muito cedo, perto de dez e meia, achando que, por não ser um dos pontos turísticos top, não teria tanto estresse. Sonho meu... A fila não era tão extensa assim, o que só engana. Pois, até você perceber que ela se arrasta lerdamente por uma espera de duas horas e meia, você já está na metade e não vai desistir aí. Pois é, já passava de uma da tarde quando cheguei à entrada da parada. Só querendo muito mesmo para agüentar...

O passeio mesmo é curto, mas extremamente legal. Nada de guias chatos e blábláblá sobre cada pedra no caminho, você compra o ingresso e se manda para os corredores por conta mesmo. Depois de algumas passagens obscuras e pontos com alguma coisa singular, chega por fim ao ossuário. E haja osso, meu amigo. São dezenas e dezenas de corredores cercados dos dois lados por pilhas de ossos até quase o teto. Junto com eles, algumas placas com indicações de origem ou escritos religiosos, que soam muito macabros naquele lugar. Como você se sentiria lendo o trecho do Apocalipse, “E ao toque da trombeta todos os mortos ressuscitaram, cercado por milhares de ossos? Se alguém tocasse uma cornetinha ali, ia ter nego enfartando na hora. No fim, o motivo pelo qual a fila é tão lerda (não mais do que 200 pessoas podem ficar ali dentro ao mesmo tempo) é um bênção, pois você frequentemente se encontra totalmente sozinho e sem ouvir mais que o som dos próprios passos enquanto anda pelos corredores. Isso enriquece demais a experiência.

Demora-se cerca de uma hora para andar por pouco menos de dois quilômetros de corredores. É um lugar muito legal de conhecer, mas é preciso chegar com antecedência. Esperar aquele tempo todo não vale tanto a pena. A demora me fez ter que correr mais rápido para ver as outras atrações do dia e trocar um possível almoço elaborado por... McDonald’s!

Das criptas parti para a Île de La Citê, o nome gay para a ilhota no meio do Sena onde Paris começou. Lá se encontra um dos símbolos máximos da cidade, a Catedral de Notre Dame, além de outros edifícios históricos. Meu objetivo era a Catedral e lá fui eu me deparar com uma nova fila serpenteando pela praça. Decidi primeiro visitar o sítio arqueológico que fica embaixo da praça (e que não tinha fila, milagre!), com vestígios dos tempos de dominação romana e da Idade Média. Depois, voltei para encarar a procissão. Notre Dame é grande e muito bonita, com certeza, mas acho que eu ainda estava meio anestesiado pelo impacto da Catedral de Berlim. A igreja alemã ganha na base da força bruta, pois é muito maior, e também possui um interior mais ricamente decorado. Para realmente sentir a força de Notre Dame é preciso sempre mentalizar que aquilo tem quase mil anos. Daí sim se percebe como é mais um feito impressionante patrocinado pelo poder da igreja católica medieval.

Não fique muito tempo em Notre Dame pois já era quase cinco horas e ainda dava para correr para outro destino programado para o dia, o Cemitério de Pére-Lachaise. Basicamente, um cemitério. Mas famoso pela grande quantidade de sepulcros monumentais e de algumas personalidades enterradas. Cheguei rapidamente e pude andar por cerca de 45 minutos pelas ruazinhas silenciosas cercadas de túmulos elaborados e antigos (os mais velhos sendo dos fins do século XVIII). Mesmo sendo um local bem famoso na alta temporada, ainda reinava lá um ambiente de paz e silêncio... sepulcral, é claro. Pena que tive pouco tempo, pois poderia gastar mais uma hora vagando pó lá. E não encontrei o túmulo de ninguém conhecido, embora não fosse um grande objetivo meu.

Seis da tarde, hora de rumar para o único destino turístico de Paris que fica aberto até de madrugada e mesmo assim sempre tem gente a dar com o rodo: a boa e velha Torre Eiffel, a Mais Famosa Construção Horrível do Mundo. Chegar até seu topo é uma saga por si só. Na parte de baixo, entre os quatro pilares, filas enormes se formam para pegar os elevadores. Não tenho idéia de qual o tempo da espera, mas deve ser cabreiro. O esquema é comprar o ingresso para subir pelas escadas. O primeiro andar é fácil de chegar e ali você paga quatro euros por uma bebida para agüentar o segundo, que cansa um pouco quem já ficou o dia todo andando, mas é tranqüilo. De lá, a vista já é bonita, mas você está a um terço da altura total. Só que ali, do segundo andar, a fila para pegar o elevador é bem mais sossegada. Ainda tem uma espera de meia hora, quarenta minutos, mas pelo menos você gasta esse tempo apreciando a vista. No elevador, o negócio lembra a torre do Beto Carreiro, você vai subindo, subindo, subindo pra cacete. Até fiquei esperando a hora da queda livre, que felizmente não veio. Lá em cima o espaço é bem pequeno, mas a vista é espetacular. Paris não é uma cidade de arranha-céus, então poucos edifícios sequer chegam perto da altura da torre. Algumas pessoas podem questionar se vale a pena o empenho, mas eu digo que, pelo menos uma vez, sim. Nem que seja para cumprir tabela.

Após descer da torre já era nove da noite (com o sol ainda alto, claro) e rumei de volta para o hotel. Foi um dia legal e bem aproveitado, embora tenha sido ruim ter perdido tanto tempo na fila das catacumbas.

No outro dia, fui visitar o Palácio de Versailles, que fica relativamente distante de Paris. Mas ainda assim é simples chegar lá de trem. Como eu tinha comprado o ingresso antecipado na internet, não me preocupei muito em chegar super cedo, já que “comprando antecipadamente no nosso site você evita filas!”. Sim, você evita a fila de 50 metros para comprar o ingresso e pode entrar direto na de meio quilômetro para entrar no palácio. E dá-lhe espera até entrar no Palácio em si, ali pelas onze e meia. Lembram quando falei que imaginava que Charlottenburg fosse uma versão menor de Versailles? É isso mesmo, mas no segundo caso você precisa prestar mais atenção aos cotovelos das outras pessoas do que à decoração em si. Sério, é o lugar mais saturado que conheci em Paris. Acompanhar a maré de pessoas que se arrastava pelos aposentos reais é parecido com andar na Oktoberfest no sábado do feriadão.

Depois de umas cinco salas, vi que aquilo não ia render, pois não estava conseguindo curtir. Tentei voltar, pensando em voltar no fim da tarde quando imaginava que o fluxo fosse menor. Depois de duas salas uma menina se colocou na minha frente, dizendo que era proibido voltar. Isso mesmo, a saída ali, a alguns metros, mas eu era obrigado a seguir o fluxo do tour principal. Tentei argumentar com ela, que mal sabia falar inglês e foi irredutível. Tendo chegado longe demais para ser jogado para fora pelos seguranças, me resignei a passar o mais rápido possível pelo bolo de pessoas. A cada nova sala socada que aparecia, eu ficava com vontade de socar a menina, por mais bonitinha que ela fosse (aliás, meus cumprimentos ao cara que escolhe as gurias que trabalham lá!). Depois de muito aperto, consegui chegar à saída, finalmente. E ninguém apareceu para me dizer que, na verdade, eu era obrigado a ficar andando em círculos na multidão até o fim dos dias.

Durante aquele horário mais movimentado, decidi focar meu tempo nos jardins e estruturas anexas ao palácio. Ali, não importa se todo o universo tenha decidido fazer uma visita ao mesmo tempo, nunca vai faltar espaço. Os jardins são enormes, se estendendo por lagos, fontes, canteiros e alamedas. Passeei sossegadamente até chegar a uns pequenos palácios anexos, legaizinhos, mas nada fora do comum. Atrás deles, daí sim um lugar muito legal. Um dois reis a usar o palácio, Luís XV, construiu um vilarejo rural-modelo a pedido de sua rainha, a marrenta Maria Antonieta, no final do século XVIII. O lugar ficou conservado e é possível andar por lá realmente se sentindo em uma vila de duzentos anos atrás, com suas casinhas, hortas e criações de animais. Um lugar perfeito para relaxar.

Na metade da tarde, era hora de voltar ao Palácio e encarar o tour de verdade. Me senti como a rainha que pediu para construir o vilarejo, tendo que voltar ao barulho da corte. Minha tática até que deu certo, pois ainda tinha muita gente, mas dava para caminhar mais tranquilo. Uma série de quartos absurdamente decorados, é o que tem para ver. É legal, mas gostei mais dos jardins do que do palácio em si.

Fechando esta parte da viagem, não me arrisco a fazer nenhuma inferência sobre os franceses (além do fato de falarem inglês pior do que os alemães), pois fiquei pouco tempo para conhecer as pessoas. A cidade é riquíssima culturalmente e tem muita coisa para descobrir, eu tive tempo de ir apenas nos pontos mais conhecidos. Só que, ao contrário de Berlim (que não é uma cidade turística), Paris fica verdadeiramente cheia na temporada, por isso é recomendável ir em outro período. A não ser que você queira apreciar bastante as famosas “french filas”*.

6 comentários:

Félix disse...

* Sim, isso foi um trocadilho horrível com "french fries".

Fábio Ricardo disse...

Cara, tu comeu McDonalds em Paris?
Como eles chamam o Quarteirão com Queijo lá? HAHAHAHAHA
Pulp Fiction na cabeça.

Ademar disse...

Imagine que, no palácio de Versailes, na época,não havia sanitário. Milhares de pessoas vivendo e fazendo suas necessidades fisiológicas no palácio. Aliás, Luiz XV reinou durante 59 anos e só tomou banho completo somente duas vezes.

Des personnes nettoient à l'époque. Est-ce que le roi était tenu de prendre un bain?

Pai

sara disse...

Ufa! Cansei só de imaginar aquelas filas. Fora da temporada realmente não é tanto assim! Fiquei com inveja daquele jantar à francesa - mas prá compensar depois foi só Mc D.? que situação!
Vê se agora compensas com uma bela massa - ou...pizzas?!!!!
mãe

Rodrigo Oliveira disse...

bah, mto massa. me parecesse mesmo o tipo de viagem é preciso fazer com certo tempo e sem mta pressa. eu provavelmente perderia mais de um dia no louvre, não sei.
abraço! e cuidado com os sovacos peludos.

Félix disse...

Rodrigo, realmente em uma viagem turística a mente tem que ser programada no modo "econofast". Dá muita vontade de parar mais tempo e analisar detalhes, contexto histórico e tudo o mais das peças... Mas para isso é necessário morar na cidade e visitar cada museu várias vezes. É coisa demais para absorver em alguns poucos dias...